O ódio aos árbitros

João Capela viu a mãe receber telefonemas com ameaças de morte. José Rodrigues acabou no hospital. Duarte Gomes teve proteção policial à porta da creche da filha. Afonso Rocha sofreu ataques de pânico depois de ser agredido. É profissão sem adeptos, num jogo de impunidades. Não há margem para erros. Já se é ladrão e corrupto antes do apito inicial. Os árbitros de futebol vivem debaixo da sombra de insultos e violência. E o país empurra para debaixo do tapete à espera que passe. O caminho para a mudança começa a espreitar, mas adivinha-se longo.

Um dérbi já lá vão anos e, num ápice, a vida virada do avesso. Os dias pareciam não ter fim. Recebia emails com referências ao local de trabalho da mulher, à escola da filha que cresceu a receber memes do pai no telemóvel. Até a sua mãe recebia telefonemas com ameaças de morte. Uma família a reboque da violência. A sina de quem escolhe profissão sem adeptos. Maio de 2021. É quase noite. João Capela cozinhou a mais ao almoço para lhe sobrar para o jantar. É vegan, ou quase. Está na Grécia a morar sozinho, é lá VAR Manager do futebol profissional. Deixou as quatro linhas há duas épocas, depois de mais de uma vintena de anos. Mas a arbitragem corre-lhe no sangue. Para o miúdo do bairro social que sonhava ser o melhor guarda-redes do Mundo, e que chegou a estar do outro lado a insultar o juiz do jogo, esbarrar na arbitragem foi acaso de anúncio de jornal numa fase em que perdera objetivos. Os amigos riram-se. Nunca imaginaram que Capela viria a tornar-se internacional. A violência entrou-lhe cedo na carreira. Em jogos de iniciados, a fugir a pais que lhe queriam bater. Nos da distrital, a ouvir insultos das bancadas. E no futebol profissional tudo se agiganta.

Ganhou calo. “Carreguei um grande estigma. Na dúvida, falhava sempre. Em termos emocionais, é difícil lidar com isso. E com os ataques verbais. O problema não é do clube A, B ou C. Todos os adeptos dos grandes adotam as mesmas estratégias de intimidação. Ao longo da minha carreira, tive muitas vezes proteção policial.” À filha dizia que os insultos eram para a figura do árbitro, não eram para o João Capela – foi a estratégia a que se agarrou para sobreviver a uma máquina que não mata, mas mói. Responsabilidades? “De todos. Pais, adeptos, clubes, treinadores, comentadores. Só que não se fala, ignora-se. Há muito trabalho a fazer pelos agentes do desporto.”

Talvez por isso se tenha tornado embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED). Vai a escolas, envolve-se em ações com jogadores, técnicos. E também por isso é tão fã do cartão branco – criado pelo PNED – que só falta chegar ao futebol profissional. Juntou-se ao vermelho e ao amarelo no bolso da camisola. Ergueu-o mais do que uma vez para valorizar atitudes éticas de jogadores, treinadores, claques.

O ex-árbitro internacional João Capela perdeu a conta às vezes em que teve proteção policial. Hoje promove a ética no desporto e vai às escolas
(Foto: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens)

Os pelos brancos a saltar da barba denunciam-lhe a experiência. Sabe que hoje é a pessoa que é graças à arbitragem. “Arbitrar um jogo é muito mais do que tomar a decisão do penálti, do vermelho, do amarelo. É lidar com as emoções de 22 jogadores, treinadores, dirigentes, público, sob pressão e, no meio de tudo, decidir se mostras cartão, se dás a lei da vantagem, se falas com o jogador agora ou esperas porque está nervoso. É apitar e pensar que em casa já haverá algum vidro partido.” A arbitragem deu-lhe competências que vão muito além do jogo, “que só se aprendem quando se vive isto”.

Uma associação a remar contra a maré

No mundo da bola a girar dentro de campo, perder tem sempre um bode expiatório fácil. Para o elo mais fraco, não há margem para erros. A violência vai para lá do insulto, estende-se ao bullying em redes sociais, a telefonemas intimidatórios, ameaças de morte, vandalização, agressões. Legitimados por todos. Só este ano, mesmo sem adeptos nos estádios, os casos multiplicam-se. O talho de Manuel Mota (e foi quarto árbitro!) foi vandalizado após a final da Taça da Liga, que o Sporting venceu frente ao Braga. Luís Godinho precisou de proteção policial depois de ameaças de morte a seguir ao polémico Braga-F. C. Porto. Hugo Miguel teve escolta da PSP depois de dirigir o encontro entre o Moreirense e o F. C. Porto. Artur Soares Dias teve vigilância apertada antes de arbitrar o clássico Benfica-F. C. Porto.

“Isto acontece há muitos anos. Só que agora as situações são mais divulgadas.” Luciano Gonçalves, presidente da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF), reconhece que “a paixão é vivida pela clubite e não pelo jogo”. Mas a cor do coração não pode ser escudo protetor para tudo. “Os árbitros veem-se obrigados a condicionar a sua vida, a abdicar de jantar fora, de ir a um centro comercial.” O fenómeno começa logo nas camadas jovens, com “pais a agredir jovens árbitros em frente aos filhos, num cristianismo e messianismo que os faz esquecerem-se que os filhos estão lá para se divertirem”. É a violência a perpetuar-se.

Também há legitimação das autoridades? “O policiamento dos jogos é feito através de gratificados. Muitas vezes, os elementos das forças policiais preferem virar a cara porque deter alguém significa prescindir de um dia de férias para ir a tribunal ser testemunha daquela situação.” É um círculo vicioso, uma frente de batalha em que a APAF está empenhada. O problema vai muito além dos adeptos. “O mau exemplo vem do topo do futebol, em que tudo é permitido. Assistimos a horas de programas televisivos onde temos comentadores a incendiar a opinião pública. Dirigentes de clubes sem noção da responsabilidade social que têm.”

A Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol, a que Luciano Gonçalves preside, lançou a campanha “O respeito vence sempre” num grito à sociedade
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

A associação dá apoio jurídico e tenta levar o máximo de casos a tribunal. Venceu todos, 75 desde 2016. Mas há agressões de há cinco anos por decidir. “Era importante os tribunais serem mais céleres, para não haver este sentimento de impunidade”, defende Luciano Gonçalves. Os árbitros querem mudanças, travão na violência. A correr está já a campanha de sensibilização “O respeito vence sempre”, da APAF. A frase que os árbitros vão repetir até à exaustão. O logótipo, um aperto de mão que simboliza o respeito, vestido nas camisolas dos juízes de futebol, futsal e futebol de praia. Artur Soares Dias, que está nomeado para o Euro 2020, dá a cara pela iniciativa – a par de Eduardo Coelho e Cátia Tavares – que quer humanizar a figura do árbitro. “É uma gota no oceano. Mas se tivéssemos muitas gotas, podíamos fazer duas coisas importantes: sensibilizar e mostrar que a arbitragem quer deixar de estar fechada sobre si mesma”, sustenta o líder da APAF.

Foi parar ao hospital, jogador condenado

Abril de 2017, o mediatismo não deixa apagar da memória. Corriam dois minutos do jogo Rio Tinto-Canelas 2010, a contar para a fase de subida do Campeonato Distrital do Porto. José Rodrigues expulsou o jogador do Canelas, Marco Gonçalves, que o agarrou e agrediu violentamente com uma joelhada na cara. A partida interrompida, uma corrida para os balneários a sangrar num corredor onde ainda soaram ameaças de morte. “Diretores de clube e polícias, ninguém o ouviu a ameaçar-me. Não se querem comprometer porque têm família. Só que não precisava de provar nada, toda a gente viu.” Foi submetido a cirurgia no hospital. Mas não quebrou, o ex-árbitro tem pelo na venta. As sobrancelhas escuras fazem sombra aos olhos destemidos. De quem não quer, nem pode, mostrar medo, mesmo quando sobram razões para o ter. “Na altura, nem saía de casa. Era um massacre de jornalistas à porta. Tinha receio de levar os meus dois filhos à escola. Se via um carro a abrandar, ficava logo com medo. Não ia a restaurantes.”

José Rodrigues teve de ser submetido a uma cirurgia após uma agressão. O jogador foi condenado a indemnizá-lo em 16 mil euros, mas ainda não pagou um tostão
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

Passou 60 dias sem trabalhar. Foi ao Ministério Público. Em tribunal, o jogador foi condenado a 11 meses de prisão, com pena suspensa, e a uma indemnização de 16 mil euros. “Ainda não me pagou um tostão.” Mesmo assim, serviu de exemplo raro. Há poucas condenações como esta, “porque há medo” e “o sistema não ajuda, os castigos e as multas são leves”. “No futebol, toda a gente faz o que quer e nada acontece. Já está tão enraizado. A culpa de perder nunca é do jogador que falhou o golo, ou da estratégia do treinador, é do árbitro que roubou. Mas roubou o quê?”, questiona.

Foram 23 anos dedicados à arbitragem, de mãos dadas com o trabalho. É oficial de justiça, no Tribunal de Família e Menores do Porto. Passou pelos distritais, pela terceira divisão, segunda liga. Na Liga, só como quarto árbitro. E ainda tem jogo de cintura para se divertir com insultos. “Disseram-me uma vez que ‘uma mãe perder um filho é mau, mas ter um filho como eu ainda é pior’”, comenta a rir. Acredita na nova vaga de treinadores que incutem o respeito pelo árbitro nos miúdos. Só que o exemplo tem de vir de cima.

Mais de dois mil processos desde 2020

Em 2019, foram aprovadas alterações à lei do combate à violência, racismo e xenofobia no desporto, que acomodou a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto, com funções fiscalizadoras. Só nesse ano, as medidas de interdição de acesso a recintos desportivos aumentaram em quase 90%. A legislação trouxe o agravamento das coimas, medidas de identificação de adeptos, encurtamento dos prazos processuais ou a criação do cartão do adepto.

No ano passado, esta autoridade registou 1 723 processos de contraordenação, “60% com decisões condenatórias”, segundo o gabinete do secretário de Estado do Desporto, João Paulo Rebelo. Já este ano, contam-se 371 processos. O Governo começou a avaliar o fenómeno em 2017. Reuniu com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Liga Portugal, associações. Estão a trabalhar em conjunto. Já há passos. “Os organizadores de espetáculos desportivos promoveram alterações aos seus regulamentos”, explica o gabinete, que acrescenta a criação de um grupo de trabalho, em 2018, dedicado à violência no desporto. O objetivo é prevenir e garantir que “quem prevarica é julgado de forma mais célere e justa”.

Quando há ameaças, o Conselho de Arbitragem da FPF assegura apoio aos árbitros e famílias. “Mas estamos a falar de meia dúzia de casos numa época, quando temos milhares de jogos”, diz o seu presidente, Fontelas Gomes, reconhecendo que o meio “muito competitivo” e “a ânsia de conseguir resultados” leva a que “injustamente se atribuam culpas aos árbitros”. Ainda assim, vinca, a mudança não depende “do Conselho de Arbitragem, mas de toda a sociedade”. Concorda que se tem feito caminho. “Prova disso é que temos cada vez mais jovens a quererem ser árbitros de futebol e futsal. Ser árbitro vai muito além dos episódios negativos, é fazer parte de um grande espetáculo como é o futebol.”

Ataques de pânico depois de ser agredido por um pai

Afonso Rocha não esquece os insultos que lhe invadiram a vida. “É sempre, em todos os jogos.” Tem 19 anos, cara de miúdo, fez o curso de árbitro aos 15, quando percebeu que não ia longe como jogador. Chegou ao Núcleo de Árbitros de Setúbal, a partir daí foi sempre a apitar. A acumular com a escola e, agora, com a universidade, em fins de semana loucos. No segundo jogo que arbitrou, ouviu das bancadas o que não dá para esquecer. “Filho da puta, cabrão. Já é normal.”

Um jogo de futebol juvenil, no escalão sub-13, em Setúbal, Ídolos da Praça-Alfarim, a contar para a fase final do campeonato distrital. Em 2019. No fim, o pai de um jogador da equipa da casa surpreendeu-o pelas costas com um soco na cara. Na confusão, ainda se juntaram mais adeptos a querer bater-lhe. Afonso tinha 17 anos. “Era um jogo importante. No último minuto, há um penálti e marquei a favor do Alfarim. Os miúdos são tranquilos, o problema são os pais, que incentivam e gritam aos filhos. ‘Bate-lhe’”, relata.

Escapuliu-se para o balneário. Foi ao hospital e à PSP. “Apresentei queixa. A APAF disponibilizou-me logo um advogado. Estamos a tentar o acordo. Ele não tem condições financeiras para uma indemnização, mas não abdico do trabalho comunitário.” As marcas ficaram cravadas. Nos jogos seguintes, de cada vez que ouvia insultos, começava a tremer e a suar. Eram ataques de pânico. Antes nunca tinha tido medo. Quis desistir, encontrou forças em árbitros experientes, numa onda de solidariedade. Redescobriu o amor ao jogo.

Um árbitro nunca ganha a partida, mas Afonso já conseguiu uma vitória. O avô nunca mais “chamou nomes aos árbitros”. A paixão, o jovem entende. A falta de educação, não. Ou melhor, entende. “É a reprodução do que os mais velhos fazem. Mas podemos trabalhar para que os miúdos não sejam como os pais.” Na memória, tem um episódio em que João Capela mostrou o cartão branco a um jogador. “Porque ajudou outro da equipa adversária. E o fixe do grupo passou a ser o que recebeu o cartão branco e não o que insultou.”

O árbitro Afonso Rocha tinha 17 anos quando foi atacado pelo pai de um jogador de 12. Desde então, teve ataques de pânico durante jogos e pensou desistir
(Foto: Carlos Pimentel/Global Imagens)

Segundo Jorge Silvério, psicólogo que dá formação e apoio a árbitros, os ataques de pânico “acontecem com frequência”. “Alguns acabam por desistir numa fase precoce da carreira. Põem os pratos na balança. Não vale a pena o sacrifício em função da recompensa se ainda posso ser agredido.” Já leva 30 anos de Psicologia do Desporto, é difícil alguma coisa surpreendê-lo. Cita o escritor uruguaio Eduardo Galeano: “O trabalho do árbitro consiste em fazer-se odiar”. É essa a única unanimidade no futebol: todos o odeiam.

Por isso, não podem treinar só a parte física, técnica e tática, mas também a mental, desde a autoconfiança à gestão emocional. “Em cada jogo de 90 minutos, têm de tomar em média 200 decisões. É evidente que nem todas vão ser acertadas. Os seres humanos têm imperfeições.” Os juízes do futebol recorrem ao psicólogo sobretudo na fase final dos campeonatos, quando a tentativa de pressão e coação aumenta. E também para problemas familiares, “que têm muito a ver com a forma como os filhos são tratados na escola porque o pai é árbitro”.

teve a polícia na creche da filha, agora é comentador

Duarte Gomes sabe bem o que é quando os filhos entram na equação. Teve polícia à porta da creche da filha, ainda bebé. “As ameaças eram tão credíveis, tão fortes. Qualquer profissional passa a ser gente, homem, quando tocam na família.” É ir muito além do limite que é a paixão do jogo. O ex-árbitro internacional já viu as portas do prédio vandalizadas, o carro sem pneus sobre troncos de árvore, riscado com o slogan das claques, contentores do lixo incendiados à sua porta, a campainha a tocar sem parar às quatro da manhã, chamadas à mãe, a familiares, ameaças. “É criminoso. Faz pensar que há muitos culpados além do adepto arruaceiro.”

Aponta o dedo às máquinas de comunicação dos clubes que estimulam o ódio e que têm poder de formar opinião, aos programas de televisão, à imprensa. “É uma bomba-relógio, há um clima de desrespeito tão grande. Conseguimos cheirar o acidente, mas precisamos que morram pessoas para reagirmos.”

O madeirense que aterrou em Lisboa aos 16 anos foi árbitro por mero acaso. Um papel no chão a anunciar um curso gratuito, quis saber mais das regras do jogo, estar legitimado para falar mal do árbitro. É fervoroso adepto de futebol, sempre foi, cresceu com a bola nos pés. Seis épocas bastaram para subir ao escalão maior do futebol português. Tinha 24 anos. Largou os relvados em 2016, mas ainda hoje lhe falam do Benfica-Sporting, de 15 de dezembro de 2001. “Errei forte e feio. Foi o meu primeiro dérbi. Muita inexperiência. A arbitragem roçou o desastre. Tive amigos que deixaram de me falar, ameaças.” Deu de frente com o mediatismo, porque o insulto, esse, já fazia parte, desde o primeiro jogo, aos 18 anos. As redes sociais ainda não eram realidade, “hoje seria muito pior”.

Duarte Gomes, ex-árbitro internacional e comentador de arbitragem, viu vezes sem conta as portas do prédio vandalizadas, o carro sem pneus, a campainha a tocar às quatro da manhã. “É criminoso”, diz
(Foto: Carlos Vidigal/Global Imagens)

Ainda antes de começar a trabalhar, já era ladrão. “Deve ser a única profissão do Mundo em que nunca se está em estado de graça. As pessoas não gostam de futebol, gostam do seu clube.” É a cultura de ódio, da hipocrisia. E a convicção de que o crime compensa. A carreira moldou-lhe o caráter. Geria onde ia antes e depois de grandes jogos. “Foi uma vida feita de equilíbrios que uma pessoa normal não deve ter que fazer.”

Já não vive no corrupio de cartões e apitos enfiados na mala. É comentador. Um dilema que carrega. O comentário televisivo tem quota-parte de culpa. “Com o escrutínio que o futebol tem em termos televisivos, é inevitável. Eu quero esclarecer, mas as pessoas só querem o veredicto. A grande frustração é perceber que o meu trabalho também contribui para um ambiente mais poluído.” Sabe que os árbitros não estão acima da crítica, “e devem ser criticados, mas sem atacar a dignidade do homem”. É o que faz. Por já ter sentido na pele o que acontece quando não se é momentaneamente competente. As portas da vida pessoal abertas “para a justiça à macho latino, sem pudor e sem escrúpulos”.

José Leirós também é ex-árbitro e comentador há 15 anos. Soma-lhe outro fator. Anunciou candidatura à presidência do Conselho de Arbitragem em 2020. Não avançou. Acha que a arbitragem portuguesa não está bem. “Para evitar as críticas aos erros sistemáticos dos árbitros, queríamos uma equipa transversal. Ex-árbitros, pessoas de Jornalismo, Direito, Educação, ex-treinadores, ex-jogadores.” Defende mais responsabilização da ferramenta do videoárbitro (VAR). O VAR estreou-se há quatro anos em Portugal e João Capela, que hoje o coordena na Grécia, também acha que veio contribuir para o clima de ódio. Porque falta tempo. “Ainda é muito fresco. O VAR é usado por humanos, a tecnologia não significa que não possa haver más interpretações.”

Leirós acha que os erros aumentaram. Mas a raiz da violência não está aí. “O problema é que somos um país de bananas. Falta educação cívica e ética nas escolas e nas universidades, promover o fair play no desporto escolar.” Critica o Governo, todos. O futebol é só o reflexo da sociedade. Também “falta mão pesada e coerência nas sanções, além de ex-árbitros nos clubes para trabalhar desde a formação”. “Em Inglaterra, os árbitros vão para os jogos de metro e aqui têm que ser escoltados pela PSP. Ninguém leva isto a sério.”

Qual é o caminho para a mudança?

A nova campanha da APAF quer ser o pontapé de saída para pôr a mudança na ordem do dia. Mas qual é o caminho? João Capela pede mais sanções para dissuadir comportamentos. “Qualquer agente desportivo que seja penalizado por um comportamento, além da punição financeira e desportiva de não estar presente na competição, devia ser inibido de desempenhar a sua função.” Seria o mundo profissional a dar o exemplo. “Só existe futebol, se houver árbitros. Se continuarmos neste caminho, quem é que vai querer ser árbitro?”

Duarte Gomes quer um murro na mesa, que todos os árbitros digam chega. Parar de esperar que a tempestade passe. Ela há de voltar, uma e outra vez. “Esta geração de árbitros não está a fazer rigorosamente nada para mudar o estado das coisas. Trata-se de proteção policial, de ver a vida alterada. E continuar num silêncio ensurdecedor é ser cúmplice.” No seu tempo, os árbitros reuniam em jantaradas, todos os meses. “Tomávamos posições, fazíamos ultimatos. Íamos à Federação, à Liga, ao Governo. Esta inércia deixa-me chocado.”

A violência é a pedra no sapato do futebol. E todos têm de entrar em campo. Comunicação social, Governo, escolas, clubes, atletas, dirigentes, treinadores. Alguns são ídolos de milhares de jovens. Há caminho feito. Mas a educação para a mudança avizinha-se longa, muito longa.