Texto Rui Pedro Tendinha
A memória do nazismo e da Segunda Guerra Mundial nunca passou de moda – felizmente. Mas, em matéria de cinema, os últimos anos têm trazido vários filmes que mostram o terror nazi e o esforço da Resistência. Porque o esquecimento é o grande perigo. Porque os espetadores, sobretudo as gerações mais novas, estão disponíveis para apreciar o género do «filme de guerra».
E é sobretudo Hollywood a rentabilizar a fórmula – só este ano os grandes estúdios têm na calha para a temporada dos prémios dois filmes realizados por ingleses com o mesmo tema: Dunkirk, de Christopher Nolan (já estreado), e A Hora Mais Negra, eficiente olhar de Joe Wright sobre a maneira como Winston Churchill comandou a Inglaterra em tempo de guerra.
Esta semana chega aos cinemas uma megaprodução europeia, falada em inglês e com talentos de todas as proveniências. O Homem de Coração de Ferro, do francês Cédric Jimenez, a partir do livro HHhH, de Laurent Binet, vencedor do melhor primeiro livro Prix Gouncourt, baseia‑se no acrónimo alemão de Himmlers Hirn heisst Heydrich, uma história sobre a subida a pulso de Reinhard Heydrich no exército do führer.
O filme mostra todo o percurso de ascensão de Heydrich, desde o momento em que se casou com um membro do partido nazi alemão até à forma como se tornou no maior arquiteto da solução final.
Tudo começa no momento do atentado que lhe tirou a vida numa rua dos arredores de Praga por dois membros da Resistência checoslovaca. A partir daí recuamos no tempo e a narrativa revela aspetos da juventude do único homem de peso do III Reich morto num atentado durante a Segunda Guerra Mundial, focando num bloco estanque o plano da Resistência para executar o oficial nazi, eliminado por dois soldados checos treinados pelos britânicos e que durante algumas semanas conseguiram perceber os pontos fracos da segurança em redor de Heydrich.
O filme apresenta‑nos um homem que, apesar de aparentar amar a mulher e os seus filhos, acabou por cair numa obsessão, deixando para trás todo e qualquer sinal de humanidade.
O Homem do Coração de Ferro consegue recriar uma época com grande atenção aos detalhes, embora o mais relevante desta reencenação dos horrores nazis seja a forma direta como mostra o método de Heydrich de organizar o holocausto.
Um militar que aplicou toda a sua disciplina e visão para eliminar por fases todos os judeus da Europa através de um plano minucioso que passava por triagens sistematizadas quanto ao status social das vítimas e suas nacionalidades.
O filme apresenta‑nos um homem que, apesar de aparentar amar a mulher e os seus filhos, acabou por cair numa obsessão, deixando para trás todo e qualquer sinal de humanidade. Em Praga, onde era o supremo comandante na ocupação alemã, ganhou a alcunha de «O Carniceiro de Praga».
O realizador francês Cédric Jimenez acredita ter feito um filme de época com lições para os nossos dias: «Perguntamo‑nos como isto pôde de acontecer. Como as pessoas podem enganar-se tanto em termos de crenças e de ideologias.»
O realizador francês Cédric Jimenez acredita ter feito um filme de época com lições para os nossos dias: «Perguntamo‑nos como é que isto pôde acontecer. Como as pessoas podem enganar-se tanto em termos de crenças e de ideologias!? Pensamos na Segunda Guerra Mundial como um pesadelo, mas o problema é que foi um pesadelo real. Todos queremos justificações para o que aconteceu, mas ninguém consegue.»
Na Mostra de Cinema Judaico de 2016, em Lisboa, passou em antestreia Anthropoid, de Sean Ellis, uma produção inglesa focada na trama do plano de assassínio ao Carniceiro de Praga. Foi um descalabro nas bilheteiras e ignorado pela imprensa.
A vantagem deste novo projeto (que acabou por ter de esperar algum tempo para não ser chamuscado pelo filme rival) é que tem mais cinema e uma vontade de nos fazer refletir com toda a cegueira alemã durante a euforia das promessas de supremacia de Hitler.
Para o ano chega também aos nossos cinemas o brilhante O Capitão, de Robert Schwentke, um olhar alemão sobre a vergonha de uma loucura criminosa comum. Um filme que serve para pôr o dedo (o próprio dedo, neste caso) na ferida.
Atores de luxo
Jason Clarke
Um dos australianos que está a conquistar Hollywood. Já filmou com Oliver Stone, Des Rees e Kathryn Bigelow. Clarke dá à personagem de Heydrich, através de um trabalho de expressão corporal arrepiante, uma certa dose explosiva.
Rosamund Pike
A atriz inglesa nomeada ao Óscar por Em Parte Incerta, de David Fincher, interpreta a mulher de Heydrich, alguém que com o passar do tempo percebe que pode estar a dormir com um monstro. Vimo‑la recentemente em Um Reino Unido e em breve estará a partilhar o ecrã com Christian Bale no western Hostiles.
Mia Wasikoska
A eterna Alice de Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton, é a outra australiana do elenco. Interpreta uma checa voluntária da Resistência que ajuda um dos soldados na missão de assassinar Heydrich. Está neste momento a filmar Bergman’s Island.
Jack O’Connell
A carreira do inglês deu um grande salto com o thriller ‘71, sobre um soldado inglês perdido em território do IRA. Foi logo chamado para ser o protagonista de Invencível, de Angelina
Jolie, e de Money Monster, de Jodie Foster. Aqui interpreta Jan Cubis, o homem que lançou a bomba que matou Heydrich.
Jack Reynor
Um irlandês nascido nos EUA, foi o escolhido para ser um dos dois soldados encarregues de tirar a vida ao Carniceiro de Praga. É neste momento um dos atores mais procurados internacionalmente, tendo ganho fama em Transformers – A Era da Extinção e no recente Detroit, de Kathryn Bigelow.