Eu devia ter uns 13 ou 14 anos a primeira vez que fiz um plano de poupança. Queria comprar uma máquina fotográfica e estava a explicar o meu plano ao meu irmão mais velho. No verão anterior, o meu tio tinha aparecido na praia com uma Polaroid que tirava retratos à la minute e eu guardava na memória o espanto que me causara uma eternidade tão rápida.
O meu projeto começou por ser o óbvio: juntar as mesadas. Mas, fazendo as contas, isso só me permitiria comprar a câmara quando fosse maior de idade – era espera demasiada. Então pensei vender a minha coleção de obras do Júlio Verne, e perguntei ao Hugo (que já duas ou três vezes tinha ido vender bugigangas para a Feira da Ladra) quanto é que ele achava que me dariam por ela. Foi nisto que a minha avó interrompeu a conversa, num tom de autoridade que não admitia discussão: «Meninos, não se fala de dinheiro à mesa.»
Todos devemos ter ouvido isto em alguma altura da vida. Que não é de bom tom falar de dinheiro. Os livros de etiqueta da era vitoriana já apontavam essa indicação, os manuais de instrução para rapazes são bastante categóricos com o tema, e estou capaz de apostar que o mesmo se aplica aos guias de meninas respeitáveis. Esses mesmos manuais transmitem regras que hoje consideramos discriminatórias ou sexistas, mas este protocolo que nos impede de falar de dinheiro prolongou-se estranhamente no tempo. E muito para além do desejável.
Há dias, uma amiga atirou para o meio da mesa um palavrão que não rimava com o dia solar. Dias antes, ela tinha sido convidada para apresentar um projeto de trabalho. «Quanto é que querem gastar», perguntou na altura. A resposta do outro lado foi que ainda não sabiam, apenas sabiam que queriam fazer um trabalho de grande alcance. Ela apresentou as ideias, uma lista de meios técnicos e um orçamento. Nessa tarde, um e-mail dizia que tinham adorado o projeto, mas precisavam de um orçamento cinco vezes mais baixo.
Há esta nacional circunstância que está institucionalizada e que é uma calamidade: pedir trabalhos sem anunciar quanto se quer gastar. Se aquela empresa que contactou a minha amiga dissesse imediatamente que podia gastar um determinado valor, ela iria apresentar um projeto adaptado àquele orçamento. A minha amiga passou umas boas horas a dar jeitinhos ao projeto.
No final, disse-me que teria conseguido fazer melhor com o mesmo orçamento se a empresa lhe tivesse dito à partida que era aquilo que queria gastar. Mas já estava em cima do relógio, tudo iria sair mais caro.
Alguém que pede um serviço a alguém devia estar obrigado por lei a dizer quanto está disposto a pagar. Esta coisa de achar que falar de dinheiro é uma falta de educação só causa atrasos e embaraços.
No jornalismo também acontece muitas vezes, tenho demasiados amigos freelancers para não me aperceber do fenómeno. «Faz-me aí um texto de 20 mil carateres sobre o tema tal para entregar na data tal.» Raras vezes este pedido termina com a frase: «Posso pagar tal.» E isto faz toda a gente perder tempo, motivação e eficácia.
Na mesma noite em que a minha avó me aconselhou a não falar de dinheiro, eu conversei com o meu pai ao jantar. Disse-lhe que queria uma Polaroid mas precisava de arranjar fundos rapidamente. Então ele propôs que eu o ajudasse no trabalho dele durante umas semanas, duplicando a mesada. Foi o meu primeiro emprego e, no final desse ano, lá comprei a câmara.
Essa há muito que se perdeu, mas hoje, nas minhas estantes, conservo as obras completas de Júlio Verne e considero-as um tesouro. A melhor coisa que eu podia ter feito aos 13 ou 14 anos foi falar, indelicadamente, de dinheiro.