Parkour, saltos na cidade

Trepar muros e dar saltos entre edifícios pode parecer coisa de jovens irrequietos, mas o parkour é uma boa opção para quem não tem medo de enfrentar medos e quer ultrapassar barreiras. Obstáculos intransponíveis são transformados em desafios em qualquer ponto da cidade. Em Lisboa e no Porto há sítios para aprender e aperfeiçoar.

O que mais custa a Eliana Lemos não são as nódoas negras nem o receio de não superar os seus limites. É o facto de habitualmente ser a única mulher no grupo de traceurs – os praticantes de parkour. «Sinto-me sempre observada pelos rapazes, deixam-me constrangida.» Com 35 anos, a consultora de nutrição e saúde praticou vários desportos, como kung fu ou yoga, mas depois de experimentar parkour na academia Spot Real, em Marvila, Lisboa, foi amor ao primeiro salto. «Isto é viciante.» A destreza de movimentos com que ultrapassa os obstáculos não reflete a pouca prática. «A maior vantagem obrigar-nos a sair da caixa, a superar-nos diariamente, a ultrapassar os nossos limites. E isso reflete-se na vida pessoal, no trabalho ou nos relacionamentos.»

Fundada no final do ano passado por Ângelo Morais, Nuno Santos, Hilário Freire e Ricardo Jorge, rapidamente se tornou um sucesso para quem quer experimentar a modalidade em segurança. O antigo armazém de vinho da empresa Abel Pereira da Fonseca, degradado, foi remodelado durante meses. «O importante é desbloquearmos as barreiras individuais, fazer que cada um ultrapasse os seus medos», diz Ângelo. «O fator-chave é a parte mental.»

Leandro Silvestre, 14 anos, vai dando nas vistas pelos saltos de free-run, vertente mais acrobática. Começou por praticar na rua com os amigos, mas quando soube da Spot Real não hesitou. «Não se trata de competir, mas de experimentar em Spot Real não hesitou. «Não se trata de competir, mas de experimentar em conjunto novos saltos, novas acrobacias. Quando um faz um salto novo, os outros têm de fazer igual. Não queremos impressionar ninguém, o objetivo é sentirmo-nos bem connosco próprios.» Ao contrário dos praticantes mais avançados, Leandro prefere treinar na academia, ao invés de em espaços urbanos. «Aqui controlamos melhor os movimentos e temos mais segurança, sabemos onde vamos cair e até onde arriscar.»

«O segredo é ultrapassar o medo, de forma individual», diz Hilário Freire. Ao saltarem entre dois edifícios de dois andares em Telheiras, uma das mecas do parkour em Lisboa, Ângelo e Hilário encaram o salto de mais de dois metros naturalmente.

«É como um jogo: quando atingimos um nível, queremos passar para o seguinte. Quanto mais aprendo, melhor consigo pôr em prática outras técnicas em variadas situações.»

Para quem observa da rua os saltos dos dois traceurs, a altura impressiona. Não parece, mas tudo é feito em segurança, sem porem em risco a sua integridade física. «O parkour ensina-nos a ser perseverantes, com treino e dedicação, a saber ultrapassar novos obstáculos. No fundo, é tal e qual como na vida real. É isso que transmitimos aos miúdos na academia», diz Ângelo.

Quem pratica parkour sabe que a geografia da cidade é o seu espaço de treino. Caminhar ao lado de um traceur na rua é uma nova forma de descobrir a cidade. Um praticante de parkour vê no espaço urbano novas formas de a percorrer, novos obstáculos, saltos, subidas em paredes e rolamentos para amortecer as quedas. Entre o topo de dois prédios com cerca de vinte andares, Ângelo vê um salto arriscado mas desafiador. Hilário hesita. Ângelo insiste. «Bora lá! Tu fazes aquilo na boa.» «É melhor não», decide Hilário. Tal como em qualquer modalidade, nem sempre pode vencer o mesmo. No parkour o medo também conquista algumas vitórias, até porque uma das premissas é nunca se porem em situações-limite. Talvez isso explique o número reduzido de lesões aos seus praticantes (não confundir com nódoas negras).

Em Miraflores está localizado aquele que muitos consideram o melhor spot para se praticar parkour em Lisboa. Depois das noções básicas indoor, nada melhor do que aplicá-las em cenários reais.

O espaço, entre dezenas de prédios, tem escadas, rampas, claraboias e paredes para todos os gostos. Os moradores nas traseiras dos prédios da Avenida dos Bombeiros Voluntários de Algés lançam olhares de espanto e receio ao verem as acrobacias dos traceurs, mas já estão habituados – menos o responsável pelo condomínio: «Ou saem já daqui ou chamo a polícia», ameaça. Os traceurs vão tentando explicar que não estão a estragar nada, que este é um desporto como outro qualquer. O segurança nem sequer os ouve. «Quando eu chamar a polícia têm de ficar aqui até eles chegarem, não é como sempre acontece, que depois fogem todos.»

O grupo de dez jovens decide trocar de local, para não agravar o mau humor de ninguém. Eliana, novata nestas andanças, é a primeira a virar costas. Prefere um spot mais afastado, em que o objetivo é escalar uma parede em dois movimentos. Ao seu lado, Raquel Abreu, de 24 anos, tenta aumentar a dificuldade do desafio. «Há um ano queria algo diferente, não repetitivo como as aulas em ginásio. No parkour há um mundo por explorar, em que cada um encara os desafios de uma forma diferente. Basta imaginação e criatividade.»

Pedro Salgado, que foi campeão mundial da modalidade e é o único atleta português a viver exclusivamente do parkour, através de um patrocínio de uma marca de roupa e acessórios, não se surpreende com as queixas. «Antigamente éramos vistos como marginais, mas agora é cada vez menos frequente isso acontecer, em parte pela participação de traceurs em novelas como Morangos com Açúcar e Floribella. Respeitamos o espaço das pessoas, não queremos incomodar ninguém. Apenas damos outra utilidade ao espaço urbano.»

Com 25 anos, Pedro começou a praticar o desporto há dez, influenciado pelo pai, praticante de cliff diving. Os vídeos de Jackie Chan e de David Belle despertaram o impulso decisivo.

«Todos os dias tento ir mais além. Só não tento aquilo que é humanamente impossível. Tal como nos filmes, não se deve tentar fazer isto em casa sem as bases necessárias.» Na academia vai treinando antes de mais uma prova, apesar de preferir fazê-lo na rua.

O parkour terá nascido no início da década de 1980, em França. O seu criador, David Belle, filho de um ex-militar, usou algumas técnicas transmitidas pelo pai e batizou o desporto de parkour (parcours, percurso), que consiste em ultrapassar obstáculos do modo mais rápido e direto possível através de diversas técnicas como saltos, rolamentos e escaladas.

Luís Alkmim, brasileiro de 25 anos a viver em Lisboa desde 2004, começou a praticar mal chegou a Portugal. «Vivia nas traseiras do spot de Miraflores; foi irresistível, até porque sempre fui o miúdo-macaco da turma.» Quem o vê a escalar paredes com uma destreza invulgar, a saltar obstáculos impossíveis para o comum dos mortais, percebe que o parkour está-lhe nas veias. Por vezes treina na academia, mas nada como a realidade do espaço urbano, nua e crua. Também passou pela competição, mas após vários troféus conquistados percebeu que não era a sua praia. «O parkour é um desporto individual para diversão e desenvolvimento próprio. Nos campeonatos pomos o corpo muitas vezes em risco, com impactos agressivos, além da muita pressão existente. Quando percebi que ali não me divertia, decidi abandonar. Treino quase todos os dias, até porque o corpo também precisa de repousar, mas de uma forma livre, sem o fator competição. É assim que encaro o parkour

Atualmente, dizem os responsáveis da academia, há cerca de duzentos traceurs em Portugal, mas com o boom das novelas, há uns anos, já chegaram a perto de um milhar. Mantêm contacto regular pelas redes sociais.

Através do Facebook ou do Instagram, traceurs de diferentes países contactam-se para conhecerem as cidades uns dos outros. «Ainda há pouco tempo mostrei Lisboa através do parkour a turistas alemães, franceses e holandeses», diz Luís.

«Ficaram malucos quando experimentaram o spot de Miraflores.» A capital portuguesa é já, segundo os praticantes nacionais, uma referência do parkour na Europa. Pelo clima, pela comida, pela simpatia, mas principalmente por locais como Miraflores, Telheiras ou Parque das Nações.

Eliana observa os rapazes no final de mais um treino na Spot Real. Ao seu lado, Estêvão Andaluz, de 12 anos, assume que nada melhor que o parkour para impressionar as raparigas. «Na escola até subo aos telhados, as miúdas chamam-me maluco, mas sei que gostam.» O seu sonho é trabalhar no Chapitô ou no Cirque du Soleil, mas, até lá, sabe que tem muito a aprender. «As pessoas fazem menos de 10% com o seu corpo do que são capazes de fazer. Eu só procuro superar-me todos os dias. Os meus pais quando tinham a minha idade também faziam isto enquanto subiam a árvores e trepavam muros. A diferença é que agora isso chama-se parkour

APRENDER A SER UM TRACEUR
A Spot Real, em Lisboa, pretende ser um elo de ligação entre experientes traceurs e quem se quer iniciar no parkour, com um variado conjunto de obstáculos e uma piscina de esponjas. Pode optar entre três packs de mensalidades entre 35 e 55 euros ou por aulas e treinos livres a partir de 12 euros. Mais informações no site.

ONDE PRATICAR NO PORTO?

Fórum da Maia, Palácio de Cristal e as ruas da Ribeira são alguns locais de eleição para praticar parkour no Porto. E em Setembro foi inaugurado um circuito na Academia Eu+, no Candal Park, em Vila Nova de Gaia, especializada em «modalidades urbanas não convencionais». Segundo Alfredo Teixeira, um dos professores, a adesão tem excedido as expetativas, com novos praticantes a inscreverem-se todos os dias – as mensalidades variam entre trinta e cinquenta euros, consoante o número de aulas pretendido. «Essencialmente são miúdos novos, mas também temos praticantes na casa dos 50 anos.» O investimento é constante, com a criação regular de novos obstáculos. «Desafios não faltam. Todos veem o circuito de maneira diferente, há sempre uma forma alternativa de vencer as barreiras, varia de pessoa para pessoa.» A academia criou também estruturas de circo e de slackline (mistura de equilibrismo, trampolim e corda bamba), para quem se sentir atraído por estas modalidades. A primeira aula é sempre gratuita. Mais informações no site.