Ele é um dos cirurgiões cardiotorácicos mais respeitados do país, ela uma das anestesistas mais prestigiadas. Juntos no bloco, já fizeram mais de sete mil cirurgias a corações de adultos e crianças. Conheceram-se há 46 anos, casaram-se e não mais se largaram.
Conheceram-se na fila de inscrições para o curso na Faculdade de Medicina de Lisboa e decidiram logo inscrever-se na mesma turma. «Ela estava atrás de mim e, já não sei bem como, combinámos ficar juntos», recorda José Fragata. Desde esse dia em 1970 nunca mais se separaram. Tornaram-se colegas, depois melhores amigos, apaixonaram-se e casaram-se no 6º ano da universidade, em 1976. «Antes de sermos médicos casámo-nos e depois, quando acabámos o curso, fomos juntos para os Hospitais Civis de Lisboa fazer o internato», diz Isabel. Já lá vão 46 anos e hoje, ambos com 63, continuam casados e a fazer operações, em equipa, a corações de adultos e crianças no Hospital de Santa Marta e no Hospital da CUF Infante Santo, ambos em Lisboa.
No bloco, ele como cirurgião e ela como anestesista, já realizaram juntos cerca de sete mil cirurgias.
«Fiz dez mil cirurgias, seis mil a adultos e quatro mil a crianças, e a Isabel esteve em dois terços», conta o médico. A cumplicidade é tanta que pouco precisam de falar para comunicar. «Há uns anos, foi feito um trabalho científico para o jornal europeu de cirurgia cardiotorácica sobre o fluxo de comunicação no bloco operatório, e quando o trabalho que ia ser publicado estava a ser revisto, fui contactado porque queriam saber como é que era possível que, nas minhas operações, a pessoa com quem eu menos falava ser a anestesista. Menos de cinco por cento das comunicações eram com ela.» José Fragata explicou: «Disse-lhes que há 35 anos que trabalhava e vivia com a pessoa que estava a anestesiar os doentes.» «Há de facto muita cumplicidade», confirma Isabel, sublinhando que, apesar de se entenderem bem, às vezes também discordam no bloco.
Passam dias inteiros um com o outro. E todas as manhãs vão juntos para o hospital no Porsche de José Fragata. Nunca trabalharam durante muito tempo em locais diferentes. Depois de fazerem o internato nos Hospitais Civis de Lisboa, ingressaram, em 1981, no Hospital de Santa Cruz, onde se especializaram em 1986. Pelo meio, tiveram duas filhas e foram, em 1984, viver para Inglaterra, onde estagiaram em Londres e Liverpool. As filhas ficaram em Portugal com os avós, o que levou Isabel a regressar mais cedo. José voltou a Lisboa de vez em 1987. Estiveram dez anos no Santa Cruz e, em 1998, quando o cirurgião se mudou para o Santa Marta, Isabel foi atrás. Os dois tornaram-se chefes de serviço e depois diretores das respetivas áreas.
Ao longo dos anos foram vivendo episódios dramáticos: uma das filhas teve de ser operada em Inglaterra na sequência de um problema cardíaco, com apenas 4 anos. «Sabemos o que os pais sentem e, por isso, quando estamos a operar, a Isabel manda sempre alguém falar com eles para ir dizendo o que se está a passar.»
É comum partilharem dias complicados, como aqueles em que têm de dizer aos pais que os filhos não sobreviveram, ou em que sentem a responsabilidade de ter a vida de um recém-nascido nas mãos.
«Um dia, um paquistanês trouxe o filho de um mês e meio que tinha de ser transplantado ao coração, passou-mo para os braços e disse-me em inglês: “Agora o filho é seu.”» Mas presenciam também momentos reconfortantes, como o que testemunharam quando em setembro passado fizeram um transplante a uma rapariga de 18 anos que tinham salvo quando era recém-nascida.
«Sem ela não teria a mesma confiança», garante ele. A mulher não lhe poupa elogios: «É um homem leal, corajoso e inspirador». Isabel sabe que muitas vezes foi envolvida em guerras de poder por ser casada com o cirurgião. «Mas não há nada que nos derrube.» Aliás, até já combinaram que vão retirar-se no mesmo dia. «Vamos reformar-nos ao mesmo tempo». Até lá, garante a anestesista, vão continuar a ser o que não têm dúvidas de que são: «Uma dupla imbatível.»
OPERAÇÃO
José Fragata fez, há dois meses, um transplante de coração a um recém-nascido, o doente mais novo da história da medicina em Portugal a submeter-se a esta cirurgia. A ajudá-lo, como anestesista, nessa operação delicada no Hospital de Santa Marta, esteve a mulher, Isabel.