Texto Marcelo Teixeira | Fotografia de Jorge Amaral
Chegou a ser supervisor financeiro da Queima das Fitas, coordenou a organização de duas edições do maior torneio nacional de hóquei em patins, mas foi no Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas da Universidade de Coimbra, onde se licenciou e mestrou, que deixou marcas.
Interessado em medir a matéria de que são feitas as galáxias, João Pedro Rodrigues candidatou-se, no final de 2016, a quatro vagas: duas em universidades americanas, uma no CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), onde são feitas descobertas de grande impacto científico, como a partícula que poderá explicar o aparecimento do universo, e para uma universidade na Suíça. Todas quiseram contratá-lo.
No fim das contas, o cientista optou pelo Centro de Aceleração Linear de Stanford (SLAC), na Califórnia, onde integra a equipa de Instrumentação Avançada para Investigação. É um dos dezassete laboratórios federais liderados e financiados pelo Departamento de Energia do governo dos Estados Unidos e tem «um papel central na investigação científica e tecnológica mundial». O papel de João é, nas suas palavras, «preencher o espaço entre a ciência e a tecnologia». Desenvolve máquinas que medem o que até há pouco parecia impossível, seja a matéria negra do universo ou a velocidade dos átomos.
Estudar a matéria negra é visto, no universo da engenharia astrofísica, como um dos maiores desafios da atualidade. E é isso que faz João Pedro Rodrigues.
Quando se pensa na Califórnia, a ideia que nos vem imediatamente à cabeça é surf, palmeiras e liberdade para pensar. Mas também não é menos verdade que, na baía de São Francisco, estão sediadas as maiores empresas da tecnologia mundial. O projeto do cientista português está ali alojado, mas envolve a colaboração entre universidades americanas, britânicas e Coimbra. As máquinas de João Pedro Rodrigues servem então para quê?
No início da história esteve a investigação sobre um dos maiores mistérios do cosmos. «Sabemos que no movimento das galáxias existe mais matéria do que aquela que conseguimos observar.» Mas como esta não absorve, nem reflete, nem emite luz, o engenheiro português desenvolveu o «sistema nervoso do maior detetor de matéria escura no mundo». É uma máquina controlada por mais de dez mil canais, com oito por seis metros, enterrada a 1,5 quilómetros da superfície, numa antiga mina de ouro no estado norte-americano do Dakota do Sul.
«Tudo o que conhecemos e vemos no universo é apenas quinze por cento de toda a matéria que nele existe»
Mas aquilo que na verdade importa perceber é a matéria negra, da qual muito pouco se sabe. «É uma massa extra sem a qual as galáxias se desintegrariam.» Na cosmologia, ela costuma ser definida como a energia invisível que permite a gravitação das estrelas, que, se quisermos, as ordena fisicamente no espaço. Estudá-la é visto, no universo da engenharia astrofísica, como um dos maiores desafios da atualidade. «Tudo o que conhecemos e vemos no universo é apenas quinze por cento de toda a matéria que nele existe», explica João Pedro Rodrigues.
Tem novos projetos e agora passa os dias sentado numa cadeira e a controlar uma mão-cheia de computadores que funcionam em simultâneo. João está por estes dias empenhado na operacionalização do LCLS, acrónimo de Linac Coherent Light Source, o acelerador de partículas e laser raio X mais potente do mundo. Um instrumento tão intenso e tão rápido que consegue «ver e fotografar átomos», ou seja, registar reações químicas a acontecer em câmara lenta.
O sistema desenvolvido pelo cientista de Coimbra pode ser essencial noutras áreas de conhecimento, nomeadamente na saúde, para destruir células cancerígenas.
O sistema de monitorização desenvolvido pelo cientista de Coimbra pode ser essencial noutras áreas de conhecimento, nomeadamente na saúde. «Pode acontecer não lançarmos mais sondas para outros planetas porque alguém toma a decisão de que os custos ultrapassam largamente os benefícios, mas a saúde humana nunca terá preço.»
Estas partículas aceleradas que agora trabalha podem eventualmente ser usadas para penetrar no corpo humano e destruir células cancerígenas. Além disso, poderão também ser utilizadas na criação de isótopos «para radiodiagnósticos médicos».
Também está empenhado na criação da nova geração de equipamentos científicos para o SLAC. «O nosso foco está na utilização da inteligência artificial para aumentar a fiabilidade e a segurança dos equipamentos.» Outra das suas funções é adaptar estas tecnologias às reais necessidades da sociedade. «O objetivo é transformar as tecnologias de ponta desenvolvidas nos laboratórios para aplicações mais práticas, como por exemplo equipamentos médicos, veículos autónomos ou sistemas de controlo industrial.»
O fascínio pela ciência nasceu com João Pedro Rodrigues. Com 3 anos passava horas a ver o pai a trabalhar no computador. Na escola primária instalou o seu próprio laboratório no sótão de casa.
O fascínio pela ciência nasceu com ele. Com apenas 3 anos passava horas a ver o pai a trabalhar no computador. Na escola primária instalou o seu próprio laboratório no sótão de casa. E levava para a escola experiências que passaria a explicar o seu funcionamento a todas as turmas.
Com a adolescência vieram as dúvidas. «Tive a angústia típica de não saber o que queria estudar na universidade.» Ainda pensou seguir Economia, até Psicologia, mas foi no último ano do secundário que um professor o espicaçou com sessões extracurriculares de Física. Acabou por entrar para Engenharia Física em Coimbra. Mas manteve sempre um pé fora dos estudos – a jogar hóquei em patins e como membro da associação académica.
Hoje, continua a ter interesses diversificados, ainda que haja sempre um fio condutor na tecnologia. Otimizar custos e afinar equipamentos, aumentar a fiabilidade e a segurança das máquinas ou perceber a matéria das galáxias não requer nada menos do que o esforço do homem e da máquina juntos.
João Pedro Rodrigues faz esse caminho do meio, aproxima a investigação da técnica, e dificilmente seria assim se não fosse dono de uma tremenda curiosidade. «O facto nunca foi eu não gostar de nada. O facto é eu gostar de tudo.»
Será Lisboa o próximo Silicon Valley?
Com a presença, nos últimos dois anos, da Web Summit em Lisboa, já há quem arrisque dizer que a capital portuguesa está no centro da nova era tecnológica. Janer McConnell, CEO da Crunchbase, a maior base de dados de empreendedorismo do mundo, dizia há dias ao Dinheiro Vivo que a Europa está a tornar-se cada vez mais atrativa para as startups.
«É verdade que todos os investidores estão em Silicon Valley e lá será mais fácil angariar financiamento. Mas também é muito mais fácil gastar esse dinheiro. Os engenheiros, os empregados, tudo custa duas ou três vezes mais do que aqui.»
O próprio jornal britânico The Guardian publicava no início da cimeira um artigo intitulado «Sun, surf and low rents – why Lisbon could be the next tech capital» (em tradução livre, «Sol, surf e rendas baixas – porque é que Lisboa se pode tornar a nova capital da tecnologia»).
A acontecer, não deixaria de ser um retomar da tradição. O historiador inglês Roger Crowley diz que Lisboa foi o Silicon Valley do século XV – e que ficou marcada pela contribuição científica à matemática, à navegabilidade e à cartografia.