Texto de Sofia Teixeira | Ilustração de Sérgio Condeço/WHO
Quero isto.» Esta é uma das frases que Alexandra Simões ouve com mais frequência por estes dias. Os filhos, Mariana, com 8 anos, e Luís, com 6, repetem‑na constantemente enquanto veem televisão. Depois, quando vão ao supermercado com a mãe, deitam a mão aos catálogos de brinquedos e em casa sentam‑se com eles no colo, a sublinhar e a fazer bolas à volta de tudo o que querem. «O ano passado a Mariana recortou tudo e colou numa folha branca», recorda a mãe, divertida.
Não faz grandes comentários aos pedidos, sublinhados ou recortados, mas tenta que no sapatinho esteja sempre um dos brinquedos que eles querem. Os miúdos já sabem que não vão receber tudo e não fazem fitas a propósito disso: já não acreditam no Pai Natal, sabem que quem dá os presentes é a família e que elas custam dinheiro. Estão habituados desde novos a ver preços, a confirmarem com a mãe se é caro ou barato e a saberem, por exemplo, que o valor limite para a compra esporádica dos cromos de que gostam é entre três e cinco euros.
«Os adultos têm os mesmos desejos das crianças, mas percebem que não podem ter tudo e já desenvolveram a capacidade de gerir emocionalmente as frustrações», diz o psicanalista Nuno C. Sousa.
«Temos uma vida confortável mas não quero criar filhos consumistas. No Natal têm de resumir a lista a três presentes. Eu dou um, os avós outro e o tio outro.» Para este ano, Mariana pediu uma consola que viu na televisão e como é um presente caro, isso implica apenas uma prenda em vez de três. «Se são coisas com um valor alto, a família dá em conjunto o mesmo presente.»
Mariana e Luís compreendem tudo isto, mas o certo é que há miúdos que nesta época, bombardeados com publicidade a brinquedos e com a perspetiva do Natal à porta, não só se excedem nos pedidos como parecem ficar tomados por essa febre que os leva a pedir tudo e mais alguma coisa. Na realidade, não é muito diferente do que se passa com algumas pessoas mais velhas. «Os adultos têm os mesmos desejos das crianças, mas percebem que não podem ter tudo e já desenvolveram a capacidade de gerir emocionalmente as frustrações que daqui advêm», diz o psicanalista Nuno C. Sousa.
De acordo com o especialista, o papel dos pais é demonstrar que há uma preocupação com os desejos das crianças, mas também que não é possível satisfaze‑los na totalidade, explicando porquê. «Incutir o sentido de responsabilidade através de uma lista com um número limite de prendas, para que a criança se habitue a fazer escolhas, é uma boa ideia.» Já a ganância, sugere um provável sinal de que a criança está a sentir necessidade de tempo de qualidade com as pessoas de quem gosta.
«O consumismo patológico surge quando a criança vive sozinha com os brinquedos e não aprendeu que os objetos são um meio para a relação com as pessoas», explica. Quando a criança percebe isso, o verdadeiro prazer vem da interação e não da posse de um objeto.
Por essa razão, o maior conselho do especialista é simples: «No Natal ofereçam brinquedos, mas depois vão brincar com eles!
Durante o resto do ano, ofereçam experiências em família, porque é em relação que se aprende o valor das relações.» É o que Alexandra tem feito com os filhos: «Além dos presentes que pedem, compro sempre um jogo para a família. O Jogo da Glória continua a ser o preferido. Mas já lhes dei o Mikado, o Dominó e o UNO. Todos os anos é um diferente.»
Além disso, lá em casa, antes de receberem têm de dar: por altura do Natal tiram uma tarde para escolher brinquedos e roupa que vão todos juntos entregar a um abrigo de mães adolescentes perto de casa, no Porto. Uma opção que, de acordo com a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, faz todo o sentido. «Os atos de receber e dar equilibram‑se.»
Tal como muitos pais regulam o tipo de programas que deixam as crianças ver, é importante que não encarem os intervalos como seguros, pensando que “é só publicidade”.»
Em casa de Susana Matias, também há o hábito de escolher presentes para dar, mas a conversa é outra no que toca a pedidos de prendas e respetiva justificação de não receberem tudo. Francisco e Gonçalo, de 9 e 5 anos, ainda acreditam que é o Pai Natal que traz os presentes. «Escrevem‑lhe uma carta com os pedidos no dia 1 de dezembro, quando fazemos a árvore de Natal lá em casa», conta a mãe.
No ano passado, depois de Francisco aparecer em casa a dizer que os amigos achavam que eram os pais que davam as prendas, recebeu uma carta do Pai Natal a dizer que não podia aparecer a todos os menino e continuou a acreditar. «Escrevi eu a carta, claro. Enquanto puder mantenho o imaginário deles.»
Ainda assim, o espírito consumista da quadra não lhes passa ao lado, apesar de Susana lhes limitar muito o acesso à televisão, uma diligência que para Filipa Jardim da Silva também faz sentido. «Se pudermos regular a intensidade e tipo de estímulos de consumo, é mais produtivo.
Tal como muitos pais regulam o tipo de programas que deixam as crianças ver, é importante que não encarem os intervalos como seguros, pensando que “é só publicidade”.» Neste Natal, Gonçalo quer o camião da Patrulha Pata, carrinhos e uma trotineta. Francisco, o mais velho, quer o Zoomer, livros e um kit de ciências. Alguns dos desejos vão ser realizados, outros nem por isso. «Digo‑lhes que o Pai Natal lê as cartas e dá os presentes em função do comportamento dos meninos ao longo do ano. Além disso, explico que há muitos meninos a quem dar prendas e as renas não podem vir muito pesadas.»
«Quer as prendas venham da família ou do Pai Natal, os princípios a transmitir são os mesmos, a quantidade de imaginação necessária para os transmitir é que poderá ser diferente», diz Nuno C. Sousa. Se a criança acredita no Pai Natal, o psicoterapeuta defende que se pode argumentar que há muitos meninos no mundo e que o Pai Natal tem de distribuir por todos as prendas que conseguiu fabricar. «Aqui tem‑se oportunidade de explicar o conceito de partilha e do prazer de ver que os outros também têm oportunidade de sentir felicidade.»
Quando a fartura de presentes é muita, Susana Matias partilha ainda outra estratégia que usa desde sempre com os miúdos: põe de parte alguns que lhes dá ao longo do ano. «É uma forma de irem sempre tendo alguma surpresa e de brincarem mais com o que recebem.»
Para Filipa Jardim da Silva, o que não é legítimo é associar os presentes ao desempenho escolar ou ações da criança.
«Pode existir uma prenda bónus caso cumpra com alguns objetivos acordados, em relação ao comportamento, à alimentação ou às notas. Mas é importante que a criança tenha a segurança, de que, independentemente destes fatores, terá sempre afetos e receberá sempre alguma prenda no sapatinho.»
UM TRABALHO PARA O ANO INTEIRO
Promover uma postura menos consumista começa na educação ao longo do ano e não apenas no Natal. A psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva deixa conselhos práticos a aplicar nos outros meses.
1 – FOCO NAS EXPERIÊNCIAS E NÃO NOS OBJETOS
Os momentos em família podem ser pautados pelas trocas e partilhas e pelas atividades feitas em conjunto, deixando telemóveis e televisão de parte, para promover o foco nas relações.
2 – EXEMPLO PARENTAL
De pouco serve promover doutrinas anticonsumismo se a criança vê a mãe sempre a trazer roupa nova do shopping, se ouve o pai a apontar para objetos que desejava ter, se vê comida a ser deitada fora todos os dias. Mais do que o que é dito, importa o que é feito.
3 – PROTEJA A CRIANÇA DA SOBRE‑EXPOSICAO À PUBLICIDADE, INTERNET E TELEVISÃO
É importante acompanhar a criança nos momentos em que está a ver televisão ou está a navegar pela internet, diminuindo os tempos de utilização destes equipamentos que incentivam ao foco no materialismo desde cedo.
4 – NÃO SOMOS O QUE TEMOS
À medida que a criança cresce, poderá sentir pressão pelos pares para ter os «ténis da moda» ou «o telemóvel que todo o pessoal fixe tem». Os pais devem ensina‑ la a não confundir bens materiais com valor pessoal e identidade.
5 – ANTES DE SAIR DE CASA EXPLIQUE O QUE VAI ACONTECER
Se vai ao supermercado deve levar uma lista e artigos que não integrem a lista ficam de fora. A criança acabará por aprender a diferenciar compras programadas de compras por impulso.
6 – SABER DIZER NÃO
Os limites podem estar entre os maiores atos de amor que os pais podem dar aos seus filhos. Estruturam, securizam e traduzem afeto.
7 – PROMOVA A PRÁTICA DO «FAZEMOS NÓS»
Estimule a criatividade dos filhos com a construção de brinquedos, pintura de pedras, recorte de cartolinas, fabrico de fantoches com colheres de pau. Está a reforçar a autoconfiança e a consciência financeira e ambiental.