O que é que os jovens veem no Chega

Partido liderado por André Ventura parece granjear redobrada simpatia entre os mais novos. A pujança nas redes sociais, o radicalismo e simplismo do discurso, a saturação face aos partidos tradicionais e o próprio ecossistema político global a isso ajudam. Mas há mais. Uma reflexão sobre as causas deste aparente fascínio. E sobre as possíveis implicações.

Era 2021 quando Bernardo Cardeal Dias deixou Matosinhos e rumou à Irlanda. Na altura, “nem ganhava mal”, mas queria um salário melhor, melhores condições de vida. Em Portugal, já tinha ouvido falar do Chega, mas foi durante o tempo em que esteve emigrado que o interesse no partido populista de direita radical floresceu. “Achei que tinham um pensamento forte e diferente, que valorizavam os jovens, que podiam fazer a diferença.” Fez-se até militante. “Li o programa eleitoral e gostei logo por ser muito simplificado, com poucas páginas e sem palavras caras.” Mas não tardou a deixar de pagar as quotas. A regressar a casa também. Já a simpatia pelo partido permaneceu intacta. Hoje, tem 24 anos, é criador de conteúdos digitais, devora podcasts e programas de YouTube, consome avidamente conteúdo político e desportivo via X (antigo Twitter). E não esconde a intenção de voto. “Há 90% de probabilidade de votar no Chega, identifico-me com as ideias do partido”, assume. Quais?

Começa por falar na habitação e nas pequenas e médias empresas. Gostou de ouvir Rita Matias, deputada do partido, coordenadora da Juventude Chega e mandatária nacional para as legislativas, sugerir, numa entrevista a um youtuber, o reforço das medidas de apoio aos jovens no acesso ao crédito à habitação e a diminuição de impostos que recaem sobre as PME. Mas depressa vai dar à “subsidiodependência” e à imigração. “Há muita gente que tem bom corpinho para trabalhar e vive às custas do Estado”, acusa, replicando a ideia propalada pelo partido de Ventura. Bernardo hesita na concretização. “Não tenho certezas, mas pelo que leio só 10 a 12% das pessoas que recebem os subsídios é que realmente precisam.” Lê onde (tendo em conta que não há dados oficiais que sustentem a teoria)? “São coisas que vejo no Twitter.” E depois acrescenta: “Isto também não é nenhum Polígrafo, pois não?”. Já em relação aos imigrantes, defende que “estamos a sofrer uma invasão de países africanos e do Médio Oriente”. “Muitos precisam de fugir de guerras e querem uma vida melhor e eu percebo. Mas se vêm para aqui têm de respeitar a nossa cultura”, aponta, sempre educado, sem esclarecer a que faltas de respeito se refere. Confrontado com os dados do Observatório das Migrações, que concluiu que em 2022 os imigrantes foram responsáveis por um saldo positivo de 1604,2 milhões de euros da Segurança Social, responde com ceticismo. “Pelo que li, se fossem tratados dados reais, os números não seriam esses.”

Para Bernardo, votar no Chega é um “voto útil para combater os governos de Esquerda”. E não poupa críticas aos outros partidos de Direita por não quererem coligações. “Linhas vermelhas? Eu quando ouço isso rio-me um bocadinho. Se o Chega cruzasse linhas vermelhas não podia ser um partido.” A culpa, para ele, é da “cultura de cancelamento” vigente, outra ideia defendida por Rita Matias na tal entrevista. Aponta ainda o dedo à comunicação social. “Andam há cinco anos a rotular o Chega, a chamá-lo de xenófobo e racista, e eu tenho a certeza que não é.” E em relação às posições polémicas do partido em matéria de igualdade e identidade de género? “Isso era um assunto no qual eu não gostava muito de tocar. Não tenho nada contra as opções dos outros. Aquilo com que o Chega não concorda, e eu também não, é que haja a possibilidade de casas de banho mistas, porque isso dá abertura a pessoas com más intenções.” No entanto, a Lei 38/2018, que estabelece o direito à autodeterminação de género e identidade de género, não refere a existência de casas de banho mistas. Estipula que as escolas devem criar condições para que todas as crianças e jovens se sintam respeitadas. Perante isto, Bernardo responde assim: “Sinceramente, isso é um assunto minoritário, não me quero informar muito sobre isso. Não são estes bate-bocas que nos vão tirar do top de países com mais dívida na União Europeia.”

André Ventura e Rita Matias têm uma forte presença nas redes sociais
(Foto: DR)

Há uns quatro anos (uns meses depois de o Chega ter sido criado, portanto), o testemunho de Bernardo seria uma exceção à regra. Hoje, o cenário é distinto. Não só o partido segue em crescimento acelerado – de um deputado, em 2019, passou para 12, em 2022, havendo agora hipóteses de triplicar esse número, segundo rezam as sondagens -, como parece cada vez mais apetecível para os jovens. A forte aposta nas rede sociais, particularmente ao nível do TikTok, onde André Ventura e Rita Matias gozam de um élan distinto, perante a passividade da “concorrência”, a mensagem radical do partido, a saturação face às dificuldades económicas e aos partidos tradicionais e o momento que vivemos a nível global, mais favorável às forças políticas de Direita, ajudam a explicar este aparente sucesso.

Se nas legislativas de 2022 já tinha ficado claro que os jovens estavam a pender para esse lado do espectro político, com a Iniciativa Liberal a assumir-se como o partido favorito dos mais novos, de lá para cá a tendência parece ter-se acentuado, com o Chega a ganhar força. Isso mesmo mostra a análise feita por Pedro Magalhães, coordenador do centro de sondagens do ICS-ISCTE, que, cruzando quatro estudos de opinião de 2023, concluiu que as hipóteses de votar no partido de Ventura eram tão maiores quanto menor a idade [ver gráfico]. Entre os 18 e os 25 anos, a probabilidade de os inquiridos votarem no Chega era até maior do que a de escolherem o PSD. No caso do PS, a vantagem para o partido de Ventura prolongava-se até aos 32 anos. Acresce que, segundo Rita Matias, os militantes jovens do Chega duplicaram no último ano, sendo hoje cerca de seis mil.

“Machista? Nenhum partido é 100% perfeito”

Quer isto dizer que a 10 de março teremos uma votação esmagadora dos jovens na direita radical? Ou que o futuro passará inevitavelmente por sufrágios em que o Chega terá uma força crescente? A realidade não é tão linear. Desde logo porque as taxas de abstenção são, por tradição, particularmente altas entre os jovens. O que pode indiciar que nem todos os que se mostraram favoráveis a votar no partido de André Ventura concretizarão a intenção nas urnas. Também por isso, João Carvalho, doutorado em Ciência Política, é contido na análise. “Acredito que haja uma subida significativa [de jovens a votar no Chega], não muito significativa. Também temos de ter em conta que o partido parte de um patamar muito baixo, de um contexto de fraca adesão por parte dos jovens.” Quanto ao cenário de um futuro marcadamente pintado a Chega, o investigador do ISCTE lembra que em causa está o “segmento da população cujo perfil político mais facilmente se altera ao longo da vida, com uma “maior volatilidade eleitoral”. Além de que o crescimento do partido está a acontecer “alavancado em personagens que têm conseguido uma grande mobilização, como o André Ventura e a Rita Matias, e não na consolidação de uma ideologia”. “E isso significa que, se algo acontece ao carisma destas personagens, rapidamente a taxa de mobilização cai brutalmente.” Voltando aos dados recolhidos pelo investigador Pedro Magalhães, vale a pena olhar para os grupos com menos predisposição para apoiar a direita populista: mulheres, licenciados, praticantes religiosos.

Há, como em tudo, exceções. Margarida Antunes, 30 anos, residente em Oliveira de Azeméis, é a prova disso. Trabalha na área da saúde, prefere não dizer exatamente o que faz e não ser fotografada. Mas diz sem rodeios que a decisão de votar no Chega está tomada. Em grande parte porque o partido faz mira à comunidade cigana e aos imigrantes. “Como é que eu vou explicar isto sem ser racista…”, começa por dizer. “Se eu quero os mesmos direitos, tenho de ter os mesmos deveres. Toda esta questão dos subsidiodependentes enerva-me um bocadinho. E o Chega é o único partido que mostra vontade de mudar isso.” A questão dos números volta a colocar-se. Do saldo positivo de 1,6 mil milhões de euros que os imigrantes representam para a Segurança Social não sabia. “E tenho sérias dúvidas que isso seja assim.” Tira as ilações dela a partir do que vai vendo “no dia a dia”. “Cá só fica quem não quer trabalhar, temos uma carga fiscal muito alta.” Entre as várias tiradas que visam os imigrantes, insiste que não é racista. “Sou um bocadinho extremista, isso sou.” E quanto às acusações de machismo (há, por exemplo, deputadas que queixam de serem alvo de comentários e gestos misóginos vindos dos colegas do Chega), não a afligem? Ou as posições ultraconservadoras do partido em relação ao aborto? Margarida desvaloriza. “Aí não concordo a 100%, não sou contra o aborto. Mas lá está, se ele não fosse assim agressivo, se calhar também não era ouvido. Nenhum partido é 100% perfeito.”

No vídeo de Rita Matias pode ler-se: “O Partido Socialista prefere continuar a proteger os violadores”
(Foto: DR)

João Cancela, docente de Ciência Política na Nova FCSH (Lisboa), avança com uma possível explicação para esta simpatia crescente pelo Chega entre os mais novos, que se prende com as características do próprio eleitorado. “Este segmento é, por tradição, um mercado eleitoral mais em disputa. O descontentamento é cada vez mais prevalente nas gerações mais jovens e isso faz com que sejam menos propensas a identificar-se com um partido, em particular o PS e o PSD. São partidos que têm, por regra, eleitorados mais fidelizados. Os jovens não têm tanto esse apego, há uma menor identificação partidária, pelo que acabam por ter uma maior predisposição para votar num partido como o Chega.” E os sucessivos casos de corrupção que têm ensombrado os partidos tradicionais só reforçam a tendência.

Virgílio Borges Pereira, especializado em Sociologia Política, também destaca dinâmicas relevantes para se compreender o fenómeno. “O que sabemos de partidos como a Reunião Nacional [liderado por Marine Le Pen] é que não têm propriamente um eleitorado congruente, são um conglomerado eleitoral. Ou seja, os votos são ativados a partir de certos quadros e referenciais que podem até ser contraditórios. O que pode estar a acontecer, sendo que para já só há indícios, é os jovens estarem a ser ativados pelas mensagens que o Chega propõe.” Até porque, e volta a basear-se na realidade internacional, “estes partidos se alimentam de cidadãos que têm uma relação contraditória e não consistente com a política”. “E isto adequa-se à mensagem política com que o Chega trabalha, com um programa pouco sistemático e que tenta chamar à atenção de múltiplas categorias da população. Além de haver uma comunicação feita com base em opiniões pouco fundamentadas, que motivam uma adesão rápida. Alimentam-se visões muito simplistas e polarizadas de realidades muito complexas.”

“Pêndulos estão para a direita”

Edson Athayde, reputado publicitário brasileiro que foi responsável pela campanha do PS nas legislativas de 1995, não fala especificamente do Chega, mas também enfatiza este ponto. “A extrema-direita, e de alguma forma a extrema-esquerda também, reduz tudo a sim ou não, preto ou branco, certo ou errado, apresenta um Mundo dividido em dicotomias. Há uma visão muito simplificada, que tende a colher entre os jovens. Sobretudo os que estão menos informados ou são de uma classe social mais baixa.” E ainda há as características próprias desta faixa etária. “O jovem é por natureza um contestador, procura de algum jeito enquadrar-se no Mundo. E isso é difícil, é uma época da vida em que se julga injustiçado e inseguro, em que precisa de se sentir parte de algo. É por aí que a extrema-direita entra. E na verdade se há algo que a caracteriza é que não tem muita vergonha de fazer nada. Se tiver que dançar, dança. Se tiver que cantar, canta. Se tiver que mentir, mente. Não há pudor.” Mas se parte destas dinâmicas são, no entender de Edson, partilhadas pela extrema-esquerda, porque é que é a Direita que mais capitaliza o interesse jovem? “Neste momento, os pêndulos estão para a Direita. É a roda da história. As pessoas estão permanentemente insatisfeitas, a procurar soluções. Neste momento, são poucos os partidos de Esquerda com força.”

Com 25 anos, Rita Matias é a deputada mais jovem do Parlamento
(Foto: Miguel A. Lopes/Lusa)

A “Notícias Magazine” questionou o Chega sobre a estratégia em curso para captar o eleitorado mais jovem. Por escrito, Rita Matias recordou que o partido tem a deputada mais jovem do Parlamento (ela própria, com 25 anos), “que tem visitado várias universidades e escolas em vários distritos do país”. Reconhece também a importância da aposta nas redes sociais, trabalhadas em permanência por oito pessoas, as que compõem a equipa de comunicação do partido. “Sem dúvida que são uma ferramenta importante. O Chega marca presença em todas as redes sociais, nomeadamente naquelas que são mais dirigidas aos jovens, como é o caso do TikTok, onde André Ventura já tem 191,7 mil seguidores, bem como de outros deputados com milhares de seguidores [só ela tem mais de 32 mil].” Nas páginas de ambos, é possível ver desde danças divertidas e vídeos jocosos a excertos de intervenções, frequentemente com frases curtas e sensacionalistas a acompanhar as imagens. “Nem mais um tostão para associações de ideologia de género”, “se não precisam de subsídios, trabalhem como toda a gente” ou “Partido Socialista há 50 a anos a mentir” são alguns exemplos. A própria linguagem dos vídeos inclui tiradas rudimentares, no mínimo. Ainda recentemente, numa mensagem dirigida à Aliança Democrática (AD), André Ventura se saiu com um “tratem-se, pá!”.

É notório, porém, que a forte aposta do Chega nas redes, em particular no TikTok, não encontra paralelo nos restantes partidos. Nelson Zagalo, professor da Universidade de Aveiro na área dos novos media, chama a atenção para isso. “Noto uma diferença enorme. Não vejo mais nenhum partido a rentabilizar as redes sociais desta forma. E isso parece-me um erro claro, sobretudo tendo em conta que se trata de um público que, regra geral, não vê noticiários nem compra jornais, que se informa através das redes. Se a única informação política que lhes vai chegar é através das páginas dos partidos que seguem temos um problema. Não vejo mais ninguém a tomar conta da arena e isso é muito perigoso.” O docente desconfia até que haja “uma estratégia internacional por trás, uma passagem de conhecimentos de outros partidos de extrema-direita, da própria máquina que levou Trump ao Governo”. “Não me parece algo que pudesse ter emanado de forma natural do Chega, porque ninguém, nos partidos aqui à volta, o faz. Têm uma estratégia muito diferenciada, de informação simples e rápida, veiculada com grande alarido, que é consumida sem controlo e de forma acrítica.”

Tânia Gaspar, psicóloga clínica e professora universitária, confessa-se “muito preocupada”. “Os jovens, em particular os que têm um nível socioeconómico e cultural mais baixo, são particularmente permeáveis a esta linguagem fácil e direta, amplamente repetida.” Salienta, a propósito, uma percentagem reveladora: no estudo “Health behaviour in school-aged children [comportamentos de saúde de crianças em idade escolar]”, que coordenou, só 16% dos jovens diziam ter intervenção associativa ou política nos tempos livres. Destaca ainda o facto de esta idade se pautar por uma “oposição às figuras de autoridade”. E de a vida pré-25 de Abril já parecer algo distante. Acresce que “os indicadores de saúde mental se estão a agravar”. “E quando assim é temos menos capacidade de integrar pensamentos alternativos, ficamos mais fixados e fechados em certas ideias, o que favorece a lógica destes partidos.”

O Chega, liderado por André Ventura, segue em crescendo nas sondagens
(Foto: Rui Manuel Fonseca/Global Imagens)

Bruno Madeira, historiador, professor universitário, especialista em extrema-direita, dá um contexto mais histórico. “Estudei a extrema-direita portuguesa especificamente entre 1974 e 1985 e o que ela oferecia era a possibilidade de participar em algo subversivo e antissistémico no combate contra a Esquerda dominante. Parece-me que hoje também há esse horizonte, essa expectativa de poderem ir contra o que consideram ser o marxismo cultural que existe nas universidades. Claro que não estou com isto a dizer que sejam motivação válidas.” Depois, há as dificuldades socioeconómicas. O docente da Universidade do Minho invoca uma frase de Theodor Adorno, filósofo da escola de Frankfurt: “O fascismo está aí enquanto as condições sociais que o justifiquem prevalecerem”. A pertinência é óbvia, entende Bruno. “O neoliberalismo trouxe uma grande precariedade, a plena consciência de que os jovens vão viver pior do que os seus pais, a perda de um conjunto de privilégios socioeconómicos. E vai crescendo a ideia de que isso se resolve através da punição de certos grupos, que supostamente vivem de subsídios.”

Há outros fatores a contribuir para o élan destes partidos, que apelida de “pós-fascistas”. “A emergência dos valores pós-materiais e de um discurso contra-hegemónico, de afirmação de todos os que têm sido subalternizados, representa, para certos grupos, uma ameaça ao privilégio do homem branco. Isto é particularmente visível nos rapazes, sobretudo os que estão associados a uma cultura do macho alfa e de influencers americanos como o Andrew Tate.” Defende, a propósito, que em Portugal não temos estado devidamente atentos a certos influencers e podcasters que têm contribuído de sobremaneira para “a normalização e retransmissão do discurso do Chega”. “As próprias páginas de memes muitas vezes começam por partilhar coisas divertidas, do dia a dia, e depressa resvalam para propaganda ao Chega, com ataques à comunidade cigana ou à comunidade islâmica.” Salienta ainda que em vários períodos da História, “o sucesso da extrema-direita passou pela perfeita utilização dos meios disponíveis de comunicação”. E que o mesmo está a acontecer agora. Tanto mais quanto as soluções dos restantes partidos para combater o fenómeno “têm tido muito falhas”. “Baseiam o discurso na demonização do indivíduo em si [André Ventura], o que só lhe dá mais força. Há uma ação pedagógica importante a ser feita nas escolas, que não pode passar apenas por identificá-los como uns ‘senhores maus’. É importante que haja sessões de literacia digital, para os jovens aprenderem a distinguir o que é verídico do que não é.”

Fonte: “Bases sociais de voto nas legislativas de 2022”, estudo dos investigadores João Cancela (Nova FCSH) e Pedro Magalhães (ICS-UL), ancorado na sondagem à boca das urnas feita pela Pitagórica
Fonte: “Bases sociais das intenções de voto em 2023”, análise conduzido por Pedro Magalhães (ICS-UL), com base em quatro sondagens realizadas no ano passado