Texto de Gonçalo Pereira Rosa
«Apresentou-se ontem no salão do São Carlos o célebre concertista italiano sr. Agostini, que tem o raro mérito de tocar fagote com o nariz.» Começava assim a primeira mentira de 1 de abril publicada no Diário de Notícias. Inocente e inesperada, deve ter sido divertida para os leitores do jornal no ano da graça de 1870. «Deus lhe conserve por muito tempo as fossas nasais em excelente estado de percorrerem a escala desde o dó até ao si», concluía o articulista.
Nos primeiros anos, as brincadeiras do primeiro de abril saltavam à vista nas páginas densas dos jornais oitocentistas. Podia focar a captura de um peixe monstruoso ou, como em 1894, a fuga de uma fera do zoológico (dois leões perseguidos nas Laranjeiras, em Lisboa, pelo alferes Pimenta, com o fim de os fazer. espirrar).
Noutras ocasiões, porém, os jornais ousavam brincar com a atualidade, sem beliscar as figuras de autoridade. Em 1896, aproveitando a chegada a Lisboa do moçambicano Gungunhana, prisioneiro das campanhas portuguesas em África, o DN anunciou aos leitores a transferência do prisioneiro do Forte de Monsanto para o Castelo de São Jorge em quatro carruagens. Na manhã do dia 1, uma multidão juntou-se nas ruas para ver a passagem do régulo. A fúria da deceção foi descarregada nos jornais que tinham inventado a graça.
Em 1978, o dn contratou uma manequim para, sem abrir a boca, assumir o papel da atriz do escaldante ‘Emmanuelle’ de visita a Lisboa.
No século XX, as brincadeiras ganharam sofisticação. Em 1931, Leitão de Barros, que dirigira artisticamente o Notícias Ilustrado, «provou», com uma fotomontagem, a patranha do Diário de Lisboa, que anunciava um duelo à espada entre os literatos Alfredo Pimenta e Afonso Lopes Vieira.
Pontualmente, vários meios de comunicação juntaram esforços e produziram mentiras mais convincentes: em 1961, o Diário de Lisboa anunciou as primeiras imagens do planeta Vénus, complementadas à noite, na RTP, pela locução de Gomes Ferreira, que anunciava um exclusivo resultante de uma parceria entre Moscovo e Nova Iorque. Só no dia 2 é que o logro foi desfeito.
A lista de tropelias na imprensa nacional é quase interminável e fez a delícia dos crédulos de todas as décadas. Incluiu desastres arquitetónicos como a inclinação da estátua do Marquês de Pombal, a queda de um dos arcos do aqueduto (em 1934) ou o afundamento do Centro Cultural de Belém (em 1992); obras extravagantes como um viaduto de Alcântara à Graça (em 1944); e fenómenos imprevistos – desde a fuga da cadeia do falsário Alves Reis, em 1931, ao casamento fictício de Amália em 1961, passando pela descoberta de lençóis de petróleo em Almada ou em Leixões e por devoluções fantásticas de impostos (tema da manchete fictícia do Jornal de Notícias em 1990).
Mas as mentiras de 1 de abril têm um condão: podem tornar-se verdadeiras. Como O metro do Porto, tema de inúmeras brincadeiras.
No DN, após a revolução de 1974, as brincadeiras de abril tornaram-se elaboradas. Em 1978, o jornal contratou mesmo uma manequim para, sem abrir a boca, assumir o papel da atriz do escaldante Emmanuelle de visita a Lisboa.
Em 1985, a fava coube ao atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vencedor de um falso prémio do Totoloto. Sem se descompor, o professor de Direito assumiu o triunfo, deu entrevistas e até devolveu a provocação: anunciou a doação de parte do prémio aos trabalhadores do DN, então com salários em atraso.
E, em 1992, o jornal mergulhou na Torre do Tombo para de lá extrair um rei português (Dom Teodósio) que governara durante dez dias no século XVI – os mesmos que desapareceram com a adoção do calendário gregoriano.
As chaves de tantas mentiras parecem ser a plausibilidade, a referência na primeira página e a ênfase nos documentos de suporte. Mas as mentiras de 1 de abril têm um condão – podem tornar-se verdadeiras depois de apregoadas.
O metro do Porto, tema de inúmeras brincadeiras, materializou-se mesmo. E o reverso da medalha também ocorre: a nomeação de um ministro, na década de 1980, foi confirmada no dia 1 de abril. Ninguém acreditou.