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Os casais discutem cada vez mais em público?

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Texto de Cláudia Pinto

Os tempos mudaram, as gerações também, a irritabilidade parece ser uma presença nos dias. Provavelmente todos nós já presenciámos uma discussão de um casal em público. O que se passa então com as pessoas? Será esta uma tendência mais acentuada atualmente do que em outros tempos?

Ainda que os especialistas que ouvimos defendam que não existe base científica que ajude a clarificar este assunto, notam, na prática clínica, que em gerações anteriores havia “mais pudor” e a ideia enraizada de que “os problemas de casais se resolviam em casa, e não na rua”.

A psicóloga clínica Catarina Lucas defende que, “de forma geral, as pessoas tendem a possuir algum autocontrolo quando estão em público. Contudo, parece que a reatividade e alguma intolerância parecem estar mais presentes, seja em casais, seja nas pessoas de forma global”.

“De forma geral, as pessoas tendem a possuir algum autocontrolo quando estão em público. Contudo, a reatividade e alguma intolerância parecem estar mais presentes, seja em casais, seja nas pessoas de forma global”. (Catarina Lucas, psicóloga)

Motivações à parte, esta é uma queixa que os casais fazem em ambiente de terapia de casal. Não é incomum que nas sessões com o terapeuta venha à baila o tópico das discussões em frente a outras pessoas, maioritariamente amigos ou familiares. “São momentos descritos como negativos e vividos com alguma frustração. Comentam que não apreciam que outras pessoas percebam aquilo que se passa com o casal”, sublinha a especialista.

Também Teresa Marta, coach e fundadora da Academia da Coragem, assiste a descrições sobre discussões em público nas sessões que dá. À “Notícias Magazine” começa por explicar que, ao contrário da psicoterapia convencional, o coaching passa por gerir um processo de mudança pessoal, ou seja, perceber qual a situação existente e as estratégias mais adequadas para ultrapassá-la.

“Tentamos que as pessoas valorizem o que está bem, que é algo a que não estão muito habituadas porque focam-se sobretudo no que está errado. Depois, o coaching pressupõe um plano de compromisso entre o terapeuta e quem procura ajuda. Há trabalho de casa para fazer e voltam 15 dias depois para terem tempo de concretizar aquilo a que se comprometeram.”

Quando acompanha casais, ambos têm de assumir o compromisso e passar à ação. “É esse trabalho que leva à mudança”, salienta Teresa Marta. É que há um facto a que a coach não é indiferente: “As pessoas vão buscar os temas mais incríveis para discutirem em sítios públicos”. Mas não tem de ser assim. Existem estratégias simples que podem ajudar a evitar este constrangimento.

“As pessoas vão buscar os temas mais incríveis para discutirem em sítios públicos”. (Teresa Marta, coach e fundadora da Academia da Coragem)

As frustrações dos casais são salientes nestes encontros. A vida ocupada de hoje restringe as alternativas e o espaço para o diálogo em casa. “Nota-se que as pessoas estão mais impacientes. Estão tão cansadas e massacradas pela rotina diária que deixam de ter possibilidade de falar sobre algumas questões. É quase como levarem para a rua aquilo que não conseguiram resolver em casa”, argumenta a coach.

Catarina Lucas corrobora esta ideia: “Somos cada vez mais egoístas e autocentrados, o que nos deixa menos sensíveis. Além disso, esta é uma sociedade competitiva, que valoriza muito o ter em detrimento do ser. Vive-se com um elevado nível de stresse e irritabilidade devido a todas as exigências atuais”. Tudo isto, baralhado e misturado, parece contribuir para a perceção de que existem mais discussões em público.

Redes sociais versus privacidade
Estamos permanentemente ligados. Temos acesso a tudo de forma célere e cada vez mais imediata. E se as redes sociais podem ser vistas como uma forma de lazer, também se tornaram um local privilegiado para a gestação de conflitos.

“É comum vermos grandes discussões e trocas de comentários, muitas vezes agressivos e ofensivos, até mesmo entre pessoas que não se conhecem. Como estão protegidas atrás de um ecrã, ganham coragem para escrever o que não conseguem dizer frente a frente. A dinâmica de funcionamento das redes sociais é, em si, potenciadora destas discussões, uma vez que facilmente se disseminam conteúdos, muitas vezes provocatórios, ou até mesmo ofensivos, gerando assim atritos”, desenvolve Catarina Lucas. As próprias publicações de um dos elementos do casal parecem suscitar quezílias e são frequentemente tema de conversa.

“Antigamente, quando ainda não havia internet nem televisões privadas, as pessoas chegavam a casa e tinham espaço de conversa. Hoje em dia está cada uma com o seu tablet ou telemóvel, e os pontos de contacto surgem quando saem à rua”, considera Teresa Marta, alertando para o facto de as redes sociais potenciarem a divulgação de situações da vida real que antigamente eram vedadas ao exterior.

Havia maior margem para deixar na intimidade áreas privadas de cada um, enquanto ser individual, e também da vida em casal. Isto vai deteriorando a vida familiar. “As empresas são cada vez mais exigentes e a mulher já não está disposta a prescindir de ter uma vida profissional ativa e de sucesso. Ficam ali os filhos no meio e sobretudo uma relação em que o casal chega a casa cansado, já não há gostos em comum, nem partilha de qualquer espécie”, diz a coach.

É comum ouvir comentários por parte de casais, que aparentemente até se dão bem, como “nem tudo é um mar de rosas, também temos as nossas discussões”. Seja em público, ou em privado, Catarina Lucas sugere “moderação, compreensão e empatia (capacidade de nos colocarmos no lugar do outro). O dia-a-dia do casal não deve ser visto como um campo de batalha em que alguém tem que ganhar. Estão os dois do mesmo lado, por isso o caminho é comum”.

“O dia-a-dia do casal não deve ser visto como um campo de batalha em que alguém tem que ganhar. Estão os dois do mesmo lado, por isso o caminho é comum”.(Catarina Lucas, psicóloga)

Teresa Marta realça que quanto mais autoconsciência e autoconhecimento temos, mais problemas conseguimos ultrapassar. “Não devemos usar uma discussão para lutar com o parceiro. Há que relativizar e deixar para trás algo que pode nem ter assim tanta importância.”

Se remetermos para as discussões fora de espaços públicos em que se cruzam com desconhecidos, e por mais à vontade que os casais tenham com amigos e familiares, é importante preservar a privacidade. Catarina Lucas pensa desta forma: “Quando um casal se expõe demasiado, seja através de conversas, seja através de discussões à frente de outras pessoas, pode mais adiante sofrer dissabores pelo facto de outros terem presenciado e tomado conhecimento de questões mais íntimas do casal. É importante respirarem fundo, acalmarem-se e perceberem que aquele poderá não ser o melhor contexto para discutir ou abordar determinados aspetos”.

“Quando um casal se expõe demasiado, seja através de conversas, seja através de discussões à frente de outras pessoas, pode mais adiante sofrer dissabores pelo facto de outros terem presenciado e tomado conhecimento de questões mais íntimas do casal.” (Catarina Lucas, psicóloga)

A solução pode passar por reservar para a esfera privada a oportunidade de conversarem. Há também situações que podem ser prevenidas ou antecipadas. E não, ninguém diz que é fácil. Mas é possível.

COMO EVITAR DISCUSSÕES À VISTA DE TODOS?

A coach Teresa Marta ajuda a delinear estratégias para tornar as saídas em casal mais positivas e com menos margem para discutir.

1. Canais abertos

É importante ter uma comunicação aberta em casa e falar sobre tudo. Porque se não o fizerem, já não são um casal.

2. Planeamento

Se está decidido a ir às compras ao supermercado ou a um shopping, é benéfico para o casal planear a saída. Há que decidir o que fazer, o que comprar, e tentar respeitar minimamente o combinado. Caso contrário, há sempre um que pode levar o outro à exaustão, mudando os planos a meio da saída.

3. Quem conduz?

Decidir quem conduz e qual o trajeto a fazer pode ajudar, porque a condução é um dos motivos de discordância entre os casais. “O carro acaba por ser um espaço de conversa e discussão, o que é muito interessante enquanto fenómeno social das famílias modernas”, reforça Teresa Marta.

4. Tostões contados

Trace um limite dos gastos que vão fazer. A questão monetária é muito importante e frequentemente motivo de discussão, devendo ser devidamente planeada.

5. Timings

Se um dos elementos do casal encontrar alguém conhecido mas que não faz parte do convívio e do relacionamento da cara-metade, é importante respeitar os timings do outro. Isto pode originar uma discussão em público posterior a este encontro.

6. Sexo acertado

É importante ter as questões sexuais resolvidas e um ritmo saudável a este nível.

7. Silêncio de ouro

Uma das regras de ouro resume-se a “não transportar para a rua questões que geram conflitos em casa”. Não reaja a provocações, dê algum desconto. Remeter-se ao silêncio é sinal de inteligência emocional.