Filipa Quadrado e Telmo Teixeira trocaram as voltas à vida, deixaram os empregos e dedicaram-se à agricultura biológica. Cavam, semeiam, plantam, colhem e vendem. Os dois. Alimentados pela vontade de melhorar o mundo.
Ele queria ser sociólogo, tratar das grandes questões dos tempos modernos. Ela queria ser engenheira do ambiente e trabalhar de braço dado com a natureza. Mas nem sempre as expetativas alimentadas na faculdade se materializam.
Quando Filipa Quadrado acabou a licenciatura percebeu que o mercado de trabalho estava saturado e que «o curso tinha sido pouco específico». Esperava-a, na melhor das hipóteses, um emprego como consultora. Telmo Teixeira já se dedicava à informática quando decidiu cursar Sociologia. Anos passados e formações concluídas, ele trabalhou com redes informáticas; ela começou por operar num banco, mais tarde fez observação da pesca do atum nos Açores, e ultimamente exercia funções num instituto público relacionado com a gestão da água. No mar, aprendeu que não é pessoa de escritório. Estes foram os últimos empregos do casal antes de decidir mudar de vida. O que ficou para trás? «A segurança de um rendimento estável e as férias no verão, que não voltámos a ter.»
A formação de ambos permitiu estarem atentos às questões ambientais e sociais relacionadas com a produção de alimentos e o acesso aos mesmos. À medida que foram solidificando conhecimentos descobriram a agricultura como uma atividade de importância vital para o desenvolvimento da sociedade e para a proteção do ambiente. Mas, na opinião do jovem casal, na casa dos trinta, «o estado atual da agricultura não contribui nem para uma nem para outra». A recolha de dados sobre um potencial negócio de produção de pequena escala, em modo biológico, exigiu, a dada altura, uma definição: «Avançamos? Sim, mas por etapas.» A Filipa cuidou da horta sozinha durante dois anos, a tempo inteiro, e mais tarde juntou-se o Telmo, também a tempo inteiro, para dar um impulso à produção.
«Sempre fizemos vida de jovens citadinos. Nunca nos passou pela ideia que a agricultura estaria no nosso futuro.» Até 2012, quando alugaram um terreno de sete mil metros quadrados, em São João das Lampas, município de Sintra. Acreditam no conceito de sustentabilidade aplicado também às finanças, pelo que optaram por não pedir empréstimo bancário: investiram dinheiro próprio, sabendo que os 20 mil euros de que dispunham serviria para comprar apenas o essencial. E com o essencial começaram: terreno, estufa, sistema de rega, carrinha, algum equipamento. O orçamento tratou de reduzir a lista de maquinaria. No início contaram com «a ajuda preciosa do trator de um agricultor local para a preparação do terreno»; hoje, têm uma motoenxada, o que significa que trabalhar a terra continua a ser um processo moroso e desgastante.
No entanto, o cansaço físico é a última das preocupações de Filipa e Telmo. «Existe muita falta de informação, o atual sistema em que assenta a agricultura não vê com bons olhos as pequenas produções familiares e as poucas que existem a funcionar bem não partilham abertamente a informação de que dispõem. Mas este é um problema transversal à nossa economia: nada está preparado para trabalhar com empresas pequenas; quer o Estado quer o tecido empresarial estão organizados a pensar nos negócios grandes», lamentam.
O primeiro contacto com a agricultura biológica surgiu-lhes através de literatura especializada, conversas com outros agricultores e ainda pelo curso que frequentaram na Agrobio (Associação Portuguesa de Agricultura Biológica) que serviu, sobretudo, como base de trabalho, orientando a pesquisa sobre o tipo de agricultura a que gostariam de se dedicar. A partir daí, o casal autodidata aplicou o método «tentativa e erro» para aperfeiçoar técnicas de produção.
A aposta no modo biológico não resultou de grandes considerações, análises de tendências de consumo ou estratégias de marketing. Foi mais simples. «É o único que nos faz sentido e, na verdade, toda a produção de alimentos deveria seguir os pressupostos da agricultura biológica, entre eles: a proteção e melhoramento dos solos; o respeito pelo ciclo de vida de plantas e animais; a não utilização de fertilizantes químicos e de síntese, mas sim produtos orgânicos e de decomposição lenta no solo; a não utilização de sementes tratadas e geneticamente modificadas.» O facto de optarem pelo modo biológico influiu também na escolha do terreno. Para além da localização geográfica e a existência de poço que providenciasse água para as culturas, a história recente daquele solo argumentou a seu favor. «O terreno estava mato, em estado selvagem, caso contrário teria de ser sujeito a todo um processo de conversão»; ou seja, a certificação iria demorar cerca de três anos, período estabelecido por lei para que solos de produção convencional sejam convertidos em solos que permitam produção biológica. A horta é certificada pela SATIVA, o que significa que duas vezes por ano a produção é monitorizada por um técnico daquele organismo privado de certificação e controlo. Durante este processo os agricultores têm de provar, através de faturas, que apenas usam sementes, adubos e plantas autorizadas; são ainda verificados os comprovativos de vendas para garantir que o casal hortelão apenas comercializa produtos certificados.
O objetivo de Filipa e Telmo é terem um impacto positivo no ecossistema agrícola, mas também nos domínios social e económico ao optarem pela produção local, que, garantem, reduz custos tanto para os consumidores como para os produtores: «A nossa intenção de vender em mercados locais e abastecer diretamente as famílias levou a não considerarmos sair de perto de Lisboa.» E, ao contrário de quem vive em contextos de maior predominância rural, ter uma horta para consumo «da casa» é privilégio que poucos habitantes da capital terão (variável que influencia, positivamente, a procura).
É este contacto com a terra, a independência, a liberdade de horários e a sensação única de se comer o que se produz que ajuda o casal a ultrapassar os momentos menos floridos, quase sempre consequência de perda de culturas e de invernos chuvosos que impossibilitam o trabalho. Garantem, no entanto, não se arrependerem da mudança mesmo com a chegada de um bebé à família. «O nosso plano continua o mesmo», afirmam com a convicção própria de quem tem um sonho (na verdade, dois!): o de conseguir «demonstrar que o futuro da agricultura está dependente da agricultura familiar» e o de ter «uma quinta com um centro de estudos dedicado à agricultura de pequena escala em modo de produção biológico».
A HORTA VAI AO MERCADO E A CASA
Como não têm sistema de refrigeração nem de armazenamento, os produtos são colhidos mesmo antes de serem escoados. Aos sábados de manhã, Telmo e Filipa dividem-se entre os mercados bio de Cascais (Parque Marechal Carmona) e de Carcavelos (Quinta da Alagoa). Recentemente adotaram o modelo «cabazes entregues em casa» que vai ganhando cada vez maior popularidade em meios citadinos. Não lhes chamam cabazes, mas sim caixotes; custam entre 10 (+/- 3,8 kg) e 20 euros (+/-6,7 kg). Informações através do site casal-hortelao.pt pelo telefone 916 552 507.