A luta contra o desperdício é (sobretudo) feminina. Porquê?

Ana Milhazes (fundadora do Lixo Zero Portugal), Marta Cerqueira (do site Peggada), Joana Guerra Tadeu (a ambientalista imperfeita), Eunice Maia (a Maria Granel), Susana Fonseca (da direção da Zero) são caras e vozes na linha da frente do consumo consciente. A balança está desequilibrada. Há mais mulheres e poucos homens envolvidos nas temáticas ambientais. É a cultura? É o patriarcado? Pela primeira vez, Portugal tem um dia dedicado à sustentabilidade. É um sinal?

O lixo que produziu nos últimos seis anos e três meses, o que não dá para reciclar, cabe dentro de um frasco de vidro. Ana Milhazes, socióloga, fundadora do Lixo Zero Portugal, autora do livro “Vida lixo zero”, guarda autocolantes de fruta, etiquetas de roupa, cerdas das escovas de dentes de bambu, pulseiras de festivais e outros eventos, molas da roupa, lentes de contacto, lâminas do aparelho da depilação. É um frasco 2 em 1, o frasco do ativismo, como lhe chama, porque lhe lembra que pode fazer melhor, porque sabe que o que ali está não é seu. “Estes resíduos são das marcas que quando produzem este tipo de produtos deviam pensar no descarte”, repara. É também o “frasco da vergonha” das marcas, como diz. “Tudo devia ter um destino”, defende.

Ana Milhazes tem um kit que leva para todo o lado: guardanapo de pano, palhinha de aço inoxidável, dois paus de bambu, colher de sopa, garfo e faca, tudo embrulhado num tecido, mais garrafa reutilizável e copo que encolhe e estica. Usa esfregões de fibras naturais, copo menstrual, óleo de coco para cozinhar, limpar a casa e hidratar a pele, pasta de dentes de carvão vegetal, escova de dentes de bambu, reutiliza frascos de vidro, não compra sacos de plástico, prefere compras a granel. Em 2011, decidiu viver melhor com menos. Deixou o emprego de gestora de projetos na área das tecnologias de informação, depois do diagnóstico de burnout. Em 2012, criou o blogue Ana, Go Slowly, quatro anos depois, fundou a primeira comunidade de desperdício zero em Portugal. Anda pelo país a partilhar hábitos saudáveis e sustentáveis em workshops, palestras, formações, por escolas, empresas, associações – em despedidas de solteira também. Há uma semana, estava a apanhar lixo na praia da Aguda, em Vila Nova de Gaia.

Marta Cerqueira mora na baixa de Lisboa. É vegetariana, o que não usa põe a circular, dá, troca, vende. Lá em casa, a regra é se entra uma coisa, sai outra. “Quando sinto que preciso, procuro em segunda mão, seja perguntar a amigos ou família, procurar em plataformas, mercados de trocas”, conta. Ter uma casa pequena ajuda, metade da mobília é em segunda mão, um armário dá para roupa de duas pessoas, mais um para o filho que veste 96% de roupa herdada, usa fraldas reutilizáveis, não usa toalhitas descartáveis, mas quadradinhos cortados de um enorme lençol. Marta anda sobretudo a pé ou de bicicleta, na sua ou na elétrica partilhada de Lisboa. Compra o cabaz da Fruta Feia. “Só não tem os tamanhos, os calibres e as cores necessárias para estar nas grandes superfícies.” De resto, é bonita e saborosa. Faz parte da cooperativa Rizoma. Não se lembra da última vez que deitou comida fora. “Tento usar os alimentos por inteiro, aproveitar as cascas para fazer caldos, usar as ramas que normalmente não são tão utilizadas.” Cada português desperdiça cerca de 180 quilos de comida por ano. É coisa que lhe custa perceber. “Temos de ter noção do que temos em casa, tanto no frigorífico como na despensa, para perceber o que realmente é preciso comprar, não deixar as coisas passar de prazo, e usar um bocadinho da imaginação – sobrou arroz do dia anterior, vou inventar e fazer uns bolinhos de arroz.” Afinal, é tudo uma questão de poupar recursos, poupar dinheiro.

Marta Cerqueira cresceu numa aldeia do Alto Minho, meio rural, família sem especial cuidado com o desperdício, não havia ecopontos na rua, a avó não tinha frigorífico, comprava-se muito pouco, vivia-se do que a horta dava, a sustentabilidade não era assunto. Marta tornou-se jornalista, começou a escrever sobre esses temas, a partir pedra, a chamar a atenção para a importância dessa área. Sentia que faltava uma plataforma exclusivamente dedicada à sustentabilidade. E pôs os pés ao caminho. Candidatou-se a um programa que procurava mulheres empreendedoras na área, cruzou-se com Lígia Gomes, primeiro online, depois presencialmente, e a Peggada arrancou em 2020. Num só site, negócios sustentáveis, tudo à volta de um consumo consciente e responsável. Notícias, reportagens, entrevistas. Agenda de eventos ligados à sustentabilidade em todo o país. Diretório de negócios sustentáveis com uma lista que dá para procurar por tipologia e zona do país. “A nossa ambição é que a Peggada, um dia, seja uma aplicação, é para isso que estamos a trabalhar”, revela. Em seu entender, era uma ferramenta necessária e continua a ser. É já um nome forte na área da sustentabilidade, normalmente presente em tudo o que acontece no setor. E tem um conselho na ponta da língua: “Não tentem fazer tudo ao mesmo tempo porque não vai durar a longo prazo, não é possível. É nas pequenas decisões do dia a dia que se faz a mudança”.

Joana Guerra Tadeu tem várias vidas nesta vida do ativismo ambiental, ambientalista imperfeita, ativista pela justiça climática, conselheira de sustentabilidade da “Notícias Magazine”, apresentadora do programa “Verdes anos” na RTP3, criadora de conteúdos. Foi minimalista, já não é. A preocupação com as questões ambientais sempre existiu na sua vida. A mãe era do partido ecologista “Os Verdes”, o pai do PCP, conheceram-se na Assembleia da República. Nos anos 1990, a mãe enchia o carro de lixo até ao tejadilho para ir ao ecocentro, não havia ecopontos, lia todas as etiquetas para saber de onde vinham as coisas e como eram feitas. “Essas preocupações cresceram comigo, faziam parte do meu dia a dia, mesmo na adolescência era ativista”, recorda. Juventude partidária, associação de estudantes, presidente, vice-presidente, vogal, falava dos direitos dos estudantes, das obras nas casas de banho, coisas concretas. Depois, na faculdade, desligou-me destes assuntos. Começou a trabalhar como jornalista, percebeu que o mercado não a estava a tratar bem. Passou para o mundo corporativo, consultora na área da inovação, foi parar a um banco, especialista em regulação bancária. “Não tinha nada a ver comigo e com os meus valores.” Saiu.

Criou “A Montra/The Window”, a primeira loja online portuguesa de produtos sustentáveis, a parte editorial, com mais de 30 bloguers, era um sucesso em 2015, conseguia espaços nos mercados de rua a preços mais acessíveis ou sem pagar. O projeto acabou. No primeiro Dia da Mãe como mãe, estreou um podcast sobre puericultura e ecologia, o seu primeiro projeto eco feminista, transmitia valores ecologistas misturados com valores feministas à volta da parentalidade.

Ana Milhazes, socióloga, anda pelo país, em escolas, empresas, associações, a partilhar hábitos sustentáveis
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Em casa, a roupa de dois cabe num armário, a roupa da filha numa cómoda, champô e sabonete sólidos na casa de banho, pasta de dentes partilhada, esponja de luffa e detergentes ecológicos na cozinha. As roupas que não usa podem servir para embrulhos. “Deixei de ser tão chata com coisas pequeninas e passei a ter muito mais espaço para falar de coisas muito maiores”, reconhece.

Poupar recursos, poupar dinheiro

Em 2015, Eunice Maia, professora de Português, e o marido, Eduardo Melo, economista, abriram a Maria Granel, a primeira mercearia biológica a granel em Portugal, das primeiras da Europa, a primeira loja de desperdício zero do país. Agora são duas, uma em Alvalade, outra em Campo de Ourique. No início, eram cerca de 240 produtos, hoje são mais de duas mil referências. Eunice Maia escreveu o livro “Desafio zero – guia prático de redução de desperdício dentro e fora de casa” e criou o “Programa Z(h)ero”, projeto educativo ambiental de redução de desperdício em ambiente escolar e empresarial. A sua história é uma história improvável. De consumidora impulsiva a ativista ambiental.

“Comprava muita roupa, muito calçado, gastava muito dinheiro e muita energia.” De uma família do Minho, gerações de lavradores, temporadas na aldeia dos avós, pai enfermeiro e cioso da reciclagem e da poupança de recursos, numa altura em que nada disso era comum. Em criança, sentia vergonha, agora um imenso orgulho. “Esse passado estava lá, desvinculei-me dele, afastei-me, a Maria Granel serviu-me novamente de ponte para esta ligação à terra”, confessa.

Não é minimalista, vê o que é viável e consegue fazer no seu contexto, é fã da segunda mão, tenta dar durabilidade ao que tem. Reutiliza recipientes, recusa embalagens desnecessárias, planifica consumos e quantidades. Maria Granel, como os pequenos negócios, vive tempos difíceis, o custo de vida disparou, o poder de compra caiu. É aguentar, fazer o melhor, renovar, inovar. Resistir e manter o foco. “Sendo um projeto na área do retalho alimentar, fui percebendo quais eram os problemas associados ao nosso sistema alimentar e como ele é insustentável. Tendo noção de que somos parte do problema, isso também nos dá responsabilidade para dentro da nossa escala – e ela é muito pequenina, são duas lojas de bairro – tentar fazer parte da solução.”

Susana Fonseca, socióloga, é vice-presidente da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, coordenadora da área “Sociedades sustentáveis e novas formas de economia”. É do tempo em que ainda não havia recolha seletiva, de ouvir, vezes sem conta, apaga a luz, fecha a água, de se aproveitar tudo até à exaustão em casa dos avós. Menos coisas, menos consumo, menos necessidade. No liceu, um projeto de recolha de papel com contentor à porta da sala de professores funcionou como ponto de partida, passou a ser uma ávida recoletora de papel para levar para a escola. O projeto acabou e começou a sua reflexão à volta do assunto. “Passei a saber que o papel podia ser usado de outra forma, que não como um resíduo, e começou um bocadinho este bichinho”, salienta. No curso de Sociologia no ISCTE, associou-se ao grupo do Ambiente da faculdade, estudou Sociologia do Ambiente, esteve nos primórdios do grupo que mais trabalhou este tema. Esteve na Quercus, fez parte da direção.

Eunice Maia, professora, tem duas mercearias biológicas a granel, em Lisboa. Quando abriu, era uma novidade no país
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Susana Fonseca sempre foi muito regrada no uso dos recursos. “A lógica é que se não se tiver de gastar, não se gasta, gastar o mínimo possível.” Não passa roupa a ferro, faz compostagem doméstica há anos, anda de transportes públicos, raramente compra roupa, consegue passar um ano sem comprar uma peça, apenas para a filha de 14 anos que também é regrada, defensora da segunda mão. Leva as suas embalagens e caixinhas quando vai às compras, o teletrabalho poupa-lhe tempo no trânsito da margem Sul para Lisboa, menos combustível, menos poluição.

Este ano, e pela primeira vez, Portugal celebrou o Dia Nacional da Sustentabilidade a 25 de setembro, data escolhida pelas Nações Unidas para adotar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. É o primeiro país do Mundo a ter um dia, no seu calendário oficial, dedicado à sustentabilidade, depois da proposta e insistência da Deco Proteste. É melhor haver do que não haver. Para Ana Milhazes, é sinal de que as pessoas estão mais atentas. Por outro lado, tem resistência a dias específicos para celebrar momentos, sejam quais forem. O que mais deseja, refere, é que a partir daqui “se incluam hábitos todos os dias que demonstrem essa atenção, essa preocupação e não apenas uma vez por ano”.

Joana Guerra Tadeu vê tempo de antena, atividades, coisas a acontecer nesse dia. É relevante, sim. “Há coisas mais importantes do que criar efemérides, era mais importante criar uma medida concreta que fosse celebrável do ponto de vista da crise climática.” “A sociedade não vai mudar porque começamos todos a separar o lixo cá em baixo, vai mudar porque vai haver leis que obrigam as empresas a mudar, e vai haver empresas que vão desaparecer, e vai haver pessoas muito ricas que vão ter de fazer muitos sacrifícios”, antecipa. Até ao fim do ano, Portugal tinha de transpor para lei a diretiva europeia para implementação de um sistema de recolha seletiva de têxteis, lembra Joana. O prazo vai passar e o país continua sem solução ética para o fim de vida dos têxteis. Sexta-feira, foi Dia Internacional da Consciencialização sobre as Perdas e o Desperdício Alimentares.

Joana Guerra Tadeu, criadora de conteúdos, lembra que são as mulheres as mais afetadas pelas alterações climáticas
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Eunice Maia realça a importância das políticas públicas, desde a lei do plástico descartável ao pacto ecológico europeu. “Precisamos desta convergência, ao mesmo tempo coexistência, de ação individual, precisamos de toda a gente, pessoas, cidadãos, consumidores, empresas, Estado.” Só que é preciso mais. “Continuamos num paradigma de destruição, exigir ao Planeta recursos que ele não tem tempo útil para regenerar, a extração vai sempre bater uma economia hipercarbónica, de crescimento incessante. Precisamos de passar desse modelo linear de extrair e descartar para um modelo mais circular, de reintegração, de respeito e de regeneração”, observa. A chave, em seu entender, está em mudar a perspetiva, pensar que somos Natureza. “Precisamos de passar do capitalismo para o capital natural, ter a Natureza sempre na nossa equação.”

As fórmulas parecem simples. Poupar recursos, poupar dinheiro. Reduzir consumo, reduzir lixo. Quando ouve a palavra sustentabilidade, Joana Guerra Tadeu tenta perceber o que ela significa para quem a pronuncia, porque ela quer dizer muita coisa. “Curiosamente uso mais a palavra sustentabilidade quando não estou a falar de Ambiente, mas quando estou a falar de economia e pessoas, quando estou a falar de impacto social.” “Quando acho que uma coisa é sustentável é porque dentro do equilíbrio ténue entre o impacto social, o rendimento económico e o impacto ambiental, se consegue chegar ao melhor equilíbrio possível dentro do conhecimento que temos”, concretiza.

No conceito de sustentabilidade de Marta Cerqueira também cabe muita coisa. “A sustentabilidade, para mim, é tudo aquilo que se faz a pensar num mundo melhor. E isso vai desde a parte ambiental, nas pequenas escolhas do dia a dia, à parte social.” A Peggada tem um diretório de todos os negócios e projetos sustentáveis do país, não só na parte ambiental, mas também com práticas de sustentabilidade social que, por exemplo, empregam pessoas com algum grau de deficiência ou que já estiveram presas.

Os clichés do patriarcado

Por que razão os rostos e as vozes das causas contra o desperdício, de qualquer tipo, são maioritariamente femininos? “A resposta é simples: o patriarcado tornou a mulher responsável por aquilo que se passa na casa, no lar, na gestão da vida privada”, responde Joana Guerra Tadeu. Com exceções, sim, mas prevalecendo a regra. “A nível global, continua a ser a mulher a tomar as decisões no espaço privado, isto faz com que seja a mulher a fazer a gestão do desperdício alimentar, o que se come e o que não se come, o que vai para o lixo, o que se reaproveita. Todos os clichés patriarcais fazem com que a mulher seja responsável por isto.” Depois há uma corrente eco feminista. “As correntes existencialistas que dizem que a mulher está mais preparada biologicamente para tomar conta da terra, do Planeta, ligam a mulher sexo biológico à mãe Natureza.” Joana Guerra Tadeu não concorda com esta visão. “Acho que ela vem reforçar os padrões e a opressão do patriarcado.”

O que está comprovado neste momento? Joana Guerra Tadeu abordou o assunto no Instagram: 80% das pessoas deslocadas dos seus territórios devido aos efeitos das alterações climáticas são mulheres. Mulheres e meninas representam mais de 40% da força de trabalho agrícola e são responsáveis por 60-80% da produção de alimentos a nível global. “As mulheres, globalmente, são as mais afetadas pelas alterações climáticas e, ao mesmo tempo, são as que têm mais capacidades para lutar contra elas.” “Se são elas a maior força agrícola, se são elas que vão buscar água a quilómetros todos os dias, se são elas que vão buscar a lenha para cozinhar, são elas que sabem o que é que custa quando não há lenha, quando não há água, têm muito mais essas preocupações.”

Eunice Maia, professora, tem duas mercearias biológicas a granel, em Lisboa. Quando abriu, era uma novidade no país
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Eunice Maia fala disso também. “Do ponto de vista da crise climática, por exemplo, quando falamos de vítimas diretas, falamos essencialmente de mulheres, e em países mais vulneráveis, são estas mulheres que tratam de alimentar, de ir buscar a água. São, no fundo, o suporte, a estrutura e o cuidado, em termos de educação, também são muito vocais e procuram lutar e contrariar um sistema secularmente patriarcal.” Há resiliência e resistência, uma tentativa de transformar o Mundo. As práticas, no entanto, repetem-se. “Extrair, extrair, e consumir, consumir, até esvair os recursos, e precisamos de alterar esse paradigma e trabalhar para a abundância de todas as pessoas”, diz Eunice Maia.

Ana Milhazes gostava de ter a resposta certa para a questão, pelo que vê, tem a ver com a gestão do lar, a questão das compras, a sensibilidade. “Estamos mais atentas, tomamos decisões, mudamos e tentamos fazer algo diferente. Já se vai vendo alguns homens, mas ainda é pouco expressivo. Eles, às vezes, podem pensar nestas questões, mas, se calhar, não têm esta necessidade que nós temos de nos juntarmos e falarmos sobre as coisas”, comenta.

Marta Cerqueira já pensou várias vezes no assunto. “Por muito que a gente diga que não e lute pelo contrário, as decisões de consumo ainda recaem maioritariamente sobre as mulheres. Por outro lado, têm uma sensibilidade diferente para a mudança positiva. É uma questão cultural”, afirma. Há uma mudança nos últimos anos? Nada de significativo, parece-lhe. Marta acredita que, devagarinho, o cenário mude.

Susana Fonseca lembra o microcrédito, havia uma grande tendência para que o apoio fosse dado a mulheres e não a homens, porque, está provado, a probabilidade de o dinheiro ser usado em prol da comunidade era muito maior do que se esse crédito fosse para as mãos de um homem. “Tem a ver com questões culturais, tem a ver com o facto de as mulheres serem cuidadoras mais frequentemente do que os homens e, portanto, o cuidar acaba, muitas vezes, por levar a uma maior consideração com a Natureza à volta.” A narrativa devia mudar? “Era bom que houvesse uma maior equidade de género em termos de preocupação com o Ambiente. Eles andam aí e são cada vez mais, é um discurso que se vai naturalmente alterando.” Na Zero, são três homens e duas mulheres na direção, já foi o contrário, nos colaboradores, um terço são homens, a maioria são mulheres.

Joana Guerra Tadeu adiciona mais dados ao assunto. Na pandemia, reforçou-se a ideia de que as mulheres são mais eficazes. “Os países liderados por mulheres tiveram melhores resultados na crise da covid, os hospitais liderados por mulheres tiveram melhores resultados em termos de covid.” Há ainda outra camada. A comunidade LGBTQIA+ é mais consciente ambientalmente e ligada à luta contra as alterações climáticas, considera. “São pessoas que estão habituadas a lutar contra o sistema e a ser vistas como diferentes do sistema, logo a sua propensão para fazer diferente é muito maior do que um homem hétero que beneficia de um sistema que está implementado.” “Portanto, uma pessoa que é pobre, uma pessoa que é de uma minoria, ou uma pessoa que é discriminada pelo seu género está mais disponível para fazer as coisas bem do ponto de vista ecológico e da justiça climática do que uma pessoa que beneficia diretamente do sistema que está implementado.”

Para Susana Fonseca, o que é necessário fazer exige ruturas. “Fazer um bocadinho mais do que aquilo que estamos a fazer não vai ser suficiente para alterar os indicadores negativos. As alterações climáticas já são o reflexo de tudo o resto, resultam da ação humana e a ação humana, de utilização de combustíveis fósseis e de emissão de gases com efeito estufa, decorre do nosso modelo de produção e consumo.” É necessário encontrar outro modelo. “Grande parte das pessoas gosta do modelo em que vive e queria ter mais, usar mais, viajar mais, e isso é totalmente insustentável”. Essa é uma mensagem, admite, extremamente difícil de passar, os lóbis são fortes. “Temos reciclagem há mais de 20 anos, os dados são miseráveis, continuamos a necessitar de uma enorme quantidade de material sempre a entrar em circulação, na economia, porque estamos constantemente a criar novas necessidades e a precisar de mais recursos.” E tudo esbarra nas soluções. “As soluções são um bocadinho mais do mesmo, que é fazer um bocadinho mais, tentar ter um bocadinho melhor reciclagem, tentar ser um bocadinho mais eficiente. Mas ninguém questiona os usos, ninguém questiona se, de facto, faz sentido continuarmos sempre a crescer e a ter cada vez mais. Se faz sentido, por exemplo, continuarmos com um modelo de produção de têxteis em que as pessoas compram cada vez mais peças de roupa e elas duram cada vez menos tempo.”

Ana, Marta, Joana, Eunice, Susana acreditam nas novas gerações. Ana Milhazes tem participado em manifestações pela ação climática, leva cinzeiros de bolso para distribuir, avisa que a coerência é importante, lembra que a esperança tem muitas formas, participar numa ação de limpeza, dar sugestões às marcas. Nas escolas, exigir mais disciplinas que falem destes temas, ver o tipo de comida que está nas máquinas, se está tudo embalado em plástico, se há espaços verdes, se é possível ter uma horta, não facilitar no desperdício alimentar. “O facto de os jovens estarem mais despertos para isto é muito importante.”

Marta Cerqueira, jornalista, criou uma plataforma dedicada à sustentabilidade com notícias, negócios, agenda
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Para Ana Milhazes, a sociedade precisa de um abanão e de parar para pensar. “Este tempo de paragem é importante, mas muito difícil. Quando queremos parar parece que estamos em contracorrente, tudo nos diz que temos de andar mais rápido, tudo nos diz que temos de usar o descartável. Não podemos fazer tudo, mas podemos tentar sempre fazer o melhor possível.”

Para Susana Fonseca, o ativismo dos jovens é fundamental e é necessário que seja consequente. “A voz dos jovens obriga a uma maior consciência de que, de facto, as decisões têm implicações.” Marta Cerqueira sente que está a apanhar o comboio a meio, os mais novos crescem num outro cenário. “Vejo adolescentes com um poder reivindicativo muito forte, muito ligado com esta área da sustentabilidade e fico supercontente. Tenho imensa fé nesta geração de adolescentes e ainda mais na geração do meu filho que tem dois anos e vai crescer.”

Eunice Maia lembra-se de estar numa aula a falar da primeira greve que Greta fez em frente ao parlamento sueco, lembra também que há jovens portugueses que estão a processar o Estado na sequência dos incêndios de 2017, a levar o assunto ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Por isso, em seu entender, é fundamental o legado que vai ser deixado às novas gerações. A obrigação de todos de deixar o Planeta um pouco melhor.