O jornalismo está em vias de extinção?

O setor dos media em Portugal vive dias particularmente agitados, com múltiplas questões a emergir. Afinal, quão crítico é o estado dos meios de comunicação social em Portugal? O que pode ser feito para garantir o seu financiamento e sustentabilidade? E em matéria de transparência, o que falha e o que urge mudar?

Há uma velha máxima do jornalismo que apregoa que o jornalista não é notícia. E, no entanto, o jornalismo, os jornalistas, os jornais, de alguma forma a comunicação social no seu todo, seguem na ordem do dia. Será difícil encontrar, pelo menos num passado recente, um momento em que o tema tenha tido semelhante fulgor no espaço público. Nas colunas de opinião dos jornais, nos espaços de comentário das televisões e das rádios, nas salas da Assembleia da República, até nas intervenções das mais altas figuras do Estado, confessam-se preocupações e angústias, escrutinam-se dificuldades, discute-se financiamento e transparência, apontam-se caminhos para um futuro democrático que, sem mudanças de fundo, está inevitavelmente ameaçado. Para este turbilhão mediático, muito têm contribuído as sombras que pairam sobre o Global Media Group (GMG), um dos maiores grupos de media em Portugal, detentor do “Jornal de Notícias”, do “Diário de Notícias”, de “O Jogo”, da “TSF”, entre outros títulos. E que, desde julho, está nas mãos de um fundo financeiro internacional sediado nas Bahamas (World Opportunity Fund). Meses depois, há salários em atraso, uma ameaça de despedimento coletivo de 150 a 200 trabalhadores, até uma ordem de suspensão de todas as colaborações.

Os problemas no GMG não são caso único, diga-se. Também no grupo Trust in News, que engloba um total de 17 publicações, entre as quais as revistas “Visão”, “Caras” e “Exame”, tem havido atrasos no pagamento dos salários. Depois de o vencimento de novembro e o subsídio de Natal terem sido pagos já fora de horas, à conta de “dificuldades de tesouraria”, na última terça-feira, dia 9, a esmagadora maioria dos salários de dezembro, e respetivos subsídios de alimentação, continuava por pagar, garantiu à “Notícias Magazine” Clara Teixeira, delegada sindical da “Visão”. Além das saídas de “várias pessoas importantes” (através de rescisões amigáveis) que não têm sido colmatadas, aponta. Vale ainda a pena lembrar que há poucos meses o jornal desportivo “A Bola” dispensou, de uma assentada, mais de dois terços dos seus trabalhadores. E que em novembro o Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicações Audiovisuais denunciou o despedimento coletivo de 12 trabalhadores na TVI. Alargando o horizonte temporal, facilmente se constata que o cenário se tem repetido em redações pelo país fora, sem que nenhum grupo de media escape à debandada.

O diário desportivo “A Bola” dispensou dois terços dos trabalhadores

As consequências são óbvias: com menos recursos e piores condições, a qualidade baixa, as receitas também, o financiamento escasseia, o cinto aperta-se, os media tornam-se mais vulneráveis a interesses pouco claros, a independência e o pluralismo ficam severamente ameaçados, o jornalismo de investigação, que no fundo é a essência de tudo isto, nem se fala. E o círculo vicioso segue ao ritmo de um rolo compressor. Para adensar as dificuldades, ainda houve uma pandemia, confinamentos vários, e depois uma guerra em plena Europa, particularmente gravosa no caso da imprensa escrita, desde logo pelo aumento exponencial do preço do papel.

A própria Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) lembrava, num estudo sobre a sustentabilidade do setor divulgado em julho, que as receitas operacionais do setor caíram 6% entre 2016 e 2021. E que a estratégia de negócio dos órgãos de comunicação social tem assentado invariavelmente na contenção de custos, por oposição à expansão de mercado. Ou como adverte Joana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda que tem tido papel ativo nas audições aos protagonistas do caso GMG, no Parlamento, “o que se passa neste grupo é sintomático de um problema que em Portugal é sistémico e que tem de ser abordado desse ponto de vista”. “Os meios de comunicação social não são rentáveis e não o são por diversas razões. Uma delas prende-se com os vários desafios que a tecnologia e o digital levantam, nomeadamente de concorrência desleal. Acresce que no nosso país há um problema de escala”, sublinha a dirigente bloquista. Paula Santos, deputada do PCP, partido que tem requerido audições urgentes no Parlamento, também traça um retrato pouco risonho. “Baixos salários, vínculos laborais precários, despedimentos, acelerados ritmos de trabalho, desregulação dos horários de trabalho: esta é a realidade de muitos e muitos trabalhadores no setor da comunicação social. Realidade que não está dissociada da concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social, num quadro de esvaziamento das redações, o que coloca em causa a qualidade da informação, a sua independência e o pluralismo.”

Na revisão “Visão”, do grupo Trust In News, “dificuldades de tesouraria” têm atrasado os salários

Felisbela Lopes, doutorada em Ciências da Comunicação e professora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, mergulha mais fundo no problema. “De uma forma global, quando olhamos para os projetos editoriais dos meios de comunicação social, percebemos que há uma crise generalizada. Se a televisão se depara com uma fragmentação de audiências e uma fuga de telespectadores para outras plataformas, com reflexos no mercado publicitário, na imprensa escrita tem havido uma queda drástica, com uma redução grande do número de compradores de jornais e por arrasto de leitores. Sendo que esta redução não corresponde a uma subida de leitores na versão digital em termos de acessos pagos. E gera-se uma estrutura circular viciante em que se reduz o preço da publicidade, em que os jornais são cada vez mais iguais, em que a agenda de assuntos é cada vez mais reduzida.” A docente ressalva que este é “um problema generalizado”, mas também reconhece que há certas particularidades que enformam o caso português. “Desde logo porque se vários países têm procurado soluções para fazer face a estes problemas, nomeadamente no caso dos jornais, nós temos estado parados.”

E assim chegámos ao “cenário de emergência” em que hoje estamos. E voltamos ao caso do GMG, não há volta a dar, salienta a investigadora. “Neste momento, um dos principais grupos de media em Portugal está periclitante, com um problema de gestão, com o não pagamento de salários, com uma redução grande do valor do próprio grupo, ao ponto de já se começar a questionar a sua sobrevivência. Isto para mim seria verdadeiramente impensável. Desde logo porque desapareciam três jornais históricos: o ‘Açoriano Oriental’, que é o mais antigo do país, o ‘Diário de Notícias’, que no continente é o mais antigo, e o primeiro que surge com independência em relação ao poder político, e o ‘Jornal de Notícias’, que não tem réplica em nenhum projeto editorial nacional, porque é um jornal que atende aos territórios. Já para não falar do jornal desportivo ‘O Jogo’. Ou da TSF, que é uma rádio muito importante. É um acervo histórico que o país não pode perder. E o seu desaparecimento teria consequências dramáticas para a comunicação social no seu todo.”

Uma greve dos trabalhadores do GMG paralisou, na última quarta-feira, 10, os principais títulos do grupo. No Porto e em Lisboa, dezenas de jornalistas de outras redações associaram-se ao protesto
(Foto: Miguel A. Lopes/Lusa)

Também Miguel Poiares Maduro, jurista que, durante o Governo liderado por Pedro Passos Coelho (PSD) tutelou a pasta da Comunicação Social, entende que a situação que os media portugueses vivem atualmente é “profundamente perturbadora”. “É uma fase de transição, provocada por uma forte disrupção tecnológica e pelo aparecimento de novos referenciais, que implica um desafio acrescido em termos de modelos de sustentabilidade. E tratando-se de uma fase em que os modelos atuais são colocados em risco, automaticamente ela cria riscos de interferência do poder público e do poder privado. Porque se os órgãos de comunicação social não são sustentáveis, isso levanta uma questão: então porque é que um investidor privado vai entrar? Isto mina a credibilidade e a confiança nestes órgãos. A insustentabilidade e as dificuldades financeiras que atravessam condicionam a sua liberdade.”

E isso pode ferir de morte a própria democracia, frisa o ex-governante. “Os meios de comunicação social são os editores da democracia, são eles que definem em grande medida os temas que discutimos. Mas de alguma forma têm vindo a ser substituídos nesse papel pelas redes sociais. E sabemos que as redes sociais não se regem por critérios jornalísticos, mas sim por critérios dos algoritmos. Tanto estas razões de alteração do processo editorial como as questões que dizem respeito à sustentabilidade financeira dos órgãos de comunicação social fazem com que esteja preocupado com a democracia. O acesso a uma informação verdadeira, credível, independente e plural é um dos pressupostos cognitivos dos sistemas democráticos.”

Nem tudo é mau, defende Poiares Maduro, que se assume “mais otimista do que a maior parte das pessoas no longo prazo”. “A necessidade de qualidade destes processos vai continuar a existir, as pessoas consomem mais notícias hoje, vivemos na sociedade da informação, há mercado”, justifica. E prossegue. “Mesmo a inteligência artificial (IA), que muitos veem como um risco, eu vejo como um meio de orientar e auxiliar um jornalismo mais sustentável. A IA nunca substituirá o jornalismo de investigação. Penso que é uma fase de transição e que conseguiremos encontrar um modelo adequado para garantir a sobrevivência dos media”. Não evita, no entanto, uma observação sintomática do tempo decisivo que vivemos. “O problema é se a democracia morre até lá.”

Um “Spotify” de media e a ausência de mecenas

O momento impõe também o regresso a uma velha discussão: o financiamento dos media e possíveis caminhos para a sua sustentabilidade financeira, sobretudo quando parece claro que a sobrevivência à custa das receitas publicitárias será cada vez mais exígua. Paulo Pena, antigo grande repórter do “Público” e do “Diário de Notícias” e cofundador do consórcio internacional de jornalismo “Investigate Europe”, o qual continua a integrar, lembra isso mesmo. “Para já, o que me parece mais premente é convencermo-nos de que o jornalismo já não pode ser o negócio que em tempos foi. A publicidade foi completamente tomada pelas plataformas digitais e não há maneira de os media tradicionais quererem sobreviver à base das receitas publicitárias como acontecia no passado.” Advoga até que, no futuro, só há dois modelos de financiamento que podem subsistir: “Ou um modelo por subscritores, assente em comunidades que comprem para ler, ver ou ouvir o conteúdo informativo, que é o que acontece com o ‘Fumaça’, o ‘Divergente’ ou o ‘Setenta e Quatro’, por exemplo, ou um modelo sem fins lucrativos, que dependa de doações, sendo essas doações provenientes de leitores, de fundações ou mesmo de ajudas públicas”.

O poder do regulador para garantir a transparência do setor tem sido particularmente questionado
(Foto: Natacha Cardoso/Global Imagens)

A questão das ajudas públicas tem sido central na discussão. Felisbela Lopes não tem dúvidas de que estas devem ser ponderadas, eventualmente através de subsídios diretos, ou mesmo de um eventual fundo de emergência, na perspetiva de não se deixarem morrer “projetos que são vitais para o funcionamento do jornalismo e da democracia”. “Claro que por um lado estes [subsídios] não poderão distorcer a concorrência e por outro terão de acautelar a independência do poder político.” Miguel Poiares Maduro destaca este ponto. “O que se exige é que encontremos uma forma de apoiar os media que não abra a porta a um financiamento público dependente de critérios de oportunidade política. Se os governos puderem apoiar o jornal A ou B em função das suas simpatias pelos mesmos, isso não só é uma interferência colossal, como o condicionamento que daí advém seria impensável.” E sim, há formas de contornar este risco, garantem os especialistas ouvidos pela “Notícias Magazine”. Paulo Pena realça, por exemplo, que o Estado pode financiar “um fundo de investimento em bolsas de investigação, que não seja gerido pelo próprio Estado, mas antes que seja entregue a uma organização independente, que por sua vez crie um júri independente”.

Poiares Maduro tem insistido numa outra medida, já implementada em França, por exemplo. “Além de o Governo dar créditos aos cidadãos para comprar livros, podem ser dados créditos para assinar jornais. Isso seria uma forma de apoiar o ecossistema mediático sem interferir politicamente.” Felisbela Lopes sugere algo semelhante, mas mais dirigido às escolas. “Falamos tanto de literacia mediática e de desenvolver nas crianças o gosto pela leitura. Então porque é que não temos um plano de assinaturas digitais para as escolas, um plano especial de leitura de jornais, com vários pontos de acesso por cada escola? Uma assinatura por turma, por exemplo. Seria uma receita importante para os meios de comunicação e uma forma de incutirmos o interesse pelas notícias desde cedo.” A docente da Universidade do Minho avança ainda com uma outra proposta, que passa pela implementação de medidas fiscais que ajudem a aligeirar os passivos que pesam sobre os principais grupos de media. “Um choque fiscal pela positiva.”

Joaquim Fidalgo, jornalista fundador do “Público”, professor universitário e investigador, também defende a importância de se quebrar o “tabu” que ainda domina a discussão sobre os apoios estatais. “Se consideramos que a informação jornalística é um bem de primeira necessidade, devemos fazer um esforço para a valorizar junto das pessoas. E se é um bem de primeira necessidade, os estados têm de olhar para ela como olham para a Saúde, para as escolas, para os tribunais, para as estradas, para os transportes. Isso não tem sido feito por receio de interferências, mas temos várias experiências de países europeus que fazem isso e não consta que haja qualquer tipo de interferência.” O docente da Universidade do Minho sabe exatamente do que fala. Nos últimos tempos, tem coligido informação sobre os apoios estatais concedidos noutros países europeus, cujas conclusões apresentará com mais detalhe no 5.º Congresso dos Jornalistas, a decorrer em Lisboa, de 18 a 21 de janeiro. “A França gastou, em 2022, 110 milhões de euros para apoiar os media. Só o ‘Le Monde’ recebeu seis. A Áustria gastou 124 milhões, a Suécia 102, a Dinamarca 52”, exemplifica, antes de deixar uma chamada de atenção: “Se não se garantem apoios estatais com medo que se perca independência política, acaba por se perder independência económica. E por deixar os media mais reféns de conteúdos patrocinados, por exemplo. Na prática, perde-se independência na mesma.”

Em França, os apoios estatais destinados aos órgãos de comunicação social rondam os 100 milhões de euros anuais. Só o “Le Monde” recebe seis

Fora da esfera estatal, também há soluções possíveis. Poiares Maduro concretiza. “Parte do novo modelo pode passar por replicar um modelo semelhante ao que existe na música, com o ‘Spotify’. Haver uma plataforma agregadora de notícias que depois distribui uma parte da verba pelos respetivos meios de comunicação, consoante o número de leitores que cada um deles tenha. Outro aspeto de que tenho falado muito é o papel que as fundações poderiam ter no apoio a projetos jornalísticos.” No entanto, em Portugal, ao contrário do que sucede em vários países da Europa, em que estas entidades têm um papel preponderante no financiamento de bolsas de investigação, esta é uma realidade quase inexistente. A exceção mais relevante terá sido protagonizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, que, durante três anos, disponibilizou generosas bolsas anuais para o jornalismo de investigação, tendo sido apoiados, ao todo, 32 projetos. No entanto, desde 2020/21 que a fundação não voltou a abrir o programa. A “Notícias Magazine” questionou a Gulbenkian no sentido de perceber porquê, ou mesmo se uma nova edição estaria para breve, tendo sido esclarecido apenas que “neste momento, a fundação não prevê abrir novo concurso” e que “continua a apoiar projetos de combate à desinformação e ‘fake news’ através do European Media and Information Fund”.

Voltando ao papel das fundações, no geral, o próprio Poiares Maduro partilha um episódio revelador, do tempo em que integrava o Governo liderado por Pedro Passos Coelho. “Quando extinguimos o gabinete de apoio à comunicação social, tínhamos uma verba disponível para esta área e reunimos com várias fundações no sentido de saber se estariam interessadas em apoiar órgãos de comunicação social. O Governo avançaria com a primeira prestação e as fundações criariam mecanismos de apoio, aos quais eventualmente juntariam o seu próprio fundo. Mas de facto acabou por não avançar, houve uma grande resistência por parte das fundações.” Questionado sobre possíveis explicações para tão estranha renitência, o ex-ministro responde assim. “Penso que há o receio de serem associadas aos conteúdos jornalísticos produzidos e de serem responsabilizadas por isso. É uma mentalidade tipicamente portuguesa, que advém de alguma iliteracia institucional e do facto de sermos um país pequenino. Mas espero que venha a ser possível concretizar essa solução.”

O dilema da transparência e da intervenção do Estado

Outra questão que tem estado na ordem do dia é a da transparência. Numa das audições que estão a decorrer na Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, no Parlamento, o deputado do Livre, Rui Tavares, chamou a atenção para dados divulgados no âmbito do Media Pluralism Monitor, que ajuda a perceber o panorama dos ecossistemas mediáticos pela Europa fora. “De acordo com o último relatório, é percetível que o maior risco em Portugal é o do pluralismo de mercado. Ao nível dos detentores dos media e da opacidade, Portugal tem um risco médio alto”, explica. Carla Martins, vogal do Conselho Regulador da ERC, ressalva, no entanto, que apesar de, em termos agregados, a avaliação da pluralidade de mercado poder ser considerada “preocupante”, este parâmetro é aferido a partir de cinco indicadores, um dos quais é precisamente a transparência da propriedade dos media. E aí, o risco em Portugal é considerado baixo (19%), até por oposição ao risco médio do conjunto dos países avaliados (52%).

A questão tem-se colocado com particular acutilância no caso do GMG, a propósito do World Opportunity Fund, o tal fundo sediado nas Bahamas, sobre o qual pouco se sabe. No mês passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fez saber que estava insatisfeita com as informações que tinham sido fornecidas pelo mesmo em relação à identidade dos seus beneficiários efetivos, o que adensou o coro de críticas em relação à incapacidade do regulador para agir de forma eficaz nesta matéria. Entretanto, na última segunda-feira, dia 8, a ERC aprovou mesmo a abertura de um processo administrativo autónomo para a aplicação da Lei da Transparência.

Em causa, está uma lei aprovada em 2015 e que obriga à divulgação da titularidade, gestão e meios de financiamento das entidades que prosseguem atividades de comunicação social. E que no limite, caso persistam “fundadas dúvidas”, pode levar à suspensão “do exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada em causa”. Miguel Poiares Maduro, um dos responsáveis pela elaboração desta lei, pormenoriza. “Na prática, os detentores mantêm a propriedade, mas não podem exercer os seus direitos. E aí só têm duas hipóteses: ou cumprem os pressupostos e esclarecem o que ficou por esclarecer ou vendem a sua participação.”

Admitindo que de alguma forma é suspeito, na medida em que ajudou a gizar a atual legislação, o ex-ministro entende que não há qualquer lacuna, considerando mesmo que se trata de uma das leis mais robustas em termos de transparência, em todo o espaço europeu. Joana Mortágua não se convence. “Há quem entenda que já há instrumentos legais suficientes, mas o que me parece claro é que tudo o que tem a ver com a transparência nos media tem de ser revisto. Até podemos chegar à conclusão que o problema não é a lei, que são os poderes da entidade que fiscaliza, mas é uma reflexão que temos de fazer, porque os factos falam por si. E o facto é que o arcaboiço legal existente permitiu este negócio e está a permitir esta situação.”

Outra questão que tem emergido com frequência, mais uma vez a propósito da turbulência vivida no GMG, é se o Estado deve intervir diretamente, na perspetiva de salvar o grupo. Rui Tavares, deputado do Livre, foi dos primeiros a defender que sim. Em conversa com a “Notícias Magazine”, concretiza: “O que é preciso perceber é que o Estado tem obrigações e responsabilidades constitucionalmente consagradas. E neste caso, se não se agir a tempo , corremos o risco de passar a ter dois diários, de perdermos o jornal mais antigo do país, o JN, a TSF. E há aqui várias vias possíveis. Por um lado, o Ministério Público deve investigar o que se está a passar, porque aparentemente há aqui vários indícios de gestão danosa. Por outro, a ERC tem de agir no sentido da aplicação da lei. E se estas duas primeiras válvulas de segurança não funcionarem, aí penso que o Estado pode ponderar uma nacionalização temporária, para evitar um mal maior. Se a Efacec era estratégica, o GMG também é, até porque tem um papel vital para a democracia”. Também Joana Mortágua defende que “muito mais grave do que haver uma intervenção estatal, é o risco de os meios de comunicação serem manipulados por interesses privados poderosos”.

Já o social-democrata Miguel Poiares Maduro tem uma visão distinta: “Eu acho que o Estado pode ter um papel muito importante no ecossistema mediático, mas não acho que deva nacionalizar meios de comunicação, porque o risco de interferência é enorme. Até porque não é só o condicionamento que daí resulta em relação àquele título em concreto, é o condicionamento futuro em relação a todos os outros, na medida em que se pode criar a perceção de que, no futuro, o Estado pode ou não intervir consoante quem esteja no poder tenha ou não simpatias por um dado título.” O próprio ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, recusou, durante a audição no Parlamento, na última quarta-feira, a ideia de ajudas específicas ao GMG, seja sob a forma de subsídios ou de uma nacionalização, invocando o risco de interferências editoriais dos governos e a desvirtuação da concorrência. “O Estado tem de ter apoios transversais à comunicação social e não específicos”, considerou.

O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, em audição no Parlamento
(Foto: Miguel A. Lopes/Lusa)

Num plano mais macro, e olhando para as eleições que aí vêm (legislativas, agendadas para 10 de março), Paulo Pena deixa um alerta relevante. “Parece-me particularmente pertinente pôr os candidatos a apresentarem propostas sobre isto [o financiamento e a transparência dos media], sobre um assunto que é da máxima importância. Não gostava que a campanha decorresse sem que qualquer um dos candidatos se pronunciasse sobre isso, como tem acontecido até aqui. É importante que haja medidas legais que facilitem tudo isto, é importante que isto seja um tema.” Que o jornalismo continue a ser notícia, portanto.

[acrescentada ressalva da ERC a propósito dos dados que estão patentes no último relatório do Media Pluralism Monitor]