
A modelo britânica que mudou a moda para sempre faz 65 anos nesta semana. Um longo caminho para a miúda magríssima de 16 anos que transformou o estilo das ruas e abriu a porta das boutiques às adolescentes.
Era conhecida como «Twigs», que significa «ramo» ou «galho», desde o primeiro ano do liceu, por causa do corpo magro e das pernas esqueléticas. Um fotógrafo ouviu o namorado chamar-lhe assim e sugeriu: «Twiggy, aí está um bom nome para quando se tornar famosa.»
Lesley Hornby chegou ao melhor cabeleireiro de Londres numa manhã gelada de Janeiro. Leonard, que dava nome ao salon, artista coiffeur, andava a experimentar novos cortes em raparigas de todos os bairros londrinos, aplicando depois as criações nas freguesas abastadas de Mayfair. Gostou logo do rosto de Lesley: filha de um carpinteiro e de uma empregada fabril do noroeste da capital, a miúda de 16 anos tinha o lábio inferior carnudo, um nariz perfeitinho, de criança, olhos azuis enormes e o hábito sedutor de usar pestanas postiças em duplicado, que sublinhava ainda mais desenhando-as também no sobrolho. Escanzelada, sem maminhas, de ancas sumidas, era uma adolescente personalizada mas típica de Neasden, a pobre colina onde viviam as classes proletárias que ganhavam a vida nos subúrbios.
Leonard aloirou Lesley e cortou-lhe o cabeço muito curto, à rapaz. Conferiu-a ao espelho, sorriu e telefonou a Barry Lategan, um dos melhores fotógrafos de moda britânicos, colaborador em revistas como a Queen ou a Vogue inglesa. Lesley apanhou o autocarro com o namorado, Nigel Davies, cinco anos mais velho, até ao estúdio de Lategan, que fez uma sessão com a rapariga. As melhores fotografias regressaram ao salão de Leonard, onde ficaram expostas nos toucadores, e o entusiasmo morreu ali. Até que, 15 dias depois, uma jornalista de moda do Daily Express, Deirdre McSharry, cliente de Leonard, viu as imagens. Tomou-as emprestadas, pediu o contacto da tímida crisálida, contactou Lesley, entrevistou-a, encomendou novas fotos e, três semanas mais tarde, o jornal reproduzia as imagens da adolescente, anunciando: «O rosto de 1966: a miúda cockney, com um rosto para lançar mil formas… e só tem 16 anos». A 22 de fevereiro de 1966 nascia Twiggy.
Os mais velhos recordam o seu nome porque se lembram do impacto das sílabas, da mudança de paradigma de uma moda primeiro elegante, depois sexualizada, exclusiva de senhoras e de mulheres adultas, para uma maneira de vestir e de estar que passará a incluir os jovens e as adolescentes. Uma moda natural mas provocadora. Democrática e afirmativa. E unissexo. Os mais novos, sem o saberem, reconhecem a herança de Twiggy no rebel chic de Kate Moss ou na descontração pós-teen de Cara Delevingne – ambas londrinas, magríssimas e de formas minimais, como Twiggy, ambas superestrelas antes de completarem os 18 anos, como ela.
Lesley Hornby fará nesta semana 65 anos. Era conhecida como «Twigs» desde o primeiro ano do liceu – significa «ramo», «galho», por causa do corpo magro e das pernas esqueléticas –, e o namorado continuou a chamá-la assim. Barry Lategan ouviu–os a trocar mimos e sugeriu: «Twiggy, aí está um bom nome para quando se tornar famosa.» Nigel Davies, o namorado, espertalhaço, também trocou de nome quando percebeu o êxito da reportagem no Daily Express, passando a autointitular-se Justin de Villeneuve. Quando Twiggy e Justin chegaram ao aeroporto Kennedy, Nova Iorque, em março de 1967, a crisálida transformara-se em borboleta, e as ondas de choque do bater de asas tinham atravessado o Atlântico. Havia um batalhão de repórteres da revista Life e da Newsweek, e jornalistas do The New York Times agitavam nas mãos as capas de edições internacionais da Vogue. The New Yorker dedicou-lhe cem páginas. Twiggy parecia ser mais importante do que os Beatles. Diana Vreeland, a influentíssima editora de moda da Vogue norte-americana (já marcara uma época na Harper’s Bazaar), sentenciou: «É a minirrapariga na era mini, e o seu look é absolutamente delicioso.» Com 1,68 m, demasiado baixa para a passerelle mas indecentemente fotogénica, enfiada em vestido curto ou minissaia, as múltiplas pestanas num rosto de inocência pecaminosa, bâton sem cor, de cabelo cortado como os rapazes mod (new modernists) que percorriam as ruas de Chelsea em anoraques nas suas vespas e lambretas, Twiggy era o que todas as adolescentes da América queriam ser: livre. O oposto das mães.
A androgenia era a imagem de marca e, tal como a minissaia que Mary Quant, outra londrina, criara em 1964 a observar as raparigas através da montra da sua loja em Kings’ Road, Twiggy vinha do povo, não das elites ou dos desfiles dos designers. Antes de Twiggy, a alta-costura ditara a moda que transformou as ruas. Depois de Twiggy, as ruas ditaram a moda que transformou a alta-costura.
Havia uma precursora, Jean Shrimpton, «The Shrimp», mais roliça e provocante (Twiggy nunca foi anorética, estava-lhe nos genes), igualmente jovem e irreverente, também britânica, oito anos mais velha do que Twiggy, a mesma antítese das adultas e aristocráticas Lisa Fonssagrives, Suzy Parker, Pauline de Rotschild ou Veruschka, a leonesa germânica. Shrimpton e Twiggy, ainda menores, foram as primeiras supermodelos. Era o youthquake, o terramoto juvenil.
Aconselhada pelo pai, William Hornby, Twiggy foi astuta nos negócios desde o início. Em 1967, poucas semanas após o arranque da conquista da América, havia à venda, dos dois lados do oceano, meias Twiggy, vestidos Twiggy, pestanas Twiggy, lancheiras Twiggy – algumas mulheres olhavam-na de lado, mas os homens e as teenagers adoravam-na –, bonecas Twiggy (foi a Mattel, criadora da Barbie, por ironia) e uma revista mensal, a par dos três documentários do consagrado fotógrafo Bert Stern, que divulgaram por todo o mundo a imagem da menina-rapaz. A androgenia mundanizava-se – no ano seguinte, 1968, Mia Farrow confirmará o estilo no assustador A Semente do Diabo, de Roman Polanski. Até 1970, Twiggy é «o» rosto da mudança, tornando-se mais célebre do que os costureiros que vestia, nomes como Yves Saint–Laurent ou Paco Rabanne.
De súbito, aos 20 anos, Twiggy parou. Deixou as páginas das revistas, as produções fotográficas, os ocasionais desfiles, as entrevistas, e terminou a carreira de modelo. Também aí a inocência era poderosa, mas enganadora. Sempre se manifestou «ingénua; pensava que estavam todos loucos por me acharem bonita». Mas sabia exatamente o que estava a fazer, e o efeito que provocava. «Não queria ser um cabide de roupa para a eternidade», confessaria mais tarde. Começou por se livrar de Justin de Villeneuve, aliás Nigel Davies, que lhe sorvia grande parte dos rendimentos, trocando de Alfa Romeo ou Aston Martin quase todos os meses. Iniciou-se na música, uma das grandes paixões, sobretudo a folk – ao longo das quatro décadas seguintes, editará uma mão-cheia de álbuns (chega a conquistar dois discos de prata britânicos, nos anos 1970). Estreia-se no cinema em 1971 pela mão de Ken Russell, como figurante especial em The Devils. Um ano depois, será protagonista de um musical, The Boy Friend, para o mesmo realizador. Aos que a acusam de ser apenas uma cara bonita, responde com dois Globos de Ouro – Melhor Nova Estrela do Ano e Melhor Atriz numa Comédia ou Musical. A vida privada corre-lhe menos bem: em 1977, casa-se com o ator norte-americano Michael Witney, de quem terá a única filha, Carly, hoje com 36 anos; mas o alcoólico Michael morre de ataque cardíaco aos 52 anos, à frente de uma Carly de 5, quando a levava a comemorar o aniversário no McDonald’s.
Recompõe-se, unindo-se ao ator e encenador inglês Leigh Lawson, em 1978 (continuam casados). Vivem agora num apartamento enorme, no bairro luxuoso e ajardinado de Kensington, Londres – foi um longo caminho desde Neasden –, com um gato, antiguidades vitorianas, móveis art déco, tapetes persas, esculturas do Bali e um piano de cauda, repleto de molduras prateadas com fotos do casal, onde Twiggy gosta de cantar Irving Berlin, Rodgers & Hart ou Bryan Adams (são amigos, ambos participam em ações contra o cancro da mama). Mantêm uma casa de campo em Suffolk, junto à qual gostam de dar longos passeios a pé. Foi no final de um deles, à chuva, em 2005, que Leigh e Twiggy entraram num pub das redondezas, em Southwold. Por peculiar coincidência, Steve Sharp, o diretor de marketing do gigante britânico de venda a retalho Marks & Spencer, almoçava ali com a mulher. Apesar do cabelo revolto e do blusão encharcado da agora respeitável cinquentenária, Sharp olhou para as maçãs do rosto, ainda inconfundíveis, e para as elegantíssimas pernas e decidiu que encontrara a próxima modelo da marca para a temporada seguinte. Mais de quatro décadas depois, Twiggy liderava uma campanha de moda, ao lado de modelos de 20 anos. O efeito comercial foi similar: numa semana, a blusa que Twiggy usa na campanha torna-se a peça mais vendida de sempre na história dos armazéns londrinos. É também em 2005 que se transforma na jurada mais carismática de America’s Next Top Model, o reality show de Tyra Banks destinado a encontrar manequins de eleição. Fica cinco temporadas.
A partir de meados dos anos 1970, fará aparições regulares em papéis cómicos e dramáticos no teatro (chega a ser nomeada para um Tony por My One and Only, na Broadway, em 1981) e na televisão, presenças que mantém, contracenando com Peter O’Toole, Timothy Dalton, Dan Aykroyd, Robin Williams. Hoje, gosta de usar peças de Stella McCartney – era muito amiga de Linda, a mãe de Stella, e a filha Carly trabalha na equipa de estilistas da designer –, publica livros com conselhos de beleza para mulheres maduras (detesta botox), apresenta talk shows, faz Pilates, segue as receitas de Jamie Oliver, mantém o sotaque cockney e ri-se, muito, de gargalhada estridente como uma sirene marítima. Já não precisa de posar para a fotografia.