Texto de Alexandra Tavares-Teles
Depois da música e do misticismo, a política. Roberto Leal, o eterno emigrante português no Brasil, anunciou a candidatura a deputado estadual pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em São Paulo.
A pensar na “população carente”, tem propostas na “saúde, cultura e educação”. Quem o conhece de perto garante que raramente entra em combates à partida perdidos ou alinha em moinhos de vento. Pragmático, Roberto Leal arrisca mesmo vencer a eleição.
Como arriscou, com sucesso, nos anos 1970. Então, no Brasil para onde emigrou com 11 anos, “bonito era ser inglês ou italiano”. O português, “o cara do bigode, o bacalhau, era muito gozado”, conta em entrevistas.
Ajudado pela “cara de nórdico”, ganhou fama a cantar “Bate o pé” ou “Arrebita”, compósito abrasileirado a saber a folclore português e a romântico brega. Engana-se, porém, quem julgar Roberto Leal “simplesmente um piroso” (palavras do próprio).
É sua a pesquisa etnográfica sobre música popular portuguesa de que resultaram, gravados em mirandês, “Canto da terra” e “Raiç/ Raiz”. É sua a descrição, reveladora de sentido de humor e noção do ridículo: “Eu era um português de cabelo louro comprido que se vestia como uma árvore de Natal.”
Júlio Isidro, que o entrevistou mais do que uma vez, descreve “um homem que se propôs ganhar uma vida e conseguiu descobrindo um estilo”.
Roberto Leal emigrou para o Brasil em 1962 com os pais e nove irmãos. Em São Paulo vendeu doces e foi sapateiro. Mas a energia colocada em “Arrebita”, após aparição no programa “Buzina do Chacrinha”, espantou a audiência e rendeu muita popularidade.
Por cá foi diferente. “A minha maior dificuldade sempre foi Portugal”, diria. “Aqui há guetos, separações, preconceitos.” Em 2011, vence a sitcom “Último a sair”, um falso “reality show “de Bruno Nogueira. “Desfiz, finalmente, aquele boneco do homem vestido de branco”, diz no final, numa alusão à sua fase mais mística, em que fazia lembrar, na roupa, pose e discurso, um pregador.
Tozé Brito, diretor de artistas e repertório da Polygram no início dos anos 1980, fala à NM sobre o preconceito em relação ao cantor emigrado: “Quando nos anos 80 me convidou para escrever para ele, hesitei. Estava a compor para a Simone, para o Carlos do Carmo, para o Herman, para o mega sucesso que eram as Doce. Mas quis ver o que dava, decidido, em último caso, a usar um pseudónimo.”
Foi recebido no Galeão por um Roberto de franja farta e amarela, “pessoa educadíssima e gentil” que o deixou de boca aberta pela popularidade: “Um percurso de dois minutos demorou mais de meia hora. Abordado constantemente, uma loucura.” Mais: “Muito profissional, nada era deixado ao acaso. Portanto, não só assumi a autoria das canções como espalhei, no regresso, o quanto ele era grande no Brasil.”
Quase todo o seu repertório é composto de faixas de sua autoria e em parceria com a esposa Márcia Lúcia, com quem é casado e tem três filhos brasileiros, entre eles o produtor musical Rodrigo Leal. Mais de 17 milhões de discos vendidos em quase 50 anos de carreira, quer continuar a “reinventar-se”.
Para muitos continua um mistério. “Tenho a sensação de que ninguém o conhece bem. Nunca se soube ao certo o que está dentro daquela personagem”, diz Júlio Isidro. Tem razão.