Poupar em tempo de crise

Na casa, na alimentação, nas deslocações, na saúde, na educação. Mas também nos patudos lá de casa, na roupa e no calçado, no lazer, nos cartões e nos créditos. Um guia para encher o mealheiro numa fase em que as dificuldades financeiras nos complicam as finanças pessoais. Com uma nota à cabeça: tudo começa com uma mudança comportamental. Saiba como a fazer.

A inflação segue teimosamente acima do valor recomendado (5,3% em 2023), a economia já dá sinais de abrandar (o FMI reviu a previsão em baixa, dos 2,6% para os 2,3%), o BCE continua a carregar nas taxas de juro (a subida das taxas Euribor já ultrapassa os 80%). E nisto a carteira ressente-se, os gastos são cada vez mais, o dinheiro vai-se num ápice, muitas vezes não chega sequer para suprir os custos, pensar em poupar, então, chega a parecer uma utopia. Os números são claros como a água: se durante a pandemia a taxa de poupança das famílias atingiu um pico de 13,7% do rendimento disponível (no primeiro trimestre de 2021), desde então que esta tem vindo a cair a ritmo acelerado, ao ponto de no primeiro trimestre deste ano se ter fixado nos 5,9%, um dos valores mais baixos dos últimos 23 anos. Mas calma, ainda não é tempo de atirar a toalha ao chão. Pelo menos não sem antes ler o guia que preparámos para si. E, sim, nele encontrará conselhos específicos e diferenciados por temas, que o ajudarão a reduzir a lista de despesas em áreas-chave do quotidiano. Mas, antes disso, e porque as dicas de pouco servirão se não tiverem subjacentes mudanças mais estruturais, perceba porque é que a alteração de comportamentos é fundamental para um desfecho bem-sucedido.

Sérgio Cardoso, chief academic officer do Doutor Finanças, empresa especializada em finanças pessoais e familiares, começa precisamente por aí. “Costumo dizer que as finanças pessoais têm mais de pessoal do que de finanças. Porque a verdade é que para o nível do comum dos mortais não é preciso dominar a área das finanças. Os comportamentos é que são a chave disto tudo.” Comportamentos esses que começam em algo tão simples como registar tudo. André Pedro, diretor geral do ComparaJá, uma plataforma gratuita de comparação de produtos bancários, pacotes de telecomunicações e serviços de energia, detalha este ponto. “Termos um registo de todas as nossas despesas mensais ajuda a perceber para onde vai o nosso dinheiro e pode ser automaticamente uma forma de pouparmos, pois vamos perceber que há custos que facilmente podemos reduzir.” E se os clássicos, como o Excel ou o papel, são aliados seguros nestas andanças, Cristiana Cerqueira Leal, professora da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho e investigadora do NIPE – Núcleo de Investigação em Políticas Económicas e Empresariais, lembra que atualmente há já outras opções mais sofisticadas para o efeito. “Há uma série de aplicações que podem ajudar na gestão financeira do dia a dia. Seja para o pagamento pontual das contas, para fazer orçamentação, para o planeamento. Muitas permitem sincronizar com a conta bancária, categorizam onde estamos a gastar o dinheiro e até nos dão dicas de como poupar. Nalguns casos, funcionam com base em conceitos de gamification [a aplicação de técnicas e dinâmicas de jogos noutros contextos diversos], o que as torna muito interessantes para um público mais jovem.” Ao que apurámos, a Mint, a Fudget ou a Prism são exemplos de opções interessantes.

Ainda a propósito do registo das contas familiares, um dos pontos-chave é o rigor. Ou seja, é fundamental que se especifiquem todos os valores e com toda a exatidão, para que a análise seja o mais nítida possível. Sérgio Cardoso deixa uma outra dica: “Temos sempre de nos perguntar para onde queremos ir. Por isso, faz sentido definir um orçamento para o meu ano. Ver como estou a pensar gastar o meu dinheiro, a que casamentos vou, quanto quero gastar nas férias, quanto vou ter de pagar de seguro do carro. Se aquilo que vou receber for compatível com os meus gastos, muito bem. Se não for, terei de começar a tomar medidas para que o orçamento seja exequível.” E há mais uma premissa importante: se o objetivo é poupar, o primeiro montante a definir no orçamento deve ser esse mesmo. “Normalmente, o que sobra, depois de todos os gastos, é aquilo que as pessoas poupam. Não faz sentido. Então nós trabalhamos para depois no fim ficarmos só com o que sobra? A verba que queremos poupar deve ser a primeira linha do nosso orçamento. Depois, se for preciso, reduzimos o número de vezes que jantamos fora ou cortamos a subscrição do ginásio a que só vamos uma vez por mês.” Sendo certo que este será sempre um exercício de equilíbrios. “O nosso bem-estar depende de várias componentes: mente, corpo e carteira. O que quer que seja que façamos não pode desequilibrar esta balança. Não é de repente dizer: ‘Vou deixar de sair com os meus amigos.’ Porque esse desequilíbrio social também vai trazer consequências.”

Depois de feita e analisada a contabilidade de todos os gastos, há dois vetores essenciais para conseguir amealhar, resume André Pedro, da ComparaJá. “Por um lado, desfazermo-nos de despesas que não sejam essenciais e, por outro, renegociar tudo o que seja possível. Os portugueses têm muito o hábito de deixar andar, mas de facto é importante falar, negociar, porque se o fizermos é muito provável que consigamos melhores condições.” E, como veremos mais à frente, isto aplica-se tanto ao crédito à habitação como aos serviços de telecomunicações ou de eletricidade. Ou mesmo aos seguros.

Por fim, há dois outros princípios que vale a pena considerar: por um lado, a noção de que o foco deve estar no comportamento, mais do que nos resultados, sublinha Sérgio Cardoso. “Em vez de definir que vou poupar 100 euros este mês, estipular que vou fazer as refeições todas em casa. Porque o comportamento é algo que está totalmente nas nossas mãos, os resultados não. Além de que o comportamento cria um efeito bola de neve, uma cadência, acaba por ser interiorizado e no longo prazo é muito mais sustentável.” O especialista do Doutor Finanças releva ainda a noção de custo-oportunidade, que lhe parece ser pouco familiar ao comum dos consumidores portugueses. “O nosso cérebro está programado para que quando vamos comprar uma camisola pensemos: ‘Vou comprar esta camisola e deixar de comprar esta que está aqui ao lado’. Isto não está certo. Porque na verdade podemos deixar de comprar aquela camisola para jantar com os amigos, para ir ao cinema, ou mesmo para poupar dinheiro e guardá-lo. A partir de um certo montante, devemos sempre considerar o custo-oportunidade da nossa decisão. Pensar: para eu estar a fazer isto, o que vou deixar de fazer? O custo-oportunidade de um par de calças pode ser um fim de semana fora.”

Casa

Não há volta a dar: se há fatia das despesas que leva uma parte exponencial das verbas dos portugueses é esta. E poupar nem sempre é fácil. No caso de se tratar de uma habitação arrendada, por exemplo, é justo reconhecer que em plena crise da habitação, com os preços por metro quadrado a ascenderem a valores astronómicos, arranjar opções em conta soa a missão impossível. Ainda assim, há pequenas dicas que, com alguma sorte à mistura, podem ajudar a salvar uns tostões. A primeira é procurar na nossa rede de contactos quem esteja a arrendar. O facto de se tratar de alguém conhecido pode ajudar a conseguir um preço mais baixo. Outra ajuda pode ser procurar casa durante o inverno, em época baixa, portanto. Mas também arrendar por um período mais alargado e dessa forma garantir um preço mais baixo. Ou até abdicar do lugar de garagem. E claro, esta mais óbvia: procurar uma localização diferente, menos central.

No caso dos empréstimos, a lema é claro: negociar. André Pedro, do ComparaJá, empresa que, entre outras coisas, atua como intermediária de crédito, garante que cerca de três quartos das pessoas que os procuram com esse propósito acabam por conseguir uma poupança na prestação, podendo a redução chegar aos 40%. Seja através da renegociação com o banco “original” ou, cenário mais frequente, através da transferência do crédito para um outro banco. “Muitas vezes são créditos com um spread mais alto e basta alterar para um spread mais baixo para se conseguir compensar o aumento da taxa Euribor”, exemplifica. Sérgio Cardoso, do Doutor Finanças, que também providencia este serviço, recorda, a propósito, que este é “totalmente gratuito” para quem o procura. Aliás, ambas as páginas disponibilizam simuladores de créditos à habitação que permitem procurar alternativas mais vantajosas.

O mesmo é válido para as restantes faturas das despesas caseiras, como a eletricidade, o gás, a água e os serviços de telecomunicações. Em todos eles, a mesma premissa que pode fazer a diferença na hora de amealhar: renegociar. “É fundamental estarmos atentos e irmos consultando aquilo que há no mercado, até porque isso também nos dá algum poder de negociação”, reforça Natália Nunes.

André Pedro realça, a propósito da fatura da eletricidade, por exemplo, que mais de dois terços dos portugueses estão “num comercializador que é dos mais caros do mercado”. Daí que seja fundamental perder tempo a comparar preços. Até porque, garante, “hoje em dia já há preços muito melhores no mercado, seja no mercado livre ou no indexado”. Outro ponto importante é perceber se a potência do contador é adequada às necessidades. “Sabemos que 30 a 40% das pessoas têm em casa mais potência do que aquela de que precisam.” E lembra que a poupança, no caso de uma família de quatro pessoas, pode chegar aos 40 euros. Também os serviços de telecomunicações entram nesta lógica, embora, neste caso, seja de considerar o facto de estarem sujeitos a períodos de fidelização de dois anos. O truque será pois tentar perceber o que há no mercado, “quando faltarem dois ou três meses” para o contrato terminar. Antes de um novo período de fidelização entrar em vigor, portanto. Que mais não seja porque isso pode ajudar a obter melhores condições junto da atual operadora. Vale ainda a pena referir que estão disponíveis online comparadores para todos estes serviços, que podem ser uma ajuda importante na altura de decidir pela opção menos dispendiosa. Sem esquecer que, no princípio de tudo isto, deve estar a tal mudança de comportamentos que começa em gestos tão pequenos como ter o cuidado de apagar todas as luzes sempre que não estão a ser necessárias, de tomar banhos mais rápidos ou de aproveitar as idas ao ginásio para os duches.

Alimentação e deslocações

Outra percentagem considerável das despesas dos portugueses prende-se com a alimentação, tanto mais quanto a inflação tem ditado um aumento exponencial dos preços. Ainda assim, há pequenos cuidados que poderão impactar de forma significativa na fatura do final do mês. Natália Nunes, da DECO, salienta algumas. “Fazer as refeições em casa, planeá-las antecipadamente [de preferência através de uma ementa semanal], definir a lista de compras em função disso. Uma regra de ouro é tê-la sempre à frente nas idas ao supermercado e respeitá-la.” Escrupulosamente. Daí que aquela velhinha regra de não ir às compras com fome continue a ser relevante. Antes ainda, será importante fazer um inventário ao frigorífico, ao congelador e à despensa, para percebermos exatamente o que temos, o que é obrigatório consumir em breve para não desperdiçar, pensar os pratos que podemos preparar a partir daí. “Um outro ponto importante é definir o valor que tenho para gastar naquelas compras e tentar respeitá-lo. Temos de ter consciência que tudo nos supermercados está pensado para nos levar a comprar e temos de saber resistir a isso.” A propósito, há atualmente apps que permitem comparar os preços dos produtos nos vários supermercados que também podem ser extraordinariamente úteis. A “Super Save” é um bom exemplo disso. Sérgio Cardoso, da página Doutor Finanças, realça outro cuidado que ele próprio tem. “Costumo aproveitar as promoções de tudo o que tenha um prazo de validade muito alargado, comprar em grande quantidade e armazenar. Claro que é preciso ter liquidez para isso. E capacidade para armazenar.”

Para quem sistematicamente chega a casa em exaustão e, na azáfama das rotinas, não resiste a encomendar comida através das várias aplicações disponíveis, pode ajudar, com base no tal planeamento mensal, definir um número máximo de vezes em que se pode cair na tentação. E respeitá-lo custe o que custar. Nas restantes refeições, a comida de tacho será sempre uma opção mais previdente, na medida em que permite cozinhar em maior quantidade para congelar e assim poupar tempo e energia elétrica. “Há ainda a opção das hortas comunitárias. Muitas vezes as autarquias têm esse serviço disponível, cedem aos munícipes pequenos lotes para uma horta, em que podem cultivar o que quiserem. E assim acabamos por ter um passatempo, comemos melhor, pagamos menos e ainda preservamos a nossa saúde mental.”

E em relação ao automóvel? Nada como começar pelo bê-á-bá. Natália Nunes ajuda. “Claro que será sempre preciso ponderar entre o carro e o transporte público, nos casos em que tal é possível. Porque o custo do combustível é muito superior ao do passe. É um exercício que pode e deve ser feito. Mas sabemos que muitas vezes não há alternativa.” Nesses casos, há outras dicas que podem fazer a diferença: “Comprar os preços do combustível, ter uma condução mais suave para se gastar menos, evitar o ar condicionado, planear viagens, partilhar viagens. Há muitos comportamentos e hábitos que podemos ter para reduzir o peso que estas despesas têm nos nossos orçamentos”.

Uma última nota para o seguro automóvel que, no fundo, entra na mesma lógica do crédito à habitação e dos serviços: saber exatamente quais são as condições, ver alternativas, negociar. “Vale sempre a pena rever o nosso seguro e perceber se a cobertura que temos faz sentido”, releva Sérgio Cardoso. E dá um exemplo concreto: “Muita gente tem o renting e paga mais um bocado de prestação por ter uma viatura de substituição. Só que depois o próprio seguro também contempla uma viatura de substituição”. Um gasto duplicado e desnecessário.

Saúde (a nossa…)

Se é verdade que a Constituição da República Portuguesa prevê que todos têm direito à proteção da saúde, através de um serviço nacional de saúde universal e geral, na prática o acesso não é tão simples. Ou pelo menos tão imediato. Uma grande parte dos portugueses (1,7 milhões, segundo as últimas estimativas) não tem médico de família, muitos têm de ir de madrugada para os centros de saúde na esperança de garantir uma consulta, as listas de espera para consultas de especialidade e de determinadas cirurgias são de levar as mãos à cabeça e, na verdade, face ao mais recente protesto dos médicos, até o simples acesso aos serviços de urgência está por estes dias comprometido. Acresce que, para um doente que não tenha qualquer tipo de cobertura, um atendimento no serviço de urgências de um hospital privado facilmente ultrapassa a centena de euros.

Razões pelas quais cada vez mais portugueses ponderam fazer um seguro de saúde. Se é o seu caso, saiba que o primeiro exercício a ter em conta é este, sugerido por Sérgio Cardoso, do Doutor Finanças. “Primeiro, tenho de contabilizar todas as minhas despesas de saúde ao longo de um ano. Só assim vou conseguir perceber se me compensa ter um seguro.” Depois, há também que ter em conta a fase da vida em que está. “Se se fizer um seguro quando se vai entrar na reforma tem de se ter presente que vai ser muito mais caro.” O mesmo em relação a doentes que tenham historial de doenças graves. Outra dica relevante é uma já enunciada várias vezes nestas linhas: rever e negociar. “Nalguns casos, os seguros são pagos uma vez por ano e as pessoas acabam por esquecer. Mas não deve ser assim. É preciso negociar sempre, ver se as coberturas fazem sentido. Para que é que vou estar a pagar um seguro que tem um parto incluído quando sei que não vou precisar?”, questiona o especialista. Também aqui, Natália Nunes, da DECO, aconselha os consumidores a “fazerem uma recolha da informação disponível nos vários sites, a compararem as coberturas, a olharem para a questão das franquias e das exclusões, a ter tudo isso em conta no momento de fazer a escolha”, recorrendo, eventualmente, a simuladores como o da DECO Proteste ou das páginas especializadas. Já em relação aos medicamentos, não há muito a fazer além do básico: escolher, sempre que possível, os genéricos. Mesmo assim, alerta, há muitos idosos que, face ao avolumar de despesas, não têm alternativa a “abdicar de comprar uma parte da medicação”.

(e a dos animais)

A questão dos seguros coloca-se também no caso dos patudos. Primeiro, porque há cada vez mais portugueses a terem animais de companhia (no final do ano passado, havia 3,1 milhões registados); depois, porque os cuidados que temos com eles são cada vez maiores. Segundo um estudo apresentado pela DECO, também no ano passado, o custo médio de ter e manter um cão anda pelos 1021 euros anuais. No caso de um gato, o valor ronda os 892 euros. Ora, se tivermos em conta que a probabilidade de, pelo menos num dado momento da sua vida, estes precisarem de cuidados de saúde mais aprofundados (e mais caros) é grande, e se tivermos em consideração que uma simples cirurgia pode ascender a várias centenas de euros, não espanta que o leque de ofertas ao nível dos seguros para animais seja cada vez maior. Vale a pena referir, a propósito, que muitos destes seguros cobrem, além da assistência veterinária mais básica, os acidentes, as cirurgias, os tratamentos e os internamentos.

Para quem não quer ir por aí, há outras opções a considerar. Desde logo, estar atento a campanhas de vacinação gratuitas promovidas por juntas de freguesia, associações e abrigos de animais. Ou mesmo a consultas disponibilizadas pelas mesmas, que terão sempre preços mais em conta. A Clínica Veterinária SOS Animal e a União Zoófila, ambos em Lisboa, o Hospital Veterinário da Universidade do Porto, na Invicta, e o Hospital Veterinário da Universidade de Trás-os-Montes, em Vila Real, são alguns exemplos. De resto, e ainda que estes possam parecer, à primeira vista, gastos adicionais, vale a pena ter presente que a prevenção (seja através da vacinação, da desparasitação, do controlo da dor, de consultas anuais) é fundamental, bem como a aposta em comida de qualidade que, ainda que potencialmente mais cara, se vai traduzir, à partida, numa redução do número de problemas de saúde no futuro. Uma boa forma de compensar este gasto extra é encomendar comida pela net, preferencialmente em quantidades maiores e aproveitando as promoções. Duas últimas dicas, que, mais do que numa perspetiva de poupança, são fundamentais numa ótica de respeito pelos animais. Não compre patudos, adote-os, em cada canil e em cada gatil há-os às dezenas. E faça contas, não adote sem antes ter a certeza de que a sua carteira lhe permite esse gasto extra. Pior do que ter um animal num serviço municipal é tê-lo numa casa onde acaba negligenciado nas suas necessidades mais básicas.

Educação

Neste campo, o programa de manuais escolares gratuitos, implementado pelo Governo em 2018 para os 1.º e 2.º ciclos do Ensino Básico, e alargado ao 3.º ciclo e Secundário um ano depois, veio dar uma ajuda importante. Natália Nunes, da DECO, destaca isso mesmo, apontando o “peso considerável” que a medida tem nos orçamentos das famílias. Aliás, em muitos casos, sobretudo nas famílias mais numerosas, a lógica do reaproveitamento alarga-se até ao restante material escolar, ou pelo menos a uma parte dele. Outra ajuda, não no caso dos manuais mas em relação aos livros que têm de ser lidos no âmbito das várias disciplinas, pode ser recorrer às bibliotecas municipais, para os requisitar. Verificar sempre a possibilidade de pedir bolsas de estudo, optar por plataformas de e-learning em vez de explicações e deduzir todas as despesas com educação no IRS também podem ser pequenas ajudas. Vale a pena acrescentar, ainda que o dilema não entre sequer na equação de grande parte das famílias portuguesas, que a inscrição dos filhos nas creches ou escolas privadas deve sempre ser muito bem ponderada. “É preciso fazer muito bem as contas, até porque muitas vezes não é só a mensalidade que temos de pagar. A mensalidade existe, mas existem também muitos outros custos, que têm de ser considerados.”

Ainda em matéria de educação, mas numa perspetiva distinta, Sérgio Cardoso considera que é crucial “falar com as crianças sobre dinheiro porque as finanças pessoais não se ensinam na escola, há conteúdos que não são abordados”. “Passamos muitas vezes aquela ideia do: ‘Se queres comprar roupa poupa’. No fundo, é a lógica do poupar para gastar. Isto não está totalmente certo. O que nós propomos, no Doutor Finanças, é que as crianças devem ter três mealheiros: um para poupar, um para gastar e outro para ajudar.”

Vestuário e lazer

E descontadas todas as despesas essenciais, o que é que sobra para outros gastos? Também há estratégias para poupar quando queremos roupa, calçado, ou simplesmente desejamos divertir-nos? Há. Começando pela primeira parte, Natália Nunes lembra que cada vez mais, neste campo, se assiste “a muita reutilização, partilha até”. “Há cada vez mais o hábito de se dar roupa quando já não se usa. E também de comprar em lojas de roupa em segunda mão.” Outras dicas úteis são: investir em peças mais básicas e simples, de preferência de boa qualidade, que possam ser usadas no contexto de diferentes looks; aproveitar as épocas dos saldos e das promoções online; sempre que possível, fazer compras nos outlets ou noutras lojas menos convencionais; cuidar do vestuário e do calçado (e isso inclui respeitar as regras de lavagem) para que eles durem o máximo de tempo possível; ponderar pedir emprestado em vez de comprar, se a ideia é usar uma ou duas vezes.

Em relação ao lazer propriamente dito, Natália admite que estas são sempre “as despesas mais sacrificadas em tempos de crise”. Por isso, vale a pena estar a atento a tudo o que sejam iniciativas gratuitas, como as visitas aos museus em determinados dias da semana. Mas também a programação das câmaras municipais e das próprias juntas de freguesia pode encerrar propostas interessantes – e livres de custos. Perceba ainda qual o “dia do espectador” dos teatros e cinemas mais perto de si, visto que nestes dias os preços dos bilhetes são mais baratos. Por falar em filmes (e séries), este pode ser um bom momento para rever os serviços de streaming que tem: precisa mesmo de todos eles?

Pode ainda aproveitar para repensar as suas escolhas ao nível do exercício físico. Faz sentido continuar a pagar a mensalidade daquele ginásio caríssimo com piscina quando na verdade vai três vezes por mês e mal põe os pés na água? Em vez disso, pode ver a oferta de infraestruturas municipais que existem na sua zona (piscinas, por exemplo) e passar a exercitar-se lá. Ou apostar mais nas caminhadas e corridas ao ar livre. Ou até arranjar um novo hobby, que não seja particularmente caro. Antes de terminar, uma boa notícia: não, os jantares com os amigos não têm de acabar só porque tem a carteira depauperada ou porque está a tentar aumentar as suas poupanças. Pode simplesmente… mudá-los de sítio. Se não dá para ir a um restaurante, porque não um jantar em casa e até dividir o custo das compras por todos?

Créditos e cartões

Esta não será uma vertente tão óbvia da poupança, mas, num país em que mais de três milhões de pessoas têm cartões de crédito, em que a tentação de novos cartões se insinua em cada esquina de uma ida ao shopping, em que o crédito ao consumo continua a bater recordes – só no primeiro trimestre deste ano o valor ascendeu a quase dois mil milhões de euros -, há chamadas de atenção importantes que vale a pena fazer. Desde logo esta, de Cristiana Cerqueira Leal, docente da Universidade do Minho: “É importante ter como premissa pagar sempre o cartão de crédito a 100% porque tem taxas muitas altas.” Ou até evitar o cartão de crédito de todo. “É certo que é o meio de pagamento mais fácil, mas também é o mais caro. No caso de ser necessário um crédito, vale a pena procurar alternativas e comparar custos.”

Fazer um crédito pessoal, por exemplo, pode ser preferível a efetuar uma compra avultada com um cartão de crédito. Não sem antes responder a várias questões: esta despesa é mesmo essencial ou consigo passar sem ela? Quanto vou pagar por mês e durante quanto tempo? Tenho liquidez para isso? Há outras despesas de que posso abdicar para fazer este crédito? Se já passou esta fase e vive num sufoco entre os vários créditos que tem para pagar, fazer um crédito consolidado pode sempre ser uma opção interessante, sustenta André Pedro, do Compara já. “Ao fazê-lo, é verdade que se vai pagar mais, mas, como se alarga o prazo de pagamento, esse valor passa a estar diluído por mais tempo, o que dá outra liquidez. Mas atenção, esse valor extra não deve ser visto como um rendimento extra para gastar. Devemos pensar antes: ‘Tenho aqui uma folga financeira que posso usar para poupar, que posso guardar para uma emergência’.”

Receitas

Por fim, quando pensamos em exponenciar as nossas poupanças, faz também sentido olhar a questão de um a outra perspetiva. Sérgio Cardoso, do Doutor Finanças, acentua isso mesmo. “Muitas vezes, quando pensamos em poupar, focamo-nos apenas em cortar despesas. Mas uma forma de poupar passa por aumentar as nossas receitas.” Como? Além das opções mais óbvias, como reivindicar um aumento junto da sua entidade empregadora, procurar um trabalho com melhores condições ou mesmo um part-time que permita amealhar mais uns trocos, também pode apostar num “hobby que possa ser rentabilizado, em vender coisas que tenha em casa e que já não use [plataformas como o OLX ou a Vinted podem ser extremamente úteis para isso], ou em investimentos, eventualmente que não acarretem riscos, como os certificados de aforro”. Cristiana, da Universidade do Minho, abre outra porta.

“Sabemos que as famílias portuguesas poupam pouco e aplicam mal as suas poupanças, em depósitos com baixa rentabilidade. No caso dos jovens, sobretudo, pode fazer sentido investir em aplicações de longo prazo com maior risco, como os fundos de investimento” E voltamos à crónica questão da falta de literacia financeira. “A maior parte dos portugueses que consegue juntar dinheiro só o acumula, não o põe a trabalhar para si. É preciso planear o investimento. E claro que vale a pena ter uma aplicação mais segura, de curto prazo, mas também faz sentido pensar num horizonte temporal para criar valor, sempre ajustado ao ciclo de vida das famílias.”