Entrevista de Hélder Gomes
Que tipo de ajuda pode um padre dar a um pai ou uma mãe que perderam um filho?
Nós, padres, que temos fé e acreditamos na vida eterna, temos uma arma que os psicólogos e os psiquiatras não têm, que é a arma da fé. Eu tenho confiança que haja vida eterna. Recordo-me de ler, há pouco tempo, uma obra do General Pires Veloso. Encontrei-me com ele três ou quatro anos seguidos nas Termas de Alcafache. Ele ofereceu-me uma biografia, com prefácio do Mário Soares, que dizia: «Você tem uma coisa que eu não tenho. Eu não tenho fé, você tem. Você vai morrer e acredita na vida eterna. Eu vou morrer e é um acaso: nasci por acaso e morro por acaso». Quando os pais vêm ter comigo, eu pergunto se acreditam ou não.
E isso faz a diferença?
Eu tenho um amigo com apenas um filho, com 21 anos, e os avós só têm aquele neto. Portanto, se ele morrer, a família acabou, não há continuidade. Quando vou ao hospital visitar o rapazinho, que tem um tumor na cabeça, a única coisa que eu tenho a dizer é: «olha, eu vou rezar pelo teu filho». Hoje, vou jantar a casa de uma família que tem um filhito, com três anos, que teve um cancro na boca. Há um ano e meio, teve de andar a tratar do cancro. Felizmente, agora está bem. Sempre tivemos esperança de que ia correr bem. O pai não é crente. A mãe é muito crente e praticante. Os avós e os tios também. Eu e uma tia fomos a Fátima. Esta oração de esperança, de vida eterna é que leva as pessoas a confiarem. Vêm ter comigo, vão ter com um psiquiatra ou com um psicólogo… É diferente. Cada um dá o que tem para amenizar.
E nunca sentiu de uma pessoa crente uma angústia, uma revolta imensa?
Senti o desespero e vem sempre aquela eterna pergunta: porque é que Deus me fez isto? Claro que Deus não é um tapa-buracos. Antigamente, morria-se num acidente. «Ah! Foi um castigo de Deus». Temos de ultrapassar essa ideia de Deus tapa-buracos, de juízo, de castigo. Deus é um mistério de ser. Ou acreditamos ou não acreditamos. As pessoas agarram-se a mim, sobretudo as mães: «Mas porque é que Deus me fez isto?» Eu não tenho respostas. A resposta pode ser o silêncio, a nossa oração. Mesmo que as pessoas não sejam crentes, eu rezo com elas. Dou-lhes a mão, rezo com elas e dou-lhes esperança.
Claro que Deus não é um tapa-buracos. Antigamente, morria-se num acidente. «Ah! Foi um castigo de Deus». Temos de ultrapassar essa ideia de Deus tapa-buracos, de juízo, de castigo. Deus é um mistério de ser. Ou acreditamos ou não acreditamos.
Também há não-crentes que, através das suas palavras, passam a ser crentes?
Sim. Porque, como pessoas que somos, revemo-nos no rosto do outro. O outro olha para mim como padre e como homem de fé. Ainda por cima, eu fui professor durante muitos anos e, portanto, sou um homem da academia, da ciência, das letras, das artes. E o outro revê-se. E ao rever-se na pessoa de um padre crente, que vai ao seu encontro, que tem paciência, no sentido positivo, para ouvir, isso conforta as pessoas. Eu tive uma situação dessas anteontem com um médico não-crente, que veio ter comigo porque tem uma dor terrível por causa de um divórcio, numa situação que envolve filhos e netos. Estivemos aqui na conversa durante uns 40 minutos e sei que para ele foi reconfortante.
Nota alguma diferença no comportamento, na força da fé de um crente antes e depois da morte de um filho?
Bem, é um bocado difícil perceber isso. Há pessoas que eram crentes não-praticantes, morreu-lhes um filho e ficaram muito chateadas, depois reconciliaram-se com Deus e consigo próprias e recomeçaram a ir à missa, a praticar. Tenho tido casos destes. Estou a lembrar-me de uma mãe que perdeu um filho. Ele tinha o bom vício de nadar e ia à pesca profunda, a trinta metros de profundidade, e um dia ficou no mar. A mãe tinha por ele um amor tremendo e ficou completamente despedaçada. Eu andei com ela um mês, dois meses, três meses. Ela vinha aqui e eu fui a casa dela várias vezes. Antes, ela não praticava, mas, depois daquela dor passada, começou a praticar e sentiu-se melhor.
Um crente que perde um filho agarra-se à esperança de o encontrar na vida além da morte?
Antigamente, quando ainda havia a cultura de ter muitos filhos, dizia-se que morria uma criança e era mais uma luzinha no Céu, era um anjo no Céu que estava a rezar. Hoje em dia, não há essa cultura, mas subsiste essa questão de estar no Céu. Nós, na Igreja Católica, temos sempre a comunhão dos santos, a comunhão dos vivos e dos mortos, mas isto é tudo um mistério. Aqui vivemos como vivemos, numa Terra cheia de misérias, de terrorismos… Antigamente, falava-se do Céu como um lugar. Ora, isso acabou. O Céu e o Inferno não são lugares.
Antigamente, falava-se do Céu como um lugar. Ora, isso acabou. O Céu e o Inferno não são lugares.
O que são, então?
São um estado de ser e, como tal, é sempre um mistério de Deus. A pessoa tem de entrar no mistério de Deus para entrar no mistério da sua própria vida. A vida da pessoa é um mistério, ela própria. Nós vivemos o mistério do infinitamente grande, na perspetiva das galáxias, das estrelas, e o mistério do infinitamente pequeno, com os átomos e os sub-átomos. Não sei se há outros universos, mas o universo que nós conhecemos é um mistério, é um mistério de ciência, de matemática, de leis, que está de tal maneira concatenado, tão interligado que se houvesse qualquer coisa que chocasse, isto desaparecia. Eu transmito este testemunho de mistério do universo ao mistério da pessoa. Quem é a pessoa? Quem somos nós? O que é o nosso cérebro? E com esta dimensão de mistério, as pessoas ficam mais aquietadas, com mais serenidade. Porque sabem que o filho entrou dentro de uma luz, de um mistério de luz, e isso satisfá-las. O filho não foi perdido, está em comunhão com eles. Está na família, tem lá uma fotografia, uma luzinha. É esse o mistério da vida.
Mas nunca lhes garante que se vão reencontrar com os filhos…
Não há uma garantia de visibilidade. Não há corpo, não há ossos, não há olhos, como aliás acontece com qualquer pessoa que morre. Somos semente lançada à terra, depois, ao ressuscitarmos, ressuscita outra semente. É a mesma pessoa, mas de outra maneira. Agora, como é essa outra maneira? Isso é um mistério.
Os islâmicos terroristas sabem que, morrendo, vão para o Céu. São mártires de Alá. São suicidas da sua própria fé. Eu faria por desmontar aquele sistema de pensamento. A fé tanto pode fazer bem como fazer mal. A fé do terrorista, para mim, é uma interpretação má do Alcorão, mas há pessoas que chegam a estas conclusões e isso é perigoso. Eu desmontaria essa fé, essa falácia.
O que sabemos é que, em princípio, será não corpórea?
Sim, é não corpórea. Não há corpo, não há dimensão, não há medida. Tanto faz o corpo ir para o cemitério como para o crematório. Agora, a pessoa continua como pessoa. Essa pessoa chamada Joaquim ou Maria ou Manuel continua como pessoa num corpo espiritualizado, se quisermos. Como é ninguém sabe. Só sabemos depois de morrermos.
Falou há pouco de terrorismo… E quem morre em nome da fé?
Os islâmicos terroristas, por exemplo, sabem que morrendo vão para o Céu. São mártires de Alá. O que há a desfazer ali é esta verdade que eles aceitam. São suicidas da sua própria fé. Eu faria por desmontar aquele sistema de pensamento. A fé tanto pode fazer bem como fazer mal. A fé do terrorista, para mim, é uma interpretação má do Alcorão, mas há pessoas que chegam a estas conclusões e isso é perigoso. Eu desmontaria essa fé, essa falácia.
Leia AQUI o artigo sobre como enfrentar a morte de um filho.