A edição deste ano do Robótica 2015 termina hoje na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real. Dali sairão os apurados para o campeonato do mundo. Alexandre Carvalho tem apenas 19 anos, mas já ganhou várias edições como treinador.
Aluno do segundo ano de Economia na Nova SBE (School of Business and Economics), em Lisboa, Alexandre Carvalho é um estudante brilhante. Teve presença garantida no quadro de mérito da escola de ensino básico, com médias superiores a 4,5 (escala de 1 a 5) e destaque assegurado ao longo dos três anos (10, 11, 12) de secundário, sacando 19 valores na disciplina de Economia ou merecendo média de 20 na sua principal vocação, as matemáticas. Um «rapaz absolutamente normal, concentrado mas sem nada de menino-prodígio», na sua envergonhada autodefinição, destinado desde cedo aos números e a uma paixão – a robótica. Em 2008, a ciência que estuda a construção de humanoides em complexa interdisciplinaridade, cativou o então adolescente. E Alexandre, que nunca faz nada pela metade, dedicou-lhe corpo e alma, horas e horas, inclusivamente aos fins de semana. Hoje, com 19 anos, orgulha-se de ter feito parte de algumas equipas que se sagraram campeãs mundiais por várias vezes, a última delas em 2014, título conquistado no Brasil, por uma equipa de futebol robótico do agrupamento de Escolas de São Gonçalo (Torres Vedras), da qual é «treinador» e um dos mentores. A prova, que se baseia na utilização de dois robôs autónomos, munidos de sensores, que não podem exceder os 22 cm no diâmetro e na altura, põe à prova a capacidade de programar jogadores, preparar estratégias, jogar em função do adversário, controlar os imponderáveis do jogo. E dela saíram vencedores o clube, Alexandre e os seus cinco meninos, do escalão 8-14 anos: Márcio Romero, Miguel Leão, Bernardo Rocha, Tiago Everino e André Sérgio. Para trás ficaram os poderosos japoneses, alemães e chineses, muito patrocinados, ao contrário dos portugueses, que apesar de alguns apoios institucionais, sem a ajuda dos pais ficariam em terra.
Como praticante, Alexandre deu sempre o exemplo: em quatro anos, de 2008 a 2011, foi bicampeão nacional em futebol robótico no escalão 8-14 anos, vice-campeão nacional no escalão 15-19 e participou em três campeonatos do mundo, os Robocup. Em 2008, com 13 anos, mal chegou àquela escola depressa foi selecionado para o Mundial da Áustria e escolhido para primeiro capitão da equipa de futebol, modalidade de que foi precursor no clube.
No entanto, «sou apenas uma pedra do puzzle». Explica: «No nosso clube somos cerca de cinquenta alunos e sete professores. Há várias pequenas equipas. O trabalho é de todos e as vitórias são de todos.» O Clube de Robótica de São Gonçalo é uma referência no país, e não só em futebol. Em 2010, em Singapura, uma das equipas da casa conquistou o campeonato do mundo em dança robótica. «Não nos limitamos a programar, fazemos tudo de raiz, construímos todo o hardware com materiais reutilizados. Como diz o professor Jaime, invejam-nos os títulos mas não nos invejam o trabalho. Não somos mais inteligentes de que os outros mas se calhar trabalhamos mais», diz Alexandre.
«O professor Jaime» é Jaime Rei. Leciona na Escola de São Gonçalo e é a alma e o rosto do clube de robótica. Conheceu Alexandre quando este tinha 13 anos e revela o que o ex-aluno tem de especial: «A vontade de aprender e ensinar. Ele gosta de brilhar mas também de ajudar os outros a brilhar. É pacato e muito respeitado. É um líder, de tal forma que foi sempre escolhido para capitão de equipa.» Para este professor de 52 anos, nascido em Torres Vedras, bacharel em Ensino de Educação Tecnológica e licenciado em Gestão e Administração Escolar, o atual colaborador é um exemplo a seguir: «A forma como ele acompanha os miúdos mais novos, os de 9 ou 10 anos, é única. Não se limita a trabalhar com eles a parte pedagógica. Cuida deles, por vezes até da alimentação. É uma autêntica mãe-galinha.»
A oportunidade para passar a treinador dos mais novos surgiu quando Alexandre fechou o 9.º ano e passou para a escola secundária. «Agarrei-a com todo o gosto.» E o mesmo diz sobre o estudo: «Sempre tive muito gosto em ir à escola.» O tom é de agradecimento.
«Não sou daqueles que estão sempre a participar nas aulas, mas também não sou dos que ficam atrás a distrair. Tento estar atento, perceber o máximo daquilo que os professores ensinam mas sem intervir.»
Jaime Rei não estranhou que o ex-aluno escolhesse Economia ou que este curso falasse mais alto do que a robótica. «O Alexandre tinha perfil para ser um grande engenheiro informático mas entendo que tenha seguido economia até por causa do negócio familiar.»
Filho de um técnico oficial de contas, Alexandre nasceu em Lisboa mas sempre morou em Zibreira, uma freguesia do concelho de Torres Vedras. Da infância recorda as brincadeiras com o irmão gémeo, o gosto pelo Sporting, a vocação para as matemáticas e a falta de jeito para a ginástica (embora tenha feito mortais e saltado plintos). E a escola básica, onde ambos aprenderam a ler, com os restantes meninos, num total de sete alunos. Um luxo. Há um ano, a faculdade trouxe-o para a capital. Sobre o curso e o futuro, espera «não ser obrigado a sair de Portugal». E, otimista, acrescenta: «Apesar da crise, a minha não é uma geração perdida.» Em Lisboa partilha com o irmão, estudante de Ciências Farmacêuticas que não aprecia robótica, e alguns amigos torrienses um apartamento. Mudou de hábitos, perdeu conforto, manteve as notas.
Insiste: «Sou absolutamente normal. Reservado, calmo, concentrado. Gosto de ter o meu tempo sozinho, ler ou ver um filme. Adoro comédias. Mas, sobretudo, procuro sempre ajudar os outros, esse é o objetivo que me guia. Fazer que quem está à minha volta se sinta bem.»
Também por isso lhe agrada a robótica, «área que pode trazer muita comodidade e bem-estar aos seres humanos», diz, remetendo para as leis de Asimov: um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal. O que invalida a meta do Robocup: no ano 2050 a equipa vencedora do Mundial de Robótica deverá vencer a equipa campeã mundial de humanos.
Quem sabe, uma oportunidade única para Portugal.