A praxe está a mudar, mas continua a ser um negócio

Os rituais, a integração, as festas, os brindes, os patrocínios, o negócio. A cultura do passado, as práticas do presente, o que se lê e vê nas entrelinhas. Há todo um mundo a acontecer para milhares de alunos que entram pela primeira vez no ensino superior. Receções de boas-vindas, kits que se dão e que se compram, jogos para quebrar o gelo, programas à medida. Não se fala abertamente de uma indústria. É o mercado a funcionar, é a lógica do consumo a rolar.

Na semana que passou, Catarina Ruivo, presidente da Federação Académica de Lisboa, desdobrou-se em receções aos novos alunos. Manhãs numas faculdades, tardes noutras, sessões de boas-vindas, visitas guiadas para caloiros, distribuição de kits com oferta variada, de tudo um pouco – vouchers com descontos em TVDE, em restaurantes, em compras de bicicletas elétricas, blocos e canetas, t-shirts, muita coisa. Num território tão vasto, como é Lisboa, com diversas faculdades, há muitas atividades de integração dos novos estudantes. Cada universidade tem as suas práticas, o seu modo de funcionamento. “É uma realidade muito diversa.”

Na última quarta-feira, o Jardim da Cordoaria, junto à reitoria da Universidade do Porto, encheu-se de novos alunos de licenciaturas, mestrados, doutoramentos. Houve música, animação, convívio nesta receção que ofereceu um kit de boas-vindas, uma t-shirt, um tote bag, uma capa. Mais um momento para facilitar a integração na academia e na cidade. Ana Gabriela Cabilhas, presidente da Federação Académica do Porto, esteve lá. É o início de mais um ano letivo no Ensino Superior e não se pára. “As associações de estudantes acabam por planear um conjunto de iniciativas em cada faculdade com o objetivo de fomentar a integração dos novos estudantes”, resume. “É a primeira linha de contacto dos estudantes com a academia”, acrescenta.

Viram-se faculdades do avesso para dar a conhecer gabinetes de apoio, núcleos, ofertas, passes de transporte, anda-se pela cidade a mostrar tradições gastronómicas, locais para visitar, sítios para estudar. Ana Gabriela Cabilhas sabe que tudo isso é importante e que no secundário nem sempre há informação suficiente sobre esse outro mundo. “As associações de estudantes mostram as oportunidades do Ensino Superior. Além da realidade da sala de aula, há a formação enquanto pessoas, cidadãos”, refere. No Porto, tal como em Lisboa, cada faculdade organiza as suas iniciativas.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

O mesmo acontece em Coimbra, que se vestiu a rigor para receber os novos alunos. Na semana que passou, houve visitas a pé pela cidade, concerto gratuito de Miguel Araújo, mostra da oferta associativa e cultural das diversas faculdades, kits com folhetos informativos, canetas, blocos, material escolar. João Caseiro, presidente da Associação Académica de Coimbra, realça estes primeiros momentos de integração e acolhimento dos mais de 3500 novos estudantes, grande parte deslocados de suas casas, com a academia coimbrã e suas tradições. São dias de interação. “Os novos alunos vêm com os seus familiares conhecer a cidade e as faculdades.”

Coimbra agora é também dos estudantes que chegam. Como é o caso de Eduarda Oliveira, de 17 anos, de Pombal, caloira da licenciatura em Ciências Bioanalíticas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, sua primeira escolha. A semana passada foi intensa, outra cidade, novo horário, outra escola, outra casa, outra vida. Na quarta-feira, mais uma sessão de praxe às 14.01 horas – não pode haver números pares -, já tinha comprado o kit com a t-shirt do curso e um cancioneiro com as músicas que tem de cantar, 13 euros. “Na minha opinião, está tudo a correr muito bem, a praxe aqui, da minha faculdade, é mais sobre as regras do curso, nada de praxe suja ou alcoólica”, contava há dias. “Apresentamo-nos, fazemos auto contagem, gritamos o hino, fazemos alguns jogos para nos conhecermos”, descrevia.

A 7 de setembro, os novos alunos da Universidade do Minho (UM) tiveram um piquenique oferecido pelo reitor para comemorar os 50 anos da instituição de ensino superior e celebrar, em simultâneo, o início das jornadas académicas, nos jardins da Lola do Campus de Azurém. O dia começou com uma sessão de boas-vindas, teve mostra das associações da universidade, terminou com um sunset cultural. No dia anterior, os embaixadores da UM já tinham mostrado os cantos e recantos da academia aos novos alunos. Há mais iniciativas à vista. Na próxima quarta-feira, “Caloiro de Molho” na piscina da Rodovia, em Braga, com desafios desportivos, momentos de lazer e de convívio. As serenatas ouvem-se a 26 deste mês, a 27, a latada desfila pelas ruas de Guimarães, dia em que arranca a Receção ao Caloiro no multiusos da cidade, festa da cerveja dia 28.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Margarida Isaías, presidente da Associação Académica da UM, acompanha de perto tudo isso. Quanto à praxe, é outro assunto, outro departamento. “A praxe é algo que não tem nada a ver com a associação académica”, avisa. Na UM, a praxe é proibida dentro do campus e Margarida Isaías não entra na conversa se é ou não uma indústria. O que lhe interessa, nesta matéria, são os momentos, as atividades, as iniciativas de acolhimento aos novos estudantes que lhes mostram espaços, dinâmicas, ofertas associativas e culturais que existem, com direito a kit de boas-vindas com material informativo, canetas, blocos.

O modus vivendi, um estilo de vida

Matias Correia é o dux veteranorum, presidente do Conselho de Veteranos de Coimbra, responsável máximo pela praxe académica coimbrã. Há todo um mundo à volta da praxe da cidade dos estudantes. “Nos tempos modernos, a praxe adapta-se a um processo de modus vivendi”, diz. E explica o que isso é. “É um modo de vida que é restrito de Coimbra.” Uma praxe que engloba várias vertentes, descreve, da participação nos grupos académicos à vivência nas repúblicas. O próprio uso da capa e batina não está em declínio, garante. E o primeiro ano é importante. “É o ano de integração de um novo estilo de vida académico que não se prende só à sebenta, que vai do batismo do caloiro à bênção das pastas.”

Há, portanto, muita coisa a acontecer fora das salas de aulas. A praxe em Coimbra, afiança Matias Correia, é orgânica, espontânea, dura o ano inteiro. O dux conta que cerca de 90% dos caloiros participam nas praxes, o número vai diminuindo ao longo do ano, há os alunos que gostam, há os que não gostam. A espontaneidade de acontecer a qualquer momento e em qualquer lado também vai diminuindo com o passar do tempo, há ocasiões programadas, num certo local, a determinada hora. Segundo o dux, acontecem sobretudo “num ambiente mais boémio e não de estudo”. “É proibido perturbar o percurso do ano letivo dos caloiros”, indica.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

O termo praxe terá aparecido nos finais do século XIX, mas o ritual é bem mais antigo. Sabe-se que em Coimbra, no século XVIII, os novos alunos eram recebidos com insultos e troças, numa espécie de tourada. Os excessos levaram D. João V a proibir essas práticas. No século XIX, o mais comum era o canelão, ou seja, os alunos mais velhos darem caneladas nos caloiros, e o rapanço, cortar pelos. Veio a República, a praxe foi abolida, restabelecida poucos anos mais tarde, em 1919, proibida novamente na década de 1960, mais uma vez permitida na década de 1980.

Em 2016, o sociólogo João Teixeira Lopes, professor catedrático e coordenador do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, estudou as praxes e deparou-se com cânticos machistas e homofóbicos, relação de poder dos rapazes sobre as raparigas, dos mais velhos sobre os mais novos. A praxe é, em si, lembra, um ritual de iniciação, a passagem de um estatuto a outro, que pode carregar, sublinha, uma despersonalização, ou seja, “uma nova personalidade social que pode ter fatores violentos”. Como é o caso de práticas agressivas, de subjugação e dominação. “As praxes são ambivalentes”, constata. Podem resultar, podem não resultar. “Faltam nas universidades portuguesas mecanismos de integração social.” Ou seja, criar laços sociais num novo território para quem entra no ensino superior, com pessoas a circular pelo campus atentas a tudo o que implica essa integração, ou seja, esclarecer dúvidas, ajudar, apoiar, envolver em iniciativas que olhem nessa direção.

Neste momento, João Teixeira Lopes não vê a praxe durar o ano inteiro, parece-lhe que houve uma quebra pós-pandemia. “É mais intermitente, uma adesão mais pragmática, mais distanciada, e cada vez mais crítica”, sustenta.

(Foto: Adelino Meireles/Global Imagens)

Artur Guimarães, aluno de doutoramento do Instituto Superior Técnico (IST), faz parte do Magno Conselho de Veteranos da Academia de Lisboa, que agrega seis faculdades, entre as quais Medicina, Medicina Dentária, Medicina Veterinária, o próprio IST, responsável pelas praxes nessas universidades, fala do que acontecia e do que acontece. O que havia no passado, não muito longínquo, não é o que se passa hoje. “Muito distante das práticas violentas, e até humilhantes, que havia no passado”, assegura. Até porque, sustenta, “não é esse o objetivo moral e histórico. Não é preciso humilhar alguém para que se adapte à universidade.” Agora, o gozo ao caloiro, conta, serve para quebrar o gelo, criar momentos numa nova fase da vida dos alunos que chegam à capital, recebê-los, dar-lhes a conhecer o meio. Artur Guimarães destaca esses momentos de empatia entre quem chega e quem já ali está.

Na próxima terça-feira, há a serenata ao caloiro, pelas 22 horas, à entrada do IST, dia 28 é a latada, cerca de três mil estudantes a pé do IST ao Terreiro do Paço, uma festa e um momento de crítica social com cartazes de alerta para várias situações – a crise na habitação será, com certeza, tema forte. “Revelamos algumas coisas que nos afetam”, explica Artur Guimarães. Haverá mais atividades e iniciativas ao longo do ano letivo, a praxe dura todo o ano. Sem qualquer pressão, assegura. “Somos uma capital de estudantes, vivemos longe uns dos outros, nos arredores da cidade, anunciamos que vai haver uma atividade de praxe e quem quiser aparecer aparece, é facultativo. Quem está, está, quem não está, não está.”

Constança Fraga, aluna do segundo ano do curso de Ciência Política e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Nova FCSH, em Lisboa, admite que ia um pouco receosa da praxe no seu ano de caloira. “Correu bem melhor do que esperava”, confessa. A integração foi fácil. “Grande parte dos alunos são deslocados, sentíamos que estávamos no mesmo barco, toda a gente foi muito acolhedora.” “Fui à praxe e fiquei muito agradada, tem muito sentido de integração”, recorda.

(Foto: Adelino Meireles/Global Imagens)

Constança tem 19 anos, é do Luso, Mealhada, começa agora mais um ano letivo no ensino superior. Olhando para trás, o apoio que recebeu à chegada soube-lhe bem, o núcleo do seu curso deu-se a conhecer, trabalhou na integração dos novos alunos, Constança decidiu logo entrar nessa estrutura. De resto, tudo certo. “Há uma cultura de respeito mútuo para que quem vem de fora se sinta integrado e confortável”, afirma.

O discurso, a narrativa, a irreverência

Em outubro de 2016, o sociólogo Elísio Estanque, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, investigador do Centro de Estudos Sociais da mesma faculdade, lançava o livro “Praxe e tradições académicas”, um olhar reflexivo e crítico sobre o tema e referia, na altura, que a praxe é um fenómeno sociológico complexo, rico e revelador de tendências sociais mais profundas. Desde as relações de poder, de submissão às hierarquias, à perda da irreverência que havia no passado. “Essa prática de irreverência social e política tem sido cada vez mais esquecida dentro do discurso e da narrativa das atividades académicas”, comenta agora, quase sete anos depois.

Hoje, na praxe, há um pouco de tudo. “Há uma desmultiplicação das situações que pode ir desde ritos e brincadeiras inócuas e lúdicas, que têm uma função integradora, a casos de abuso – e não é apenas a questão física, é a cultura que simbolicamente se revela como culto ao poder, à hierarquia, a submissão perante o mais velho”, refere Elísio Estanque. Essa cultura de vassalagem perante a hierarquia, a bajulação de um poder, corrói o espírito crítico da massa estudantil, segundo o sociólogo. E esse é um ponto preocupante quando se defende o fortalecimento da cidadania e da democracia.

(Foto: Adelino Meireles/Global Imagens)

Jorge Fonseca era caloiro no ano letivo que passou, está agora no segundo ano do curso de Recursos Humanos do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto (ISCAP), tem 20 anos, é da Póvoa de Varzim. Participou em vários momentos da praxe e das atividades académicas, em ações de voluntariado, que já fazia no liceu. A experiência é positiva, o acolhimento à chegada foi essencial a vários níveis. “São iniciativas importantes para contextualizarem o aluno, entrámos no ensino superior e não temos grande noção do que se vai passar, entrámos num mundo novo, e temos esse colchão que nos ampara”, conta Jorge Fonseca. “Na semana de integração, conhecemos alunos do nosso e de outros cursos, conhecemos outra realidade, e as iniciativas são importantes para promover a integração e a cooperação entre os alunos mais novos e mais velhos”, acrescenta. Gostou da praxe, não se sentia desconfortável, não queria ir para casa mais cedo.

A integração do caloiro na comunidade académica é fundamental. A questão é como ela se faz. Elísio Estaque não tem nada contra os rituais de iniciação, vê-os como necessários, o problema são os abusos e a ausência de um paradigma mais firme de regulamentação desses excessos. O sociólogo olha para o conteúdo e para a forma. “Há um discurso algo arrogante, machista, marialva, um tom até algo militarista, alunos formados, alinhados, que não podem interagir”, repara.

A entrada numa faculdade fica na memória. Ana Gabriela Cabilhas sabe. “Há um misto de emoções, de alegria dos estudantes e seus familiares de iniciar uma nova etapa, e uma sensação de angústia e preocupação pelo receio de não conseguirem reunir todas as condições para frequentarem o ensino superior sem sobressaltos”, aponta. No Porto, a Semana de Receção ao Caloiro está em preparação, será em outubro, haverá o cortejo da latada, serenata, festival de tunas femininas, rally das tascas, o dia da beneficência para a recolha de fundos para uma ou mais instituições de solidariedade social da cidade, comboio do caloiro, entre outras atividades.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Moisés de Lemos Martins, professor catedrático do Departamento de Ciências da Comunicação da UM, viu muita coisa ao longo dos anos, os doutores em bando, os caloiros com os olhos colados ao chão. “Uma degradação total, uma coisa tribal, trinta por uma linha, simular que estavam a comer erva, e tantas outras coisas, e ninguém se metia. A fazer das pessoas carneiros, disponíveis para obedecer”, lembra. “Rapazes e raparigas diante dos veteranos, de olhos em baixo, a receber ordens como se estivessem no exército, façam flexões, façam isto e aquilo, nunca replicando, como uma carneirada. É uma prática boçal, não é uma prática para a cidadania”, diz. E continua. “Serve a integração? Não. Companheirismo? Qual companheirismo? Ser carneiro, não abrir a voz e obedecer aos chefes?”, questiona. “A praxe tem de ser uma integração, sim, numa comunidade académica”, defende.

A indústria, as receitas e o retorno

Há a praxe e tudo o que gira à sua volta. Os brindes, os kits que se dão e que se compram, as marcas, os patrocínios, as festas, os concertos, os trajes, os restaurantes, os bares, as discotecas, as queimas das fitas, as semanas académicas. A praxe é uma indústria, é um negócio? “Não é propriamente uma indústria, não é propriamente um negócio”, responde Catarina Ruivo, presidente da Federação Académica de Lisboa. “Os brindes dados pelas associações de estudantes não estão ligados à praxe, é simplesmente uma receção de boas-vindas”, refere. Brindes, diz, que muitas vezes são patrocínios dados em géneros.

A praxe é uma indústria? Artur Guimarães responde que as comissões de praxe andam a contar os tostões para organizar coisas, que a praxe não tem essa componente de lucro. Matias Correia é claro quando se fala numa indústria da praxe: é anti comercialização da praxe, de fazer dinheiro à custa disso. “Não deixa de ser um fenómeno de massas”, admite. Mas é totalmente contra a sua monetização. O que, em seu entender, até pode ser uma barreira à participação dos alunos e, por isso, a aposta em iniciativas de entrada livre. Mas nem todas são assim. “Os nossos fundos vêm da Queima das Fitas, que devolvemos à academia para serem gastos nas secções culturais e desportivas, núcleos de estudantes.” Cobertas as despesas com a Queima, é assim que funciona, diz. No Porto, é igual. “O retorno da Queima das Fitas é devolvido à academia”, explica Ana Gabriela Cabilhas, para ser aplicado em muita coisa, acrescenta, projetos sociais, atividades desportivas, apoio ao estudo. Retorno para muita gente, para os estudantes também. “Esse é o principal foco.”

Em Coimbra, a Festa das Latas e Imposição de Insígnias acontece de 4 a 8 de outubro, a serenata, o cortejo, os concertos. João Caseiro afirma que o objetivo não é gerar lucro, a Festa das Latas acaba por ser uma fonte de receita, traz muita gente a Coimbra, alunos e não alunos, exige uma aposta maior na produção. “O principal objetivo é dar uma primeira experiência académica aos novos estudantes.”

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

E repete-se a pergunta. Há uma indústria à volta da praxe? “Não é que haja uma indústria deliberada, é a hegemonia do próprio consumo e mercantilização que atinge todos os setores da nossa sociedade atual”, diz Elísio Estanque. É o mercado a funcionar, é a lógica do consumo a girar também no campo das festividades académicas. Angariação de fundos, patrocínios de bebidas alcoólicas. “É uma estratégia de criação de públicos e de consumidores.”

João Teixeira Lopes é assertivo. “A praxe é uma indústria. Absolutamente. As marcas chegam a este vasto público, são orçamentos de milhões, movimenta muitos milhões, movimenta muitos interesses.” Há aqui um debate que tem de ser feito, em seu entender, sobretudo ao nível do álcool habitualmente associado às festas académicas e as essas práticas de abuso, de humilhação.

Moisés de Lemos Martins tem a sua visão. “A praxe é um grande empreendimento que mexe com muita coisa e que tem essa dimensão financeira, é um grande negócio onde corre muita cerveja.” A 19 de novembro de 1993, Moisés de Lemos Martins estava no café Viana, em Braga, a moderar o debate “A praxe que (con)tradição?”, organizado pelo então Núcleo de Estudos do Curso de Sociologia das Organizações da UM. “Baloiçando entre a orgia festiva e a orgia fúnebre (com violência física e moral, palavrão soez e ovos podres), a praxe talvez exiba apenas a marca de um tempo que se vê amputado de uma dimensão futura. Talvez a praxe se esgote mesmo no prazer de viver uma emoção partilhada”, escreveu e disse na sua intervenção. Trinta anos depois, mantém as palavras em termos sociólogos. Nunca achou graça às praxes e disse-o, alto e bom som, em diversas ocasiões, foi satirizado no jornal académico, apupado no senado. Nunca se importou com isso.

No seu último livro “Pensar Portugal – A modernidade de um país antigo”, de 2021, tem um texto com o seguinte título: “Parir abaixo de zero. Morra a praxe! Morra! Pim!” E voltou à carga. “Parir abaixo de zero é hoje uma habitualidade que segue impante na universidade, em cortejo de rebanho humano, de verme a remexer a terra, de manada conduzida pela arreata”, escreveu.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Para si, a universidade é um lugar de liberdade, não de submissão. “A vida da universidade é uma vida de sujeitos livres.” Uma coisa são as praxes que colocam caloiros de joelhos, outra coisa são atividades de integração dos novos estudantes que envolvem a comunidade académica, não só alunos, como também professores. As primeiras já não acontecem dentro do campus da UM, as segundas sim. Rejeita as primeiras, concorda com as segundas.

Há todo um mundo a girar à volta da vida académica, aspetos consensuais, fatores controversos. Seja como for, começa agora uma nova etapa na vida de milhares de alunos. Hoje caloiros, veteranos amanhã, profissionais no futuro.