A primeira revista ao vivo e a cores não se folheia – é para ser vista e ouvida num palco. Tem editorial, entrevista, crónica, ensaio, música e, claro, uma capa. Uma ideia original do jornalista João Pombeiro, que agora ganha forma no Cinema São Jorge, em Lisboa. Chama-se Cabide, e o primeiro número sai a 29 de Maio e demora quatro dias a ler. E a ver. E a ouvir.
Ainda não sabe o que é a Cabide? Então imagine uma revista em papel com 96 páginas. Já imaginou? Agora tire-lhe o papel. Fica com o quê? Com o conteúdo, claro. Pendurado é que não vai ficar. A Cabide traz uma entrevista, um ensaio, um documentário, um concerto, uma peça de teatro, uma mostra de rádio, debates, ilustrações e montagens de vídeo que procuram responder a uma pergunta temática atual. A do primeiro número é: «Saberemos tomar conta de nós?» E tem capa e editorial também. E colaboradores fixos. E como em qualquer outra revista, esta também traz publicidade, porque sem anunciantes não há publicação que sobreviva. Só lhe falta mesmo as cartas dos leitores, mas essas, só o tempo e a reação do público irão justificar.
Com exceção do formato, esta revista é em tudo semelhante às impressas e digitais que circulam nos mercados das bancas e da internet. Mas, em vez de se pegar, folhear e ler em papel, ou à distância de um clique num computador, iPad ou smartphone, esta é para ser vista e ouvida nas três salas do Cinema São Jorge, em Lisboa, entre quinta-feira e domingo. E isso torna-a completamente inédita.
«Tenho esperança de que o público acolha bem este projeto, porque de facto acho que é merecedor do reconhecimento», diz o jornalista João Pombeiro, que divide a direção com o designer Luís Alegre. «Tem bons textos, tem bons colaboradores e é uma novidade absoluta. Espero que as pessoas se sintam curiosas e que venham ao São Jorge. Estou certo de que não se sentirão defraudadas. Pelo contrário.»
A ideia de fazer uma revista ao vivo tem tanto de inovadora como de arrojada, sobretudo numa altura em que os formatos digitais conquistam cada vez mais a preferência dos «leitores». Mas João Pombeiro está confiante no sucesso. E, à cautela, alimenta um otimismo moderado. «Para depois poder surpreender-me pela positiva», diz.
João fez um percurso profissional sempre ligado ao universo editorial. Primeiro como jornalista da extinta Grande Reportagem, e depois como editor da também extinta Notícias Sábado e mais recentemente como editor executivo da LER. Por isso, o jornalista sabe bem que a novidade por si só não dita o sucesso de nenhuma revista. Pode ajudar a espicaçar a curiosidade das pessoas, mas não chega. «A qualidade dos textos é fundamental e isso, posso garantir, não falta à Cabide. No primeiro número, no segundo, no terceiro, no quarto… Isso para mim é ponto de honra, porque, apesar de não ser uma revista em papel, é importante que os textos que serão lidos pelos autores/jornalistas ou interpretados por atores sejam realmente muito bons. Não queria que fosse uma revista apenas inovadora, em que se aposta tudo na primeira edição e depois, com o tempo, há um natural desleixo, que se repercute na qualidade. Com a Cabide não vai acontecer.»
Com um «preço de capa» de 9,99 euros, a primeira edição da Cabide será lançada entre 29 de maio e 1 de junho. É esse o preço que os «leitores» terão de pagar para assistir, ao vivo, aos conteúdos da publicação. Mas a Cabide traz, como nas revistas em papel, extras que são pagos à parte. Como o concerto dos You Cant’t Win, Charlie Brown (8,50 euros). E, tal com os outros temas da revista, também o concerto e a peça de teatro têm de responder à pergunta temática da primeira edição.
A escolha do tema obedece sempre a um critério: a atualidade. «A saída da troika do país, as eleições europeias e as legislativas em 2015 são assuntos que “mexem” com todos nós. Pareceu-nos ser um tema pertinente para tratar numa primeira edição.» Mas, o conteúdo da revista, ressalva João, «mais do que procurar dar respostas concretas à pergunta que lançamos, pretende levar as pessoas a refletir, a pensar no que de facto está a acontecer e como poderemos sair ilesos da situação atual que o país atravessa, não apenas do ponto de vista político e económico. Também do ponto de vista social, cultural e pessoal». As respostas serão dadas de várias formas.
Com uma entrevista ao ensaísta Eduardo Lourenço, por exemplo, conduzida pelo jornalista Carlos Vaz Marques (domingo, 1 de Junho, às 18h30). Também o escritor e cronista da Notícias Magazine Gonçalo M. Tavares fará observações aos dias que correm, com uma conferência inédita subordinada ao tema É preferível um anjo e uma pedra (sábado, 31 de maio, 19h15). E o escritor e jornalista Pedro Rosa Mendes promete revisitar num estilo acutilante uma «crise trágico-política» com o ensaio, da sua autoria, Saída limpa, Portugal na lama, de que deixamos aqui um cheirinho: «Sem império, sem soberania e sem rumo, Portugal confronta-se hoje com os seus atavismos incuráveis: terra pouca, gente calada, mátria mãe. A Europa. Coerente, assiste e ajuda. Recebemos hoje lições de contabilidade de quem não soube dar-nos lições de liberdade. O tempo é de contrarrevolução e sonhos regressivos» (sábado, 31 de maio, 18h00).
Entre os colaboradores da primeira edição da Cabide, destacam-se ainda o encenador Tiago Rodrigues, que escreve uma Carta de despedida à troika recorrendo a uma «rima anti-heróica/de cariz espistolar/onde se solicita à Troika/que se ponha a andar» (sexta, 30 de maio, 22h30), e o fotógrafo Guillaume Pazat, que, juntamente com Martim Ramos, assina a realização de Othon, um documentário em estreia absoluta sobre o mítico Othon Palace Hotel, em São Paulo, no Brasil. Ocupado por novos pobres, foi um dos mais famosos hotéis do centro histórico da cidade, tendo acolhido importantes chefes de Estado como a rainha Isabel II. À apresentação do documentário segue-se um debate com os realizadores, moderado pela jornalista Cândida Pinto. Mas este não será o único debate. Haverá outros e sem moderação, à laia de Conversas de Ocasião, com a participação, aos pares, de Maria Filomena Mónica e Miguel Pinheiro, de Joaquim Vieira e João Miguel Tavares e de Onésimo Teotónio Almeida e Miguel Real.
As últimas «páginas» da Cabide são especialmente dirigidas aos mais novos, mas não exclusivamente. Aliás, cada adulto que compre uma revista pode levar uma criança para assistir, no próximo domingo, a uma manhã infantil especial sem pagar mais por isso. É especial porque é o Dia Internacional da Criança e será celebrado com um concerto dos Galo Gordo, uma oficina que «mete água» em todas as experiências, muitos jogos e passatempos. Na Cabide há ainda espaço para um DJ set, ilustrações originais de João Fazenda, Alex Gozblau e Nuno Saraiva em exposição permanente e uma mostra internacional de rádio organizada pela editora Boca.
A Cabide tem uma periodicidade semestral, pode vir a ser trimestral e, por enquanto, é lançada apenas em Lisboa, mas é a adesão dos leitores que vai ditar a «distribuição». «Em qualquer cidade portuguesa – ou do mundo», lê-se no estatuto editorial da revista. «Assim nos queiram lá.»
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