Medalha de ouro e com condições para se afirmar como a melhor do Mundo no lançamento do peso, tem dois trunfos: muito trabalho e a oração. Dedicada ao treino e ao filho, pequeníssimos prazeres também a reconfortam: serradura, a sobremesa favorita, e asas de frango picantes.
Não foi fácil para a campeã do Mundo do lançamento do peso, recém-sagrada nos campeonatos de pista coberta e tão elogiada pela nação, alugar uma casa em Portugal. Por ser negra.
Chegou ao país em 2017 e há quem não esqueça. “Sofreu muito com o racismo. Assisti e fui uma testemunha indignada com o que se passou em várias situações”, conta Ana Lopes. A atleta e a ama de Rafael, filho da campeã com três anos e meio, tornar-se-iam grandes amigas. “Conhecemo-nos por causa do menino. A certa altura, percebi que ela estava sozinha no Natal. Convidei-a então para passar as festas comigo e com a minha família. A amizade começa aí.” Vivem em Leiria, cidade que acolhe o Centro Nacional de Lançamentos, escolhida por Auriol Dongmo sobretudo por estar perto de Fátima, santuário de esperança onde recupera forças.
Visitou a Senhora no dia da chegada a Portugal. Um acaso. Paulo Reis, treinador da atleta, revela. “Fui buscá-la ao aeroporto. Na autoestrada, a caminho de Leiria, distraído, saí em Fátima. E logo pensei que seria uma boa ideia levá-la lá.” A portuguesa nascida nos Camarões descrê de coincidências. Para Auriol, “foi um sinal”.
Paulo Reis é o técnico nacional da Federação Portuguesa de Atletismo responsável pelos lançamentos. Em 2017, através do Facebook, recebeu uma mensagem. Ao fim de um ano a praticar em Marrocos, a atleta manifestava-lhe o desejo de treinar em Leiria “provavelmente por conhecer o meu trabalho, mas, sobretudo, por estar perto de Fátima”. O Sporting acabaria por mostrar interesse, concretizando o desejo da lançadora. “Da primeira vez que a vi, no aeroporto, guardo a memória de uma mulher reservada, fisicamente muito impactante”, confessa Paulo Reis.
105 kg para 1,83 m. “Ao músculo e força que mostra em competição, corresponde uma pessoa muito sensível e doce, muito tranquila, frágil, até”, descreve Ana Lopes. “E muito feminina, muito bonita e elegante, sempre de brincos, acessório que adora”, acrescenta.
Está orgulhosa do feito da amiga “envergonhada e humilde, apesar de tantas vitórias”. Tal como Ana, Paulo Reis não ficou surpreendido com o lançamento a 20,43 metros, recorde pessoal de pista coberta e melhor marca do Mundo, conseguido em Belgrado. “Nos últimos anos, a evolução da Auriol foi muito marcante. Quem segue a carreira dela, acreditava que era possível.” A lançadora, que chegou à sérvia campeã da Europa de pista coberta, título de 2021, fora quarta nos Jogos Olímpicos de Tóquio (2020).
“A capacidade mental, o querer sempre fazer melhor e a fé em Deus são as grandes marcas da Auriol e um legando que vai deixando”, diz Reis. Marco Alves, chefe de comitiva aos Jogos de Tóquio, concorda. E adiciona: “A teimosia é uma das suas imagens de marca e dificilmente se deixa convencer pelos argumentos dos outros. Mas os seus resultados desportivos demonstram que tem teimado bem”. Para o dirigente do COP, “daquilo que nos dá a conhecer, a Auriol chega a Leiria movida pelas suas convicções e encontra, no Centro Nacional de Lançamentos, a conjugação perfeita para continuar a carreira. Acompanhada pelo filho, encontrou naquela cidade a sua nova família”. Marco Alves releva, sobretudo, “o exemplo de superação, dentro e fora das pistas”.
Com condições para se afirmar como a melhor do Mundo durante um ciclo, Auriol também cai. O que a levanta? “Muito trabalho”, responde Paulo Reis. “A oração”, diz Ana Lopes. Dedicada exclusivamente ao treino e ao filho, pequeníssimos prazeres também a reconfortam: serradura, a sobremesa favorita, e asas de frango picantes. “Lamentavelmente, a cadeia KFC ainda não chegou a Leiria”, ironiza o treinador.
Auriol Sally Dongmo Mekemnang
Cargo: atleta – campeã mundial do lançamento do peso em pista coberta
Nascimento: 03/08/1990 (31 anos)
Nacionalidade: Camaronesa e portuguesa
