No Porto, há uma loja de chocolates dentro de um hospital, onde se vendem produtos para diabéticos e bombons artesanais à base de cacau puro – alguns deles já foram premiados. Entre as muitas criações há pedaços de ouro comestível.
«A senhora enfermeira mandou-me aqui abaixo comprar chocolates para ver se as contrações da minha mulher avançam e o nosso filho nasce.» O pedido foi feito a Alexandra Fontes, dona da loja gourmet Theo Kakaw, dentro da CUF Porto Hospital. É a única chocolataria artesanal no país situada numa unidade hospitalar e, garante a proprietária, das poucas em todo o mundo.
A ideia surgiu-lhe em 2011, quando começou a pensar em desenvolver um negócio de chocolates artesanais e com cacau puro. «Queria abrir a loja num sítio diferente e andei a pesquisar. Vi que nos EUA havia um hospital que tinha uma loja de chocolate. E decidi fazer o mesmo aqui.» Desde 2012 tem um espaço naquele hospital privado, onde vende chocolates sem conservantes, apenas com cacau, que, sublinha, tem propriedades benéficas para a saúde. «Tem ferro, magnésio, que é bom para o coração, para o cérebro, para o sistema digestivo e ajuda as mulheres durante o ciclo menstrual.» E acrescenta que as propriedades do cacau são igualmente eficazes para combater o stress. Por isso, diz, faz ainda mais sentido estar num hospital. Nas prateleiras há também chocolates para diabéticos. «São feitos sem adição de açúcar, mas com adoçante», garante, explicando que os celíacos também podem ser seus clientes: «Todos os produtos aqui vendidos não têm glúten. E estamos certificados pela Associação Portuguesa de Celíacos.»
As caraterísticas dos chocolates de Alexandra e a sua determinação levaram-na a abrir lojas noutros hospitais. Um ano (2013) no Hospital da Prelada, da Santa Casa da Misericórdia, e uns meses no Hospital Lusíadas do Porto. «Mas a localização dentro dos estabelecimentos era má e tive de deixar essas lojas», explica a dona da chocolataria Theo Kakaw, recordando que quando propôs a ideia à unidade da Prelada, os membros do conselho de administração ficaram estupefactos. «Mas depois o responsável da Santa Casa veio ver a loja da CUF, adorou e quis avançar.»
Hoje, Alexandra, 46 anos, tem a loja no hospital privado, mas o sucesso que tem tido obrigou-a a montar no último ano e meio uma fábrica de chocolates em Pedras Rubras de 107 metros quadrados. Até então trabalhava em casa, num espaço junto à cozinha.
Fazia, e ainda faz, tudo à mão, sozinha. Coloca as pastilhas de cacau, que vêm da Bélgica, numa pequena temperadora, um recipiente de inox elétrico, onde derretem, subindo até 50 graus.
Depois, em cima de uma mesa de pedra mármore e com duas espátulas em inox, vai mexendo até arrefecer e descer aos 28 graus. Volta então a colocar na cuba até aos 32 graus. Nessa altura, Alexandra junta vários outros ingredientes que fazem dos seus chocolates produtos gourmet – como vinho do porto de alta qualidade, queijos de ovelha amanteigado e até folhas de ouro comestível.
Dois dos seus bombons, com vinho do porto, foram já premiados: ganharam o primeiro prémio no Festival de Chocolate e Vinho do Porto, no Peso da Régua, em 2012 e 2014. E um deles, o Pipo de Ouro – com uma ganache (creme) de vinho do porto reserva e uma sultana previamente embebida nesse vinho – foi neste ano considerado o melhor bombom com bebida alcoólica no Concurso Nacional de Chocolates Tradicionais. O outro bombom premiado foi a Vinha, com uma redução de vinho do porto e uma ganache de canela. «Tem um sabor a Natal», descreve Alexandra. Os dois bombons foram escolhidos para acompanhar o café no almoço que foi servido na Quinta da Pacheca, em Lamego, ao antigo presidente da República Cavaco Silva e a toda a comitiva na comemoração do Dia de Portugal (10 de Junho) do ano passado.
Já neste ano, Alexandra fez um chocolate para a filha do presidente de Angola, a empresária Isabel dos Santos. «Pediram-me para fazer umas colheres de café em chocolate para servir à filha de Eduardo dos Santos e convidados, num almoço que decorreu num palácio no Porto.» Alexandra começou por aprender tudo sozinha. Antes de montar o negócio era explicadora de Alemão e Português. «Desisti há uns tempos de dar aulas em escolas secundárias porque tinha filhos pequenos e era sempre colocada longe de casa.» Começou a dedicar-se às explicações e montou um centro para receber os alunos. Em 2011, quando o marido, engenheiro informático, ficou desempregado, sentiu que era o momento de arriscar e decidiu tornar-se mestre chocolateira – chocolatier, uma artesã de chocolates. Investigou e foi experimentando. «Deitei muita coisa fora», recorda. Entretanto foi ganhando experiência e tirou alguns cursos e formações. A primeira formação foi-lhe dada pelo chef Osvaldo Piuza e depois participou num curso dado pelo mestre chocolateiro belga Frank Vermogen. «Fui ao Algarve, onde ele tem a Quinta do Xocolatl, em Tavira, para aperfeiçoar as minhas técnicas.» Mais tarde teve ainda aulas com António Melgão, pasteleiro especializado em chocolate e bombons.
Hoje, além da loja, Alexandra tem solicitações de todo o tipo. Nas últimas semanas esteve a fazer, entre outras encomendas, 500 bombons para o Complexo Mineiro Romano de Três Minas, em Vila Pouca de Aguiar. Além de recheio de mel, todos os bombons que fez tinham pedaços de ouro comestível. Cada folha de ouro tem 23 quilates e a chocolateira adiciona um bocado em cima de cada bombom. «É uma folha tão fina, tão fina, que quando estou mexer a fazer o bombom não posso quase respirar para ela não voar», diz, para explicar a delicadeza do ingrediente. A ideia dos responsáveis daquele complexo é, através do bombom que disponibilizam aos visitantes, dar a conhecer as duas principais marcas do património desta zona: o ouro, recordando a exploração que era feita nas minas pelos romanos há cerca de dois mil anos, e o mel de urze, produto caraterístico da região. Já para outro cliente, fez nove mil bombons com vinho do porto, vinho vilarinho e azeite. Para a Quinta da Tapada, em Lousada, confecionou bombons com queijo de vaca curado.
Todos os dias, Alexandra passa horas a trabalhar com chocolate, tarefa que tem de dividir com a educação dos três rapazes e com o centro de explicações que ainda mantém. Para acompanhar as tendências tem também uma gama para quem é adepto dos produtos biológicos. «São feitos com cacau de plantações do Peru em que as árvores não levam fertilizantes.» Além disso, costuma fazer chocolates com frutos desidratados biológicos, como ananás dos Açores, banana da Madeira, pera-rocha, do Oeste, e laranja do Algarve.
O gosto pelos doces, acredita Alexandra, foi herdados da casa da avó Palmira, que adora cozinhar e tinha sempre alguma coisa preparada para os netos e as visitas. «Era comum eu subir aos armários para ir buscar compotas.»
Nunca pensou que fosse seguir o exemplo doceiro da avó, mas hoje não imagina a vida sem estar na cozinha a criar bombons gourmet. E orgulha-se de ter pensado num local tão diferente para os vender.
Na loja da CUF Porto Hospital ainda pensou em fazer moldes de seringas e outros objetos relacionados com medicina, que encontrou à venda no Brasil. Mas desistiu por ter percebido que as pessoas não gostam de receber coisas que lhes lembrem que estão doentes. «Tenho aqui uns autocolantes a dizer “rápidas melhoras”, mas nunca vendi nenhum.» Quando se come um chocolate, lembra Alexandra, a ideia é ter simplesmente «um momento agradável e de prazer».
BOLOS-REIS E PRESÉPIOS DE CHOCOLATE
Todos os anos, a chocolateira Alexandra Fontes cria alguns produtos para o Natal. Neste ano, nas prateleiras da loja Theo Kakaw haverá bolos-reis de chocolate com mistura de frutos e decorados com cerejas, figos e açúcar em pó. «Estou a fazer tambémpresépios todos de chocolate e árvores de Natal», explica a autora das peças. Além disso, haverá sapatos, molduras e bonecos de neve, tudo feito com cacau. A mestre chocolateira tem dado vários workshops, alguns sobre bombons para a época de natalícia.