Texto de Catarina Guerreiro
A primeira clínica portuguesa que faz tratamentos com soro e injeções com misturas de vitaminas, nutrientes, aminoácidos e até medicamentos, e que no mês passado chegou a Lisboa, vai ser investigada pela Ordem dos Médicos. O bastonário Miguel Guimarães adiantou à NM que vai fazer uma auditoria à clínica por considerar que aquilo «que leu no site da instituição» sobre os tratamentos configura uma situação «de publicidade enganosa».
Miguel Guimarães pretende mesmo fazer uma visita à clínica e averiguar se há médicos que ali trabalham e os atos médicos que praticam. «Além disso, vamos fazer queixa à Entidade Reguladora da Saúde e possivelmente pedir também a intervenção da Inspeção-geral das Atividades em Saúde». O bastonário prepara-se para debater hoje o tema com o resto dos médicos que dirigem a Ordem, na reunião do Conselho Nacional, para depois avançar com o pedido de averiguações.
A polémica em torno desta clínica – a Reviv – surgiu depois de Carolina Patrocínio e o marido, Gonçalo Uva, terem aparecido em fotografias – nomeadamente no Instagram – sentados em casa, com um suporte de soro ao lado, a fazer lembrar os que existem junto às macas nos hospitais. Com ar saudável, estava cada um a receber por via injetável uma mistura de vitaminas e aminoácidos. Segundo explicaram, Carolina estava a regular o jet lag – tinha regressado de férias na República Dominicana – e Gonçalo encontrava-se a fazer uma recuperação muscular.
Segundo o site da instituição – que é um franchising -, trata-se da «primeira clínica de hidratação IV (intravenosa) em Lisboa» e oferece vários «tratamentos de bem-estar». Através deles, garantem, conseguem «ajudar na recuperação da ressaca e de doenças, como a gripe e as alergias, «refrescar o aspeto da pele» e promover uma «desintoxicação do organismo».
Composição dos produtos é confidencial
Além destes tratamentos por via endovenosa, há outros que são feitos através de injeções, que contêm misturas de vitaminas e nutrientes, como a vitamina B12, Inositol, Glutationa, Q10. Em alguns casos, misturam-se também medicamentos.
Admitindo que se «destina a pessoas que necessitam de recuperação de doenças comuns, como constipações e alergias», Marta Padilha argumenta que se trata de uma «alternativa superior à automedicação com medicamentos de venda livre».
No entanto, a clínica alega que não pode divulgar o conteúdo exato de cada tratamento por questões de confidencialidade. «A composição dos nossos produtos está protegida por patente, é informação proprietária, e a nossa casa-mãe tem uma política de confidencialidade nessa matéria. Porém, todos os produtos são seguros», diz à NM Marta Padilha, especialista em Medicina Geral e Familiar e Medicina do Trabalho e diretora clínica da Reviv. E acrescenta: «Antes da administração de qualquer infusão, a pessoa é observada pelo médico, que decide se é ou não elegível – e a maioria é». A médica confirma que as «terapias de recuperação contêm alguns medicamentos», mas garante que são os «mesmos que estão disponíveis em regime de venda livre em qualquer farmácia».
Admitindo que se «destina especificamente a pessoas que necessitam de recuperação de doenças comuns, como constipações e alergias», a responsável argumenta que se trata de uma «alternativa superior à automedicação com medicamentos de venda livre».
Médicos indignados
Mas os médicos estão chocados com a ideia, mesmo os que são especializados em medicina ortomolecular, que usa vitaminas, minerais, oligoelementos, aminoácidos, e coenzimas para tratar e prevenir doenças.
«É muito grave estar a usar-se esses tratamentos em pessoas saudáveis, que não estão doentes e não necessitam dessas vitaminas, nutrientes e medicamentos», alerta João Tomé, naturopata, que usa a medicina ortomulecular. Segundo João Tomé, «tudo o que é exterior ao corpo, tudo o que vem de fora e é introduzido provoca uma reação e por isso é preciso ter cuidado porque algo mal feito pode ter riscos». E lembra que o Q10, por exemplo, a partir de certa dosagem deixa de ser suplemento alimentar e passa a ser medicamento. «E o tratamento para emagrecer através da aceleração do metabolismo pode estar a induzir a uma doença metabólica», acrescenta.
«É muito grave estar a usar-se esses tratamentos em pessoas saudáveis, que não estão doentes e não necessitam dessas vitaminas, nutrientes e medicamentos», alerta João Tomé, naturopata, que usa a medicina ortomulecular.
O mesmo pensa Mário Mascarenhas, especialista em Endocrinologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e Professor da Faculdade de Medicina. «Esses tratamentos não servem para nada. As pessoas não estão doentes e por isso não faz sentido tratar pessoas saudáveis», diz, considerando que não há qualquer evidência sobre esses tratamentos. Já Henrique Luz Rodrigues, farmacologista e ex-presidente do Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento, lembra que a situação pode até ser muito perigosa e pede que sejam revelados os trabalhos científicos sobre estes tratamentos à base de mistura de vitaminas, nutrientes e medicamentos.
«Sabemos que, por ser uma prática nova, existe globalmente um debate na comunidade médica sobre a necessidade e eficácia destas terapias. É natural que assim seja», diz Marta Padilha, considerando, porém, que «os céticos exageram nos riscos e ignoram um número crescente de estudos que suportam os benefícios das terapias intravenosas de bem-estar». «A Reviv está licenciada em Portugal pela Entidade Reguladora de Saúde e pelo Infarmed», nota ainda a médica, garantindo que os produtos usados «não visam diagnosticar, tratar, curar ou prevenir qualquer doença».
Desde que a clínica abriu em março passado, em Lisboa, já foram atendidas 200 pessoas. Já no mundo segundo dados da empresa, ao todo 150 mil pessoas submeteram-se a estes tratamentos polémicos.