
Tendência sólida há anos nas grandes capitais europeias, o vintage parece estar cada vez mais presente nas ruas portuguesas. Mas há mais neste estilo do que aquilo que um simples olhar deixa adivinhar: com o derrubar dos preconceitos, pode estar aqui, também, a chave para uma vida mais sustentável.
Não é novidade que a moda é cíclica. As calças de boca-de-sino estão de volta, o estilo hippie-chic é dos mais cobiçados para o verão e de vez em quando lá surge uma nova «febre» das flanelas. Um pouco por todo o lado, dos maiores criadores de moda às marcas mais acessíveis, a inspiração vintage parece ocupar cada vez mais espaço nas coleções. Mas se há quem fique feliz com uma saia inspirada nos anos 1950, também há quem leve a paixão mais longe e faça questão de ter no roupeiro peças que são verdadeiras antiguidades.
Bruno Lopes e Tiago Andrade conhecem bem esta tendência crescente. São eles os criadores da Ás de Espadas, um espaço dedicado ao universo vintage, em que para além de roupa, há acessórios e outros objetos de época à espera de serem comprados. Por esta porta entram tanto estrangeiros como portugueses: «Tem havido uma culturização, digamos assim, a nível do vintage, das compras em segunda mão, em muitas outras capitais, que está a aumentar cada vez mais em Lisboa», notam. Mais do que uma loja, a Ás de Espadas é um universo de paixões vintage, onde acontecem workshops dedicados à cultura retro, por exemplo de maquilhagem e penteados, e onde há também um cabeleireiro especialista na tendência (por marcação). A procura, garantem, é cada vez maior. E chega de todos os clientes: desde os que assumem um estilo inteiramente vintage aos que procuram apenas complementar um estilo contemporâneo com peças únicas.
É o caso da atriz Ana Catarina, que aqui encontra um dos seus espaços de eleição para comprar peças vintage: «Desde que me conheço, tenho esta paixão», explica. «A minha mãe gosta muito de moda. A parte do gosto feminino, do cuidado acentuado com a apresentação, vem muito dela. Mas ela não tem de todo um gosto vintage. Já eu, sou muito ligada.» Não se vendo como uma aficionada, assume-se, porém, como uma apaixonada: «Gosto muito de misturar estilos, mesmo na decoração. Por exemplo, coisas modernas e minimalistas com peças especiais, porque a vida é feita de pormenores. E o pormenor preenche-nos pelo lado emocional. Há uma sensibilidade que se sente em determinada peça, mesmo que ela não tenha estado ligada a nós até àquele dia. Embora não consiga ter a história biográfica de uma peça, consigo transpor um bocadinho uma história que recolhi de um livro ou de um filme, pegar nessa experiência e imaginar-me com aquela peça. Os grandes clássicos não perdem vida. A vida pode ser reinventada. Os momentos são efémeros mas as coisas são transferidas para outra pessoa, para serem revividas e acho que isso é muito giro», conclui. Entre as muitas peças em segunda mão que possui, e que encontra sobretudo em mercados, a mais especial é uma camisa que recebeu da avó: «Tinha umas nódoas, arranjei-a e hoje está impecável.»
Caso mais flagrante de paixão pelo vintage é o da cantora Sónia Tavares, cujo estilo único já é facilmente reconhecido pelos portugueses. Em casa, a cantora tem mesmo um quarto reservado para guardar a sua roupa e acessórios: «Não dá para existirmos ambos no mesmo quarto. É impossível», reconhece. São centenas e centenas de peças autênticas, entre vestidos, óculos, chapéus, casacos e outros objetos, que lhe dão prazer não só a usar mas também a encontrar: «O interessante, para mim, também é o andar à procura. Por isso é que eu nem vou a lojas, gosto é de andar a vasculhar, dá-me gozo ter a peça e ter sido eu a achá-la», explica Sónia. É uma paixão que começou há anos e que vai sendo alimentada, sobretudo, via eBay: «Um maravilhoso mundo de onde nunca mais saí e que é uma chatice, não recomendo a ninguém», diz a rir. No início, foi enganada algumas vezes mas hoje já sabe reconhecer, com uma boa margem de certeza, uma peça autêntica de uma imitação, sobretudo pelo corte e pelos tecidos usados. «A partir de certa altura, percebemos que há certas coisas que não vale a pena comprar, ou porque já vêm muito deterioradas ou porque não são exatamente da década que estão a vender… As primeiras coisas que eu comprei foram para mim um engano. Mesmo os números, porque os números antigos não correspondem aos de hoje. Agora já não me enganam. Já comprei desde caixas de cigarros a chapéus (tenho uma coleção imensa dos anos 1950)… A caixa de cigarros acho que foi a extravagância maior, era de madrepérola, muito bonita, mas quando chegou era muito mais pequena do que pensava. Mas gostei dela, e não a devolvi. E depois são os chapéus, sim. São a peça que me faz perder a cabeça. E os óculos, tenho centenas, muitos de época. E nem gosto de usar óculos de sol! Tenho uns Ray Ban dos anos 1960 que me foram oferecidos, com as lentes originais e ainda com caixa, que são os mais valiosos que tenho.»
Apesar das pequenas extravagâncias, Sónia garante que nunca cometeu nenhuma grande loucura – embora seja fácil cair em tentação, sobretudo com peças raras. É que apesar dos preconceitos em relação à roupa em segunda mão, muitas vezes estas peças acabam por ter um preço bastante mais elevado do que as modernas. «As pessoas não percebem e eu compreendo, é um mundo à parte. É comum ouvir-se: “Ai, tem tanto dinheiro e compra roupas em segunda mão, se havia necessidade… que porcaria!” Mentira, as duas coisas: nem eu tenho muito dinheiro nem a necessidade de comprar roupa em segunda mão vem por falta dele. As pessoas não percebem que é um bem que estão a fazer à natureza, ao mundo, à economia, à troca direta… Porque não usar roupa em segunda mão? Para o meu filho, recebi muita roupa em segunda mão da minha família: bons casacos, boas calças, porque não? Se eu posso receber um carrinho – ainda que eu tenha um grande apoio da Chicco, desde que o Fausto nasceu – porque hei de ir gastar dinheiro? Não há necessidade.»
A Outra Face da Lua é uma das lojas vintage mais conhecidas de Lisboa.
A saúde, neste caso do planeta, é, aliás, um dos grandes benefícios associados à compra de roupa em segunda mão. Shailene Woodley, a atriz norte-americana tornada famosa por filmes como A Culpa É das Estrelas ou Divergente, é uma das defensoras mais conhecidas desta tendência. Ao The Hollywood Reporter, a estrela de 24 anos justificou a decisão de comprar exclusivamente roupa em segunda mão: «Sou uma cidadã deste planeta e vou cumprir a minha responsabilidade, vivendo em harmonia com a natureza em vez de lutar constantemente contra ela.»
Os números falam a seu favor: um par de calças de ganga precisa de cerca de 9982 litros de água para ser produzido, enquanto um par de sapatos, requer, em média, 8547 litros. Um simples par de calças. Um simples par de sapatos. Espreite o seu roupeiro e faça as contas. Separamos o lixo, fechamos as torneiras, apagamos as luzes quando saímos de uma divisão – porque não reduzir a nossa pegada ambiental também aqui?
Aproveitando a tendência vintage, a roupa em segunda mão também se vai libertando de preconceitos e aparecendo como opção consciente. Em tempo de crise, pode ser uma forma sustentável de renovar o guarda-roupa sem prejudicar a carteira. E uma boa solução para quem procura peças de luxo a preços mais acessíveis. Instalada no Porto desde 2010, a Quartier Latin é uma loja especializada, precisamente, na venda de peças em segunda mão de marcas de topo. Alexandre McQueen, Chanel, Prada e Yves Saint Laurent são apenas alguns dos nomes que se podem encontrar no espaço – físico e online – da loja, a preços bem mais amigos da carteira. Exemplo: uns sapatos Jimmy Choo, cujo preço original era de 650 euros, podem ser comprados por 150, uma mala Louis Vuitton, com um preço de mercado de 600 euros, está à venda por 225, e, como estas, há muitas outras oportunidades capazes de fazer perder a cabeça.
Depois existem ainda alguns casos em que comprar roupa em segunda mão também é uma forma de ajudar os outros. É o caso das lojas da Associação Humana Portugal. Provavelmente, reconhece o nome dos contentores para recolha de roupa espalhados pelo país, mas sabe o que acontece à roupa depois de a entregarmos? Segundo a Associação, parte das peças são vendidas a empresas de reciclagem e reutilização têxtil enquanto uma pequena percentagem segue para as lojas Humana fora de Portugal (a regra indica que a roupa recolhida em Portugal vá para fora e vice-versa), sendo o lucro destas transações utilizado para financiar projetos de cooperação e desenvolvimento em África. Depois de várias lojas em Lisboa, a Associação Humana Portugal abriu, finalmente, uma casa no Porto, no ano passado. A estes espaços apenas chega roupa em segunda mão «de grande qualidade», incluindo marcas de topo, sempre a preços bastante mais baixos do que os disponíveis no mercado e que variam em função das tendências e estado das peças. Bons motivos para comprar, sobretudo quando se está a contribuir para ajudar alguém.
Ora, se a carteira agradece a aposta nos mercados de segunda mão, há sítios onde nem sequer precisa dela. É o que acontece na Kid to Kid, um conceito importado dos EUA e que já conta com mais de duas dezenas de espaços em Portugal. Aqui, a proposta é simples: traga a roupa e acessórios do seu filho e troque-os por dinheiro ou por crédito na loja (com um bónus de 20 por cento, neste último caso), que poderá utilizar para comprar «novas» peças para os mais novos. Para serem aceites, as peças devem estar em perfeitas condições, sendo que nem todas passam o teste de seleção da Kid to Kid, mas também nestes casos é possível deixar nas lojas as peças para que sejam encaminhadas para instituições de caridade, sem qualquer esforço extra. Ganham os pais, os miúdos, o ambiente e a carteira.
ROTEIRO DE ROUPA EM SEGUNDA MÃO
A OUTRA FACE DA LUA, Lisboa
É das lojas vintage mais conhecidas da capital, já com dois espaços na cidade – um na Baixa (Rua da Assunção, 22) e um segundo no 94A da Avenida Almirante Reis. Muitas peças únicas a bons preços. www.facebook.com/aoutrafacedalua
BE VINTAGE, Lisboa
Foi a primeira loja de roupa vintage de marca a surgir em Campo de Ourique (Rua Coelho da Rocha, 43B), em 2008. Prada, Cartier ou Dior são algumas marcas disponíveis.
www.facebook.com/bevintagecampodourique
ÁS DE ESPADAS, Lisboa
No Bairro Alto (Calçada do Carmo, 42), a loja reúne vestuário, calçado, malas e acessórios vintage, para eles e para elas, num espaço muito especial.
www.facebook.com/pages/Ás-de-Espadas-vintage-store-and-more/122861584423265
DU CHIC À VENDRE, Cascais
Uma boa opção na Linha de Cascais (Av. Saboia, 425E, Monte Estoril) para quem procura marcas de topo, como Prada, Moschino ou Armani, a preços mais simpáticos.
www.facebook.com/duchicavendre
ESCOLHIDO A DEDO, T. Vedras
Tem lojas em Torres Vedras (Rua Serpa Pinto, 13) e Santa Cruz (Rua José Pedro Lopes, lote 9, nº5) e não só vende roupa usada, entre outro objetos, como também serve de montra a quem quer vender, mediante comissão.
www.facebook.com/escolhidoadedo
QUARTIER LATIN, Porto
Fica no Porto (Rua Pedro Homem de Melo, 410), mas também se pode comprar online. Tem peças de marcas de luxo a preços reduzidos e também serve de canal a quem desejar vender as suas próprias peças, mediante comissão.
www.quartierlatin.pt
ROSA CHOCK VINTAGE, Porto
Na Rua Formosa, 170/168, vende peças vintage e de colecionador, mas também guarda-roupa para espetáculos.
www.rosachockvintage.blogspot.pt
DES AUTRES, Porto
Entre roupa e acessórios, não faltam propostas em segunda mão para descobrir neste cantinho do Porto (Av Boavista, 3769 – loja 15), onde também é possível vender o que já não usa.
www.facebook.com/desautres
LOJAS HUMANA,Lisboa e Porto
Há várias lojas desta associação em Lisboa e, desde o ano passado, também o Porto conta com um ponto de venda aberto ao público. Os lucros revertem para projetos de desenvolvimento e cooperação em África. Pode localizar a loja mais próxima em
www.humana-portugal.org
KID TO KID, vários locais
O franchise da cadeia norte-americana já conta com mais de vinte pontos de venda espalhados por todo o país. Nestas lojas vendem-se e compram-se roupas, brinquedos e acessórios para crianças até aos 14 anos e também para pré-mamãs.
www.kidtokid.pt