Manuel António Pina, o poeta que queria ser bombeiro

É um dos livros mais aguardados até final do ano: a biografia de Manuel António Pina contada com minúcia e saber por Álvaro Magalhães. “Para quê tudo isto?” chega às livrarias já nesta quinta-feira.

Em criança, queria ser santo, bombeiro ou detetive. Mas também Salazar, pensando que ser ditador era uma profissão como qualquer outra. O destino (seja lá o que isso for) reservaria, porém, outros planos para o filho mais velho de Manuel Ferreira Pina e Ester Abrantes Mota, cuja(s) vida(s) Álvaro Magalhães conta com mestria no novo volume da coleção Biografias de Grandes Figuras da Cultura Portuguesa Contemporânea, publicada pela editora Contraponto. São quase 500 páginas nas quais Manuel António Pina (MAP) nos surge em toda a sua extensão. E se é verdade, como diz o autor de “Para quê tudo isto?”, que “nenhuma vida cabe por inteiro num livro”, por mais volumoso que este seja, o amigo de sempre do poeta não se poupou a esforços para rondar de perto a plenitude. A seu favor, o autor de sucessivas coleções juvenis de êxito, de “Triângulo Jota” a “O Estranhão”, contou com um argumento de peso: ele próprio foi testemunha de muitos dos episódios narrados no livro.

Uma das raras fotografias da infância de Manuel António Pina, tirada quando tinha 20 meses. Até se fixar em definitivo no Porto, em 1960, a família de Pina viveria em perto de dez localidades
(Foto: DR)

Companhia quase diária de Pina, assistia à sua relação visceral com as palavras, essas “crianças grandes” com que brincou até ao fim, mas também aos imensos afetos que foi colecionando desde a adolescência. Uma forma porventura de suprir uma carência de infância, marcada pelas constantes mudanças de local de residência, sacrificando assim as amizades entretanto angariadas. ”Quando ele conseguia erguer um mundo afetivo tinha de o abandonar e recomeçar noutro lugar”, reforça Álvaro Magalhães.

Por isso, a chegada ao Porto, quando tinha 17 anos, foi tão decisiva. Pela primeira vez, sem o espetro da mudança periódica de residência, pôde, por fim, criar raízes e formar um núcleo forte de amigos, muitos dos quais se mantiveram ao seu lado até ao fim, e justificariam a declaração de amor sem concessões que fez um dia à sua cidade: “Nasci no Sabugal, mas costumo dizer que me nasci a mim mesmo no Porto”.

O poeta fotografado em 1968, quando tinha 25 anos. Nessa altura, participava em numerosas tertúlias, em cafés e nas casas dos amigos, integrando autênticas tribos poéticas
(Foto: DR)

Numa das epígrafes do livro (a outra pertence a Jorge Luis Borges, um dos seus autores de eleição), MAP afirmava que a sua vida “nada tinha de extraordinário”. A autoavaliação peca, obviamente, por escassez. Por estarmos perante uma das vozes decisivas da literatura portuguesa do derradeiro meio século, mas não só. Afinal, como dizia amiúde a quem o rodeava, “bons escritores há muitos, boas pessoas há poucas” (e, já agora, “boas pessoas que sejam boas escritoras, ainda menos”). Pela vida fora, concentrou amigos à sua volta, cativados por um discurso enleante em que a sabedoria e a humanidade conviviam na perfeição. Tantos que até deram origem à criação de uma espécie de agremiação de afetos, o Clube de Amigos à Espera do Pina, em alusão à sua crónica tendência para estar pontualmente atrasado. Não espantou, por isso, que, ao receber o Prémio Camões 2011, o tenha dedicado aos cultores da amizade, que considerava “a mais bela forma de amor”: “A amizade, nestes tempos em que tudo se desmorona, e a família, que é uma forma muito particular de amizade, ainda são das poucas coisas que vão sobrevivendo”.

Com a memória ao seu lado como “principal interlocutor”, embora sem abdicar de falar diretamente com muitos dos que lhe foram mais próximos, Álvaro Magalhães reconstrói os passos e as etapas do poeta. Não falta, claro está, a evocação detalhada das facetas mais conhecidas de jornalista, poeta ou de autor de livros para a infância. Mas também as menos óbvias, de que são exemplos a prática de artes marciais, a propensão viciante para o jogo, o talento para a bricolage ou a paixão pelo seu Sporting.

Manuel António Pina e a esposa, fotografados a 1 de Maio de 1974, dia em que a Avenida dos Aliados e a Praça da Liberdade receberam uma das maiores manifestações de sempre
(Foto: DR)

A “escavação”, como Magalhães lhe chama, foi tão funda que o próprio confessa até ter sido surpreendido com algumas revelações. A maior terá sido a descoberta da história de amor intensa que manteve com Maria das Dores Machado, jovem com quem namorou sete anos e chegou a ter casamento marcado, em janeiro de 1969. Pouco entusiasmada com a hipótese de ver a filha casar-se com um ateu e um poeta, “o que só lhe garantia um horizonte de miséria”, a família convenceu a jovem a acabar o namoro. Inconformado com a rutura, Pina largou tudo e foi até Lisboa, onde Maria das Dores se encontrava, para procurar recuperar o seu amor, só abandonando a porta da sua casa após a chegada da Polícia. “Foi uma autêntica história camiliana”, destaca Álvaro Magalhães.

Apesar da atenção concedida à bibliografia – cada livro que publicou é comentado através das palavras de ensaístas -, o hábil contador de histórias que era MAP não é deixado ao acaso no livro. O autor de “Para quê tudo isto?” convoca episódios deliciosos, reveladores da sua singular maneira de ser. Como o que envolveu Alberto João Jardim, companheiro de recruta em Mafra, com quem partilhou o beliche. Certa vez, durante uma corrida de 20 quilómetros de cujo desfecho dependia a mobilização para a guerra em África, os dez cadetes que participaram no exercício combinaram chegar todos ao mesmo tempo, frustrando o objetivo dos superiores hierárquicos. A 100 metros do final, Jardim furou o pacto e adiantou-se aos colegas. Só que, fraco e desajeitado como era, foi ultrapassado por todos, incluindo Pina.

Na esplanada do Café Piolho, ponto de encontro da maioria dos intelectuais portuenses de então, a ler o “Jornal de Notícias”, periódico onde começou a trabalhar em 1971. Ladeiam-no na imagem a esposa, Fátima, e alguns amigos
(Foto: DR)

O antigo presidente do Governo Regional da Madeira não é o único político que espreita nas páginas do livro. Além das referências pouco abonatórias sobre as qualidades literárias de Manuel Alegre, que MAP considerava ser o autor de “uma poesia mal acabada” e “com uma retórica muito simples”, a biografia põe a nu a aproximação que José Sócrates fez ao cronista. “Sedutor nato”, José Sócrates procurou conquistar a sua simpatia, tentando esbater o tom crítico dos seus textos. Como os convites para almoçar em São Bento não surtiram o efeito desejado, Sócrates tentou uma derradeira cartada: ofereceu-lhe um lugar na administração da Casa da Música, enquanto representante do Estado. “Ele recusou amavelmente, sem hesitação e sem mágoa. Foi uma das decisões mais rápidas e mais fáceis que tomou na vida”, escreve Álvaro Magalhães. Ao fazê-lo, rejeitou os gabinetes envidraçados com vista para os jardins da Rotunda da Boavista, abundantes em aves, a partir dos quais poderia cumprir a profecia do seu heterónimo Clóvis da Silva: “A poesia vai acabar / e os poetas serão colocados em lugares mais úteis (como observadores de pássaros)”. Por uma vez que seja, a poesia venceu.

Pré-publicação: “Com que palavras e sem que palavras?”

Num dos capítulos da biografia, Álvaro Magalhães descreve a forma intensa como Manuel António Pina viveu o 25 de Abril, imbuído de “uma crença cega, quase infantil”, nos efeitos da revolução.

Uma semana depois da saída do primeiro livro de poesia de Pina, a 25 de abril de 1974, chegou “o dia inicial inteiro e limpo / onde emergimos da noite e do silêncio”, como diz o famoso poema de Sophia. E só a palavra poética pode, de facto, alcançar a inesperada e desmesurada natureza de um dia assim, um dia em que a poesia, o que quer que a poesia seja, desceu à rua e se fez confusamente palavra, abraço, encontro, identidade. “Valeu a pena viver só para viver aquele dia”, disse, um dia, Pina a uma plateia de jovens leitores.

Numa das suas crónicas, descreveu assim esse dia: “Uma manhã despertámos e o sonho (para alguns pesadelo…) era do lado de cá. As coisas, os rostos, as ruas, os nomes, pareciam os mesmos, mas algo de fundamental tinha mudado radicalmente à nossa volta, sem compreendermos bem o quê. Tentávamos cegamente ver no meio de tanta súbita luz com os olhos cheios ainda de escuridão, e muitos dos acidentes (de percurso e de discurso) desses dias tiveram por causa esse deslumbrado encandeamento. Imagine-se o que é, de repente, ao fim de 48 anos de sisudez, fechar os olhos e voltar a abri-los com Fialho Gouveia lendo o Telejornal sem gravata, barba por fazer e cigarro na mão? Tínhamos adormecido num país e acordado (se, de facto, acordáramos) noutro, próximo e espantoso. (…) O português que faláramos há 33 anos não tinha palavras para isso, e a única que éramos capazes de pronunciar, e onde julgávamos que cabia então tudo, era ‘liberdade’. Por isso a gritávamos na rua, sem saber o que dizíamos. Quem se surpreenderá que, durante esse dia absoluto, não soubéssemos onde estávamos nem quem éramos e flutuássemos, náufragos perdidos e felizes, meio metro acima da existência?”.

Biografia de Manuel António Pina integra coleção de Grandes Figuras da Cultura Portuguesa Contemporânea
(Foto: DR)

E onde estava o Pina no 25 de Abril? Na rua, como toda a gente. Era na rua que tudo acontecia. “Desse dia guardo principalmente duas memórias: eu descendo a Avenida dos Aliados, no Porto, arrastado por uma multidão aturdida e semovente, dando a mão à minha mulher grávida com a minha filha de três anos às cavalitas nos meus ombros, surpresa de tanta felicidade à sua volta, levantando também ela o pequenino punho fechado no ar e gritando ‘O povo unidos jamais será vencido’ sem saber o que dizia.”

(…) Nesta altura, Pina vivia com a mulher e a filha Sara num apartamento da Rua do Revilão. Esse apartamento já era pequeno para a família em crescimento, pois a segunda filha do casal, Ana, nasceria ainda nesse ano. Por isso, ele andava à procura de casa. E casas devolutas não faltavam na cidade, por essa altura, como ele próprio conta: “O obstetra da minha filha, que era um professor famoso da Faculdade de Medicina, nas consultas só falava nos comunistas, estava preocupado que lhe levassem as pratas. As pessoas fugiam em debandada geral como se fossem umas baratas, e abandonavam coisas que vendiam por tuta e meia. Estava à venda uma casa que eu cobiçava imenso, por 600 contos, que era muitíssimo barato. Não a comprei porque estava imbuído, como tantos e tantos outros, da crença de que vinha aí o socialismo e que não precisava de comprar casa! Acreditei e envolvi-me mesmo. Acreditei que vinha aí o socialismo, que podia ser uma forma de felicidade coletiva. Não tinha de me preocupar com nada.” Este episódio ilustra bem o nível de crença cega, quase infantil, que a revolução provocava nos que a viveram tão intensamente como Pina.”

Álvaro Magalhães: “Quis restaurar a memória do Manuel António Pina”

Autor da biografia do Prémio Camões 2011 conta que, no início do processo de escrita, ainda tentou esconder a proximidade com o seu amigo de muitas décadas, mas cedo concluiu que era uma tarefa impossível. Apesar de a pesquisa ter sido facilitada pelo grande conhecimento que já tinha do biografado, Álvaro Magalhães afirma que quis evitar que essa ligação “falasse excessivamente”, reservando-a para momentos “úteis e produtivos”.

A longa e profunda ligação entre Manuel António Pina e Álvaro Magalhães – como amigos inseparáveis, mas também enquanto companheiros de escrita em vários projetos, literários e não só – conhece agora mais um capítulo. Na biografia “Para quê tudo isto?”, interrogação que plasma como poucas o seu cultivo permanente da dúvida, Magalhães revisita o escritor e jornalista nascido no Sabugal através das múltiplas (e por vezes antagónicas) facetas. Para Álvaro Magalhães, escrever a biografia foi uma forma mentalmente sadia de atravessar o longuíssimo confinamento, mas sobretudo de se reaproximar ainda mais de um amigo de sempre.

O que diria um mestre da desnecessidade de tudo como o Pina de uma biografia que lhe é dedicada?
Talvez “Para quê tudo isto?”. Também ficaria muito embaraçado. E iria pedir para eu deixar bem claro que a ideia não tinha sido dele. Fez isso com livros de entrevistas e crónicas que outros amigos organizaram.

Durante a pesquisa e a escrita, alguma vez chegou a colocar-se a si mesmo, sobretudo nos períodos de maior desânimo ou descrença, a interrogação que dá título ao livro?
Nem por isso, pois não houve momentos de descrença ou desânimo, só alguns de cansaço. E também por saber muito bem para que era tudo isso. Para restaurar a memória do Pina, para o recuperar, na medida do possível, e para o devolver aos muitos amigos, leitores, admiradores e, enfim, o revelar aos que ainda vão a tempo de o conhecer.

Manuel António Pina e Álvaro Magalhães durante o Salão de Livro de Genebra, em 2001. Nesse ano, Portugal foi o país convidado do certame e levou uma comitiva de mais de meia centena de escritores
(Foto: DR)

Por falar em título, chegou a ele de forma óbvia?
Comecei por dar guarida a outros, menos certeiros. Só sabia que tinha de ser uma pergunta ou não seria uma biografia do Pina. Ele cultivava a dúvida (as minhas certezas são as minhas dúvidas, dizia) e a sua poesia também é toda uma metodologia da dúvida. Nela, fazem-se perguntas e responde-se a essas perguntas com outras perguntas. Por vezes, até as afirmações vêm acompanhadas do seu contrário. Mas que pergunta seria essa? Quando ela apareceu, já muito atrasada, reconheci-a logo. Aquela pergunta era a que ele fazia a toda a hora e era também a pergunta que fazia a sua poesia, que era desencantada, mas nostálgica de um olhar infantil e sempre em busca de uma qualquer razão. Uma pequena razão chegava, dizia ele. Portanto, não foi bem labor, foi mais paciência para esperar. O editor, Rui Couceiro, chamou-lhe “título de alfaiate”, para dizer que é um título feito à medida do biografado, que lhe assenta na perfeição.

É impossível ler esta biografia sem a noção de que foi escrita por um dos maiores amigos de Pina?
Sim, é impossível. A proximidade está à mostra. Ao princípio, tratei de a esconder, por pudor. Depois, fui percebendo que isso era muito difícil e também que essa proximidade poderia ser produtiva, um instrumento de precisão e rigor. Além de criar um laço afetivo com o leitor. E então usei-a. Foi como limpar a lente que filtra os factos e os acontecimentos: a opacidade habitual, que resulta de uma aproximação por mediação, deu lugar a mais nitidez, clareza. Devo dizer também que, sempre que foi possível, pus o próprio biografado a falar e a opinar sobre quase todos os assuntos, dos acontecimentos da infância à sua poesia. Felizmente encontrei material – entrevistas, conversas, textos, crónicas, etc. – que me permitiu fazer isso. Daí que o biografado também acabe por ser autor, embora involuntário, da sua própria biografia.

Os dois autores participaram, ao longo dos anos, em largas dezenas de encontros e tertúlias pelo país fora, nos quais sempre foi evidente a cumplicidade
(Foto: DR)

Conhecer tão bem o biografado poupou certamente muitas horas de pesquisa. Ainda assim, acha que esse conhecimento todo tem também um lado negativo, nem que seja pela maior exigência?
É verdade que poupei muito na pesquisa. Não posso exibir a medalha das centenas de entrevistas, dos milhares de quilómetros percorridos, a tosse provocada pelo pó dos arquivos. Embora muito me tenham ajudado testemunhos de quem partilhou com ele a infância e adolescência, o serviço militar, a vida de revolucionário, para dar só alguns exemplos, o meu principal interlocutor foi a memória. Falo quase sempre a partir de uma interioridade. A dificuldade foi fazer com que essa proximidade, esse afeto, não falassem excessivamente, só quando pudessem ser úteis e produtivos.

Antes de o Rui Couceiro lhe ter feito o convite já tinha pensado na possibilidade de escrever esta biografia?
Nunca tal me passara pela cabeça. Apesar de já ter usado Pina como personagem, nomeadamente em “O senhor Pina”, que até tem um pendor biográfico. Normalmente, os escritores (e os criadores em geral) sonham com as suas obras. Não foi o caso desta. Porém, no final, quando o livro estava acabado, pronto, pensei que estava a sonhar.

Quanto tempo demorou a aceitar o convite?
Uma semana, salvo erro. Foi o tempo suficiente para avaliar a situação, também por já estar ocupado com outros compromissos. Foi na altura em que estávamos a começar o confinamento e lembro-me de ter pensado que se ia ficar fechado em casa durante um ano, ou mais, bem poderia aproveitar a clausura forçada para criar alguma coisa redentora.

A memória foi o maior auxílio de Álvaro Magalhães na altura de escrever o livro. Ainda assim, o biógrafo diz ter recorrido também a numerosas intervenções públicas do escritor
(Foto: DR)

O que não quis que esta biografia fosse?
Quando comecei, não sabia ao certo o que queria fazer, buscava um tom, uma ordem, mas sabia o que não queria fazer: uma acumulação de datas e factos. A exaustão nas biografias deixa-nos – leitores – exaustos. Certas coisas só lá estão por serem as provas de que houve escavação a sério, que as unhas ainda estão sujas de terra. Já dizia Voltaire que “o segredo de ser-se aborrecido é dizer-se tudo”. Creio que foi o próprio Sérgio que disse, no “Jornal de Notícias”, que eu descrevi “com precisão uma vida que tocou muitas outras vidas”. De facto, a precisão foi o meu instrumento principal. Num caso destes, temos de escolher muito, pois não há vida que caiba num livro, por maior que seja. Então, é necessário ser preciso, colher o essencial, o significativo, pois o objetivo final, mais do que erguer uma montanha de resíduos é capturar uma essência.

O livro é pródigo no elogio das qualidades humanas e literárias de Pina. Concorda com a sua visão de que o Mundo precisa mais de boas pessoas do que bons escritores?
Não posso concordar mais. De bons escritores está o mundo cheio. Creio que nunca houve tantos. Boas pessoas é que são mais difíceis de encontrar. Ele era um desses raros exemplos em que a solidez e a qualidade intelectual conviviam naturalmente com a solidez humana. Era um bom escritor e uma boa pessoa. Há um capítulo que trata exclusivamente dessa sua bondade, o coração correndo, desenfreadamente, sempre muito à frente da razão. Considerava que a bondade era a maior de todas as qualidades, pois incluía a beleza, a justiça e a verdade. Quando era pequeno dizia que queria ser santo (também dizia que queria ser Salazar, pensando que isso era uma profissão) e vinha a rezar da escola até casa para investir nessa santidade. Não chegou a tanto e até deixou de rezar e tornou-se ateu, mas talvez esse desejo infantil fosse a raiz da bondade do adulto.