O olival intensivo está a dar cabo das árvores autóctones do Alentejo. Cláudia Villax arranjou uma solução para contornar a tragédia: promove a adoção de oliveiras milenares que estão ameaçadas. Elas nunca saem da sua quinta nas encostas na serra do Marão. Mas quem as perfilha pode dar-lhes um nome, consumir o seu azeite e visitá-las quando quiser.
Os antigos dizem que, por cada tronco que cresce da mesma raiz, estão mil anos de vida. Na quinta da Azeitona Verde, em pleno Parque Natural da Serra de São Mamede, há oliveiras com três e quatro corpos feitos, algumas até com cinco, há milénios de história naquelas ramadas. São árvores que viram chegar e partir impérios, passaram por invasões e reconquistas, sabem de cor a História de Portugal. São de espécie galega, como todo o olival primitivo da região. E são umas resistentes.
«Hoje planta-se olival intensivo, para aumentar a capacidade de produção», diz Cláudia Villax enquanto passeia pelas encostas da propriedade. O dia aqueceu, são os primeiros sinais da primavera. Não há de tardar muito para as árvores florirem, os frutos hão de amadurecer durante todo o verão e a apanha faz-se no outono para que, no início do inverno, já haja azeite a sair dos lagares. «Estas árvores são difíceis, as azeitonas desprendem com mais dificuldade. Por isso estão a ser transladadas para jardins e outros efeitos ornamentais e a ser substituídas por espécies forasteiras.» Mas não aqui.
Para apadrinhar uma oliveira paga-se 53 euros. Recebe-se um certificado de adoção, bem como os produtos que dela provêm. São oito garrafas de azeite biológico, feito a partir de árvores milenares. Cláudia também oferece um livro de receitas de azeite e, quem quiser visitar a propriedade, está convidado a fazê-lo. «Agora queremos construir um centro de acolhimento, podemos até organizar almoços temáticos e visitas à quinta.» Quem quiser, pode oferecer a adoção a outra pessoa.
Há 900 oliveiras na Azeitona Verde e cem já foram adotadas. Quem escolhe pode dar um nome à árvore, há uma Filipa de Lencastre e Átila, o Uno, Camões e Ibn Maruan, Carlos Magno e Marie Antoinette. «Temos um Viriato arbóreo que é provavelmente mais velho do que o Viriato homem.» A história de cada personagem fica inscrita no certificado de adoção, e a ideia é transformar o terreno num passeio histórico.
O projeto de adoção de oliveiras nasceu no final de 2014. Dez anos antes, Cláudia – que deve o apelido Villax ao marido, de ascendência húngara – encontrou a quinta da Azeitona Verde e pensou que ali poderia desenvolver ideias novas. Ex-modelo, esteve ligada ao setor farmacêutico e ao mundo editorial. Trabalhou na revista Evasões, no Diário Económico e no extinto O Independente, fundou as revistas Blue. Hoje é food stylist e edita livros sobre comida biológica. «Cheguei aqui e apaixonei-me por um olival intacto, um verdadeiro tesouro.» Decidiu que não faria sentido promover uma grande produção de azeite, nem substituir as árvores por outras com maior capacidade produtiva.
Os vizinhos que viviam no limite da propriedade, «a Ti Cesaltina e o Ti Zé Maria», tinham na cabeça os saberes do campo, regras antigas para a poda e a apanha, mais os sinais do tempo de amanhã decifrados nas rajadas de vento e nas nuvens. «Começámos a criar uma horta biológica e a tratar o olival seguindo as regras artesanais.» Fertilização feita com manto de ervas do campo, nunca um adubo ou pesticida tocou naqueles ramos. O casal de anciãos já desapareceu, mas é o neto deles que trata hoje das árvores. «O João é o meu primeiro-ministro», diz Cláudia na brincadeira. O rapaz tem um ajudante com o mesmo nome, andam os dois a preparar as regas nos oito hectares do terreno.
As primeiras garrafas de azeite começaram a sair em 2005. «Oferecíamos aos amigos e toda a gente gostava muito.» Mesmo hoje não produzem mais de 900 litros, coisa pouca para uma propriedade tão grande. Há três anos, no entanto, uns amigos que estavam a organizar o lançamento de um carro na Malveira, Mafra, pediram algumas garrafas de azeite a Cláudia para oferecerem aos jornalistas estrangeiros. «Foi a loucura, toda a gente me pedia mais azeite para levar para casa.» E nesse dia percebeu que preservar aquelas oliveiras não precisava de ser só carolice, podia também ter viabilidade económica.
O melhor exemplo é provavelmente o azeite de 2014, posto à venda no início deste ano. «Foi um ano em que a generalidade do país foi alvo de uma praga de moscas», explica Cláudia. O olival português, cultivado intensamente e com necessidade de produzir em quantidade, foi exposto a taxas elevadas de toxicidade, já que foram usados muitos pesticidas para controlar a pestilência. «Aqui usámos garrafas de água penduradas nos ramos. O azeite que criámos é tão puro quanto sempre foi.»