Quando a criança nasce, os pais ficam atentos ao seu desenvolvimento e expetantes em relação ao que aí vem. Focam-se em cada descoberta e aquisição do seu filho, observando se estas ocorrem no período esperado: sorrisos, palminhas e gracinhas derretem a família e alimentam as expetativas de cada nova descoberta. Desejosos de conhecer a sua criança, os pais interpretam a forma como expressa as necessidades, se é simpática, chorona, teimosa, irrequieta e traquina, como é esperado que uma criança seja.
Quando, ao segundo ano de vida, o filho ainda não fala ou não faz o gesto do adeus, não pede ajuda, não se mostra recetivo nem retribui afetos, brinca sozinho, surgem as preocupações. Além do sofrimento dos pais – por não haver uma reação que lhes diga se tudo o que fazem e sentem pelo filho é correspondido –, o facto é que o atraso nestas aquisições pode comprometer o desenvolvimento normativo da criança, até porque a interação com os outros está na base da maioria das aprendizagens. Estes sinais poderão estar associados a uma perturbação da relação e da comunicação, ou futuramente a uma perturbação do espetro do autismo, pelo que os pais deverão continuar atentos e pedir ajuda especializada caso sintam a necessidade de um diagnóstico e intervenção.
Perturbação da relação e comunicação
É uma desordem que se manifesta precocemente e que se carateriza pela dificuldade da criança em relacionar-se e comunicar com os outros. Os sinais mais típicos manifestam- se na dificuldade em prestar atenção ao outro, no desinteresse em brincar com outras crianças ou simplesmente em ignorar o interesse dos que querem brincar consigo.
Por norma, são crianças que não sorriem ou dificilmente devolvem um sorriso espontaneamente. Raramente usam gestos para comunicar, parecem não compreender os gestos dos outros, dificilmente imitam e não têm tendência para aprender imitando os outros, apresentando uma dificuldade em manter o contacto visual.
Poderão até reproduzir algumas palavras, mas sem intenção de comunicar (repetem, por exemplo, a última palavra do outro ou a frase tal como a ouviram). Também são reconhecidos os comportamentos típicos de birra, mas que por vezes atingem níveis exacerbados e difíceis de controlar por parte do adulto.
Cada criança é única, tem as suas próprias motivações para comunicar, relacionar-se, e reage aos estímulos sensoriais de forma diferente. Quando se justifica a intervenção clínica, o seu início e os objetivos devem ter em conta as caraterísticas individuais de cada criança.
Uma intervenção eficaz
A intervenção deverá, sobretudo, promover a relação da criança com o adulto, aumentando a sua iniciativa para comunicar – seja através do olhar, de um gesto, de um sorriso, de um som ou da tão esperada palavra. Toda a intervenção deverá realizar-se de forma lúdica e livre, partindo dos interesses e das motivações da criança com o objetivo de entrar aos poucos no seu mundo e permitindo que ela nos envolva na sua brincadeira, proporcionando-lhe uma interação prazerosa.
A partir deste momento, a relação social tornar-se-á mais recíproca e a criança encontrar-se-á mais envolvida e com gosto pela interação com o outro, tomando mais vezes a iniciativa para interagir e comunicar. Nesta altura, já terá estratégias para comunicar os seus desejos e puxa o adulto para o que quer, faz sons, olha para o que deseja e aponta, conseguindo fazer-se entender. E quando chega a esta fase, será muito mais provável que comece a usar palavras.
Mais importante do que ter as competências de desenvolvimento esperadas para a sua idade, é fundamental que saiba comunicar e que sinta prazer na relação e no brincar com os seus pais, família alargada e pares. Pais e outros cuidadores são essenciais para a aprendizagem e o desenvolvimento, pelo que devem ser envolvidos pelos profissionais em qualquer programa de intervenção precoce planeado e realizado para responder às necessidades do seu filho com perturbação da relação e comunicação. É a família nuclear que está mais tempo presente e com quem existe um vínculo de amor mais forte, que só quem ama consegue transmitir.
O QUE OS PAIS PODEM FAZER PARA «ENTRAR NO MUNDO» DA CRIANÇA
• Identificar o foco de atenção da criança.
• Entrar na atividade da criança, imitando-a.
• Levar a criança a interagir e envolver-se através das ações dos pais.
• Incentivar a criança a comunicar, obstruindo-lhe a brincadeira em que está focada.
• Envolver-se com a criança, não se limitando a apresentar-lhe brinquedos variados.
• Promover momentos de interação várias vezes ao dia, em períodos de 20/30 minutos.
• Aproveitar as rotinas de higiene e alimentação para desenvolver a relação.
• Não deixar que a criança passe muito tempo sozinha com os seus brinquedos.
*Parceria NM/CADIn – Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil. Magda Alves é psicóloga clínica do CADIn e Susana Lúcio é técnica superior de Educação Especial e Reabilitação do CADIn.