José Cid: “Não pertenço a guetos, nem a partidos”

Esta sexta-feira, dia 4 de fevereiro, José Cid faz 80 anos. Durante uma tarde, fala-nos de amor, música, poesia, playback, política. Do último álbum, de reencarnação, da pandemia. Continua cáustico, provocador, politicamente incorreto. Tem dias que acorda astronauta, outros tratorista. Nunca igual, confessa. E deixa o recado: “Eu? Correr em Fórmula 1, como ainda corro, para acabar em rally paper na minha aldeia? Não contem comigo”.

Toda a gente o conhece na rua, nos cafés, em qualquer lado. Mora num palacete em Mogofores, Anadia. Tem cavalos, cães, patos, gansos, pavões, faisões, galinhas, canários. Bem-disposto, disponível, sem pressa ao longo de três horas de conversa. Nenhuma pergunta fica sem resposta.

No final de 2021, lançou “Vozes do além”, álbum com 20 temas, 15 poemas de Sophia de Mello Breyner, Natália Correia, García Lorca, entre outros. Um duplo CD já disponível e um triplo vinil prestes a sair. A capa é um quadro de Gabriela, fotógrafa e pintora, o anjo que lhe caiu do céu, sua mulher. A 4 de fevereiro, dia do seu aniversário, promete festa com concerto no estúdio que tem em casa transmitido nas redes sociais. Será ao final da tarde, no Lusko Fusko, projeto que criou para suavizar os dias da pandemia. O que lhe falta fazer? Tudo.

Quase 80 anos. Satisfeito com o que vida lhe deu?
O projeto de vida foi muito mais longe do que pensei no dia em que comecei a fugir pela janela do colégio, em 1957, ou a dizer aos meus pais que não estava a tocar ou se tocava era para ajudar a Conferência de São Vicente de Paulo – e não era nada, era o álibi que tinha, mas não vou contar para o que era. Os bonzinhos vão para o Céu e os outros, como é o meu caso, vão a todo o lado. E eu estava em todo o lado. Quando percebi que não era professor de Educação Física que queria ser, que era na música que queria ficar, não hesitei, e tentei dar o meu melhor. Para mim, o céu é o limite. Com todos os prémios que há e não há na música portuguesa, e internacionais, estou muito próximo desse limite. O álbum “Vozes do além” vai-me permitir concorrer, de novo, aos Grammy de 2023.

O Grammy Latino de Excelência Musical, em 2019, foi a cereja no topo do bolo da sua carreira?
Não me parece. “Vozes do além” é a cereja no topo do bolo. Primeiro, porque é mais poético. Segundo, porque está cheio de grandes canções. Acho que nunca ninguém, na música portuguesa, editou um triplo vinil. Tudo isso junto influenciou a minha criatividade e a minha capacidade instrumental e vocal. Não sou um rapaz de 80 anos, sou um rapaz de 40 ou 50 a cantar. A minha voz está cá toda.

A reencarnação é o tema do álbum. Acredita na vida depois da morte? Haverá um outro lugar melhor do que este?
Tem de haver. Temos de acreditar nessa ideia até porque a alma vive separada do corpo. A alma existe e é pela alma que podemos reencarnar.

Sempre acreditou na reencarnação?
Temos de acreditar. Esta passagem não pode ficar por aqui. “Vozes do além” é um álbum de confrontação com a ideia de que morreu, enterrou, adeus, já está. Não. É um álbum de esperança, um álibi para as pessoas que querem continuar a viver.

Leva uma vida sem exageros, não bebe, não fuma. Dá concertos de mais de duas horas. O que explica esse vigor?
Deus deu-me saúde e tenho cuidado bastante dela, embora seja muito guloso. Sou pré-diabético, mas trato-me, não estou a insulina nem nada dessas coisas, e ando muito a pé. Faço uma dieta. A Gabriela é uma extraordinária jornalista, uma extraordinária fotógrafa, uma extraordinária pintora, e uma extraordinária dona de casa, daquelas que não perdem tempo a fazer a cama. Adora cozinhar e adora gerir o meu Facebook porque não sou muito dotado para mexer em computadores e essas coisas.

Percebe o impacto e a importância de estar nas redes sociais?
Completamente. Compreendo o impacto das redes sociais quando são positivas e criativas, quando até dizem que não gostam e explicam porquê. Agora redes sociais a defender conluios de interesses, jogadinhas de grupos que têm o seu gueto, isso não.

Sempre bateu o pé ao playback?
A tudo o que é fake. Há gente nas novas gerações a compor e a cantar brilhantemente e com excelentes ideias – nem posso citar porque seriam 20 ou 30. Mas depois há pessoas que ocupam as primeiras capas dos jornais, mas que nunca falam de música, nunca falam de poesia, nunca falam de projetos musicais, e são as que mais protagonismo têm na imprensa e nas redes sociais.

E isso chateia-o?
Chateia porque sou invejoso de quem come muito e não engorda. Acho um desperdício pessoas que nunca escreveram um poema, não sabem tocar um instrumento, nem sequer cantam em direto na televisão, serem protagonistas num país que tem música extraordinária. Acho um desperdício haver programas aos sábados e domingos à tarde, com excelente gastronomia, excelente arte rural e, em vez de passarem a boa música popular dessas regiões, passam sempre coisas com bailarinas por trás semidespidas, algumas delas com pernas mais grossas que as minhas, tudo a mexer em playback e sem qualidade nenhuma. Acima de tudo, é importante que fique aqui dito: não é música popular, escrevam bem, isso é música populosa.

Populosa?
Ou populeira. Música popular são os grupos etnográficos, é Maria Albertina, é António Mafra, é Brigada Victor Jara, é o Diabo na Cruz, é Fausto, é Vitorino, é fado. O fado é a nossa música. Isso é que deve ser protegido nesses programas. Digo, na brincadeira, sou muito cáustico, esta música “pimba” é como as melgas, só ataca no verão.

Dá-lhe um certo gozo esquivar-se a ser rotulado e metido numa gaveta da música portuguesa, não dá?
Não conseguem porque passei por várias áreas ao longo da minha vida. Rock, rock sinfónico, baladas românticas, música popular, fado, pop-rock… tanta coisa que é difícil meterem-me numa prateleira. Sou uma coisa parecida com Fernando Pessoa que tinha vários heterónimos e várias formas de expressão. Eu também ando por aí.

Faz música popular portuguesa. É isso?
Música portuguesa. Popular também faço. O álbum “Fados fandangos malhões… e uma valsinha” foi editado no início de 2020. E é engraçado que os fados não são fados, os malhões não são completamente malhões, os fandangos também não, e a valsinha é dedicada à minha mulher, Gabriela.

Sempre quis ser original?
Não. Sigo a minha inspiração, não faço por ser diferente, faço porque sim. Aquilo que fiz e aquilo que escrevo não é provocado, a não ser que esteja a ler um poema, aí é diferente. A minha inspiração poética é porque sim, acontece.

O que lhe arranha os ouvidos?
Sons dos quais faço imediatamente zapping, sons programados com baterias chinesas ou japonesas, sons todos digitais e medonhos, medonhamente agressivos ao meu ouvido que adora ouvir um quarteto de cordas, um violoncelo, uma viola acústica bem gravada, uma guitarra portuguesa.

O que o emociona numa música?
Primeiro, a poesia, claro. Procuro muito a poesia e hoje há gente nova a escrever muito bem. Desde a Ana Bacalhau ao Bettencourt, à Deslandes, ao Miguel Araújo, aos Azeitonas. E depois gente da minha geração a escrever muito bem, Paulo de Carvalho, Tozé Brito, Tordo.

As playlists ainda o irritam ou já passou?
Irritam porque as playlists vêm defender aquilo que é imposto pelas multinacionais internacionais, americanas e inglesas, que controlam as multinacionais portuguesas. Obviamente que essas playlists, às vezes, passam músicas interessantes. Sou contra a ideia de que um radialista não possa ter a liberdade de escolher aquilo que mais gosta e aquilo que é a sua griffe musical e poética. Isso é que é rádio.

José Cid e a mulher, Gabriela

Alguma vez sentiu necessidade de vestir uma capa para mostrar ou construir uma imagem?
Olhe que não. Nunca quis fazer imagem mais do que aquilo que sou e do que penso que sou. Nunca me servi da música e da poesia que escrevo para autopromoção. Fui capaz de escrever a minha vida, mas autopromoção não.

Voltando ao Grammy. A 13 de novembro de 2019, estava em Las Vegas, projeção mundial. Portugal percebeu a importância dessa distinção?
Houve pessoas que sim e outras que se morderam e morreram envenenadas. O meu discurso foi de homenagem aos colegas da minha geração que têm extraordinária qualidade, também eles mereciam esse prémio, e às novas gerações que têm músicos e cantores de extraordinária qualidade. Tive o privilégio de cantar ao vivo, coisa que os meus outros colegas não se atreveram. E fui convidado pela organização, sem nunca ter apresentado um programa de televisão, para apresentar a música brasileira cantada em português. Num improviso total, apresentei a música brasileira e adorei entregar o prémio a um amigo, Gilberto Gil, que ganhou nesse ano. Foi uma experiência única e inesperada.

Uma aventura.
E eu, que sou um rapaz de aventuras, aceitei. E depois, claro, vendi o meu peixe.

Resultou?
Claro que sim. Eles perceberam que eu não estava ali em pânico a dizer as coisinhas certas, tudo o que fosse politicamente correto dentro daquele festival, mas que era um cantor que estava a apresentar um programa e que também estava a cantar homenagens à música brasileira. Quando li a nomeação do António Zambujo disse que era um cantor emergente, de grande qualidade, e que estava (e está) a fazer uma carreira incrível na música popular portuguesa. E isso tudo serviu para dizer que Portugal está vivo, tem música muito boa, gente altamente criativa. Um país que, infelizmente, é demasiado pequeno para o imenso talento artístico que tem. Era preciso que as pessoas, e quem manda, protegessem esse talento de norte a sul.

Não acontece?
Não, lá está, esses programas de sábados e domingos podiam ser feitos com essas novas gerações criativas e de grande talento criatividade, modernidade, e de grande “portugosidade”.

Nesta altura, já não podia viver à sombra do seu sucesso?
Não. Este é o meu projeto de vida. Eu só vou parar, para alegria de muitos e tristeza de muitos outros, quando perder a voz, quando perder criatividade. Não é mais um dia no meu bilhete de identidade que me vai fazer parar. Não me vou arrastar, digo já. Conheço nomes importantíssimos ou definitivos na música portuguesa que se arrastaram nos últimos 15 anos. Eu? Correr em Fórmula 1, como ainda corro, para acabar em rally paper na minha aldeia? Não contem comigo, não vou fazer isso. Vou tentar preservar a minha voz, a minha criatividade, a minha teimosia.

E, de repente, uma pandemia. O que muda na sua vida?
A minha conta bancária, pois estava a contar trocar de carrinha, que já tem seis anos.

Como lidou com os confinamentos?
No meio do confinamento, tive um dos maiores dramas da minha vida. A minha querida irmã, Maria de São João, morreu com covid tristemente sem ver a família nos últimos três meses da vida dela. Foi, verdadeiramente, a pessoa da minha família que mais me amou.

A Cultura foi maltratada ao longo deste tempo?
Não. Eu fui muito bem tratado. O Ministério da Cultura fez aquele projeto 2020 que apoiou centenas de colegas meus, não só na música, como no teatro e cinema. Acho que é um caso único na história da Cultura portuguesa haver um ministério que apoia tanto e vai continuar a apoiar economicamente. Apoiaram-me com 50 mil euros para o álbum “Vozes do além”, o que não chega para pagar músicos, estúdio, bobines que vieram dos Estados Unidos, masterização, misturas……

Muita gente da Cultura passou mal.
Eu fiz um projeto que se chamava Lusko Fusko, com um piano aqui, a Gabriela ali a filmar, estivemos seis meses a tocar, fizemos angariação de fundos para técnicos e conseguimos juntar algum dinheiro para proteger equipas técnicas e não só.

A voz geral de como a Cultura foi tratada é distante do que está a dizer.
Não é não. Há pessoas que não foram apoiadas porque não tentaram a sua chance. Eu também tinha o “não”. Fui entrevistado para a SIC Notícias e senti que estava a ser julgado pela negativa, como se fosse crime ser subsidiado pelo Ministério da Cultura. Eu, José Cid, que sou o cantor com mais prémios ganhos desde sempre na música portuguesa, que tenho 28 canções censuradas no antigo regime, que sou, paralelamente com o Carlos do Carmo, o único cantor português que tem um Grammy, que tenho um álbum nomeado entre os cinco melhores do Mundo de rock sinfónico……Acho que tenho direito a um apoio do Ministério da Cultura. Na entrevista, perguntavam-me como se fosse um réu.

Respondeu?
Olha, eu, um réu…, respondi: “Vocês têm toda a razão, tenho uma carrinha que estou a precisar de trocar e este subsídio vai-me ajudar a comprar uma nova da Mercedes. Nunca fui às Caraíbas, já aluguei um iate, convidei alguns amigos, e vou passear até lá. E o resto vou aplicar no álbunzito”.

Continua cáustico e provocador.
Não contesto, constato. Para a mentira, não dou.

Nunca teve problemas em puxar dos seus galões.
Os meus galões estão cá.

Deve ter reunido uma boa mão-cheia de inimigos.
Ah, sim, mas os inimigos também podem evoluir e chegar ao meu patamar, instruírem-se em grande poesia, perceberem que não sou do partido político deles. Não pertenço a guetos, nem a partidos.

Assume-se como um monárquico progressivo. O que é isso, afinal?
Sou monárquico, mas não sou monárquico deste PPM (Partido Popular Monárquico), atenção. Ser monárquico progressivo é simples. É aquilo que Sá Carneiro não teve coragem de assumir, embora fosse casado com uma sueca, seguir os países do norte da Europa, os países menos corruptos, mais cultos, com melhor nível de vida do Mundo – e os mais chatos porque devem estar cheios de neve agora. Nós temos o melhor povo do Mundo, o melhor clima do Mundo, a melhor gastronomia do Mundo, o melhor feitio do Mundo porque aguentámos coisas assombrosas, desde um regicídio, duas ditaduras, a salazarista e a marcelista, e uma outra muito próxima de um senhor que ganhou com maioria absoluta e que anda por aí à solta na Ericeira.

Interessa-se por política?
Claro. Interesso-me pelo meu país. Eu vejo o meu país nem da Esquerda, nem da Direita. Eu vejo o meu país por cima que é para ter uma visão estratosférica daquilo que gosto e daquilo que não gosto.

Como olha para o discurso da extrema-direita?
Não estou de acordo. A partir do momento em que aquele senhor trouxe para cá a Le Pen, disse “este gajo não”. Por portas travessas, já me propuseram fazer concertos para ele, e recusei. E muito bem pagos. O dinheiro não compra tudo. Já agora exorto o doutor Costa, se for eleito outra vez, a diminuir o preço do pão, do leite, da eletricidade, do gasóleo, da gasolina, das portagens, das autoestradas, coisas que a classe média paga “do pelo”. E que proteja a classe média e a classe média alta porque são essas que fazem andar o país e que pagam impostos faraónicos e injustos. Estou também a falar do meu caso, chego ao fim do ano e tudo o que ganhei, zuca, desapareceu. Vou revelar aqui uma coisa que nunca revelei em entrevista nenhuma: tenho apneia do sono, gravíssima, num minuto faço 40 paragens de respiração durante a noite. Fazia. Agora durmo com uma máscara de oxigénio e o SNS tratou de tudo com uma prontidão e com um profissionalismo, até com uma simpatia, que registei. Fui muito bem tratado e não é por ser o José Cid.

Vive numa aldeia. O que a comunidade lhe dá e o que dá à comunidade?
Dou regularmente aquilo que devia ser distribuído por ela: os impostos que pago. Esse dinheiro não devia sair do concelho, devia reverter a favor das pessoas mais necessitadas. Na rua, sou mais um entre o povo. Vou aos cafés, as pessoas são simpáticas, só não aturo bêbados.

É um homem rico?
Sou, sou rico, herdei esta casa, ninguém ma quer comprar. Sou rico de sentido de humor e sou rico de afetos. O cemitério está cheiinho de multimilionários. E eu vou ficar aqui em Mogofores, aí num canteiro de rosas, e a outra parte na minha terra natal, na Chamusca, talvez no rio Tejo. Uma coisinha assim que é para não ficar a ser comido pelos bichos debaixo da terra, que é uma chatice.

Conheceu a Gabriela numa digressão na Austrália, apaixonaram-se, estiveram sem se ver 30 anos, reencontraram-se, casaram-se.
Era jornalista refugiada de Timor, que tinha sido invadido pela Indonésia. A Gabriela viu fuziladas dezenas de pessoas à sua frente, alguns familiares, andou de guerrilheira em Timor ao lado de Xanana e dos outros generais.

É o amor que nos salva?
O amor é muito importante, mas não salva. Se salvasse, não havia pessoas separadas. O reconhecimento, a amizade, a ternura, a gratidão, são tão importantes como o amor.

É um homem de afetos?
Sou, mas não sou constantemente romântico, tenho outras fases. Uma fase que sou mais livre-pensador, outras fases que me interesso mais pelos jornais que leio.

O que lê?
As notícias todas do “Correio da Manhã” para saber o que é que aconteceu ao Ronaldo e ao Tony Carreira. Não leio revistas cor-de-rosa, não há pachorra, mas o meu sonho profissional seria ser capa da revista “Maria”. Finalmente o reconhecimento cultural, intelectual, criativo. Adorava.

O que realmente o aflige?
Preocupa-me o meu país, preocupam-me as injustiças. Por cada concerto que faço, em qualquer cidade ou vila, três ou quatro meses depois, piano debaixo do braço, vou lá fazer um concerto solidário, a custo zero, para ajudar as pessoas que mais precisam. Vou continuar a tentar fazer o meu melhor, viver no sonho, viver na liberdade de expressão, sugerir às pessoas coisas engraçadas porque umas vezes acordo astronauta, outras vezes um tratorista do campo. Não sou obrigatoriamente igual, nunca fui. Umas vezes, acordo meio intelectual, outras vezes meio poeta, outras vezes escritor de letras, acordo de várias formas. Tenho um bom acordar. Há pessoas que acordam muito chatas.

Este ano, poderá editar o original “Noites de Lisboa”. Em 2023, o álbum de duetos com Tozé Brito, com algumas das suas canções censuradas. Essas músicas falavam de emigração, de colonialismo…
Sonho, revolta, rebeldia. Falávamos por falácias. “Olá, vampiro bom que namoras o meu sangue/Como todos os vampiros que se prezam idolatras Frankenstein/Vai perdendo as ilusões amigo vampiro bom/Tenho medo é dos vampiros todos giros que me mordem pela calada.” Ou: “Só eu te ouvi gritar de madrugada, para nada, camarada/No dia em que mordeste o pó da estrada, para nada, camarada/Nasce uma flor no cano da espingarda, para nada, tiveste, amigo, uma morte tramada”. A primeira pessoa em Portugal que fala de uma flor no cano da espingarda é je. Sou eu. Essa frase foi usada, e muito bem, no 25 de Abril.

O que ainda lhe falta fazer?
Ainda me falta fazer tudo. Vou continuar a escrever, fazer músicas, concertos, ver os meus cavalitos a saltar. Ser amigo dos meus amigos. Ir à minha terra natal, na Ascensão, há lá sempre uns fadinhos. E vou continuar a dizer aquilo que me apetece, sem peias, sem cadeias, sem censuras. Quem tem inteligência e sentido de humor para me perceber que o faça, quem não tem que vá para as redes sociais. Parabéns, mas estão a dar um tiro nos pés. Eu já vou no horizonte.

O que vê quando se olha ao espelho?
Eu não tenho espelho, tenho só horizonte.

E tem alguma coisa entalada na garganta?
Não. Gargarejo, todos os dias, com Betadine verde e limpo o nariz com Rhinomer. Tenho a minha garganta a funcionar.