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Há uma corrida aos eucaliptos antes que a lei os proíba

Oito meses depois, a estrada onde morreram 47 pessoas volta a estar cheia de eucaliptos, as árvores que os ambientalistas dizem ser mais propensa ao fogo.
Em março entra em vigor nova lei que proíbe novas plantações, mas as autoriza nos locais onde ela já existia.
Para os ecologistas, é a oportunidade perdida de reformular a floresta portuguesa.
E acusam o governo de continuar a beneficiar os interesses das empresas de celulose, que exigem um volume cada vez maior de madeira para alimentar a indústria.

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Texto de Ricardo J. Rodrigues | Fotografias de Rui Oliveira/Global Imagens

Quem atravessasse na semana passada a EN 236 não podia deixar de reparar nos eucaliptos que já crescem fortes no meio das cinzas.

As margens do alcatrão que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pera – onde, ao quilómetro cinco, 47 pessoas perderam a vida no incêndio de 17 de junho – mostram um cenário simultaneamente aterrador e inquietante.

A contrastar com a negritude do arvoredo que o fogo queimou brotam já troncos de metro e meio de altura, verdes e fortes. São eucaliptos, as árvores mais controladas pelo novo plano de reforma da floresta portuguesa.

«A oportunidade de reformular verdadeiramente a floresta está a perder-se a cada dia que passa.»

A lei, que só entra em vigor em março, proíbe novas plantações de eucalipto, mas não as impede onde elas já existiam. Várias organizações ambientalistas classificam a espécie como «um pasto de chamas».

«O que acontece na EN 236 está a repetir-se por toda a região centro do país», acusa João Camargo, investigador em alterações climáticas e dirigente do Bloco de Esquerda.

«Sabemos que o eucalipto, a menos que seja travado, renasce com maior intensidade nas zonas de incêndio. É o que está a acontecer neste momento. A oportunidade de reformular verdadeiramente a floresta está a perder-se a cada dia que passa.»

Um cartaz na estrada onde morreram 47 pessoas a 17 de junho de 2017. Nas margens do alcatrão, os eucaliptos voltam a crescer.

Não são só as árvores que nascem espontaneamente das cinzas a causar preocupações entre os ecologistas. Também a procura de sementes melhoradas, produzidas pelas empresas de celulose para cultivo intensivo, está a causar preocupação.

Na semana passada, a TSF noticiava que a corrida para evitar a lei de reforma da floresta estava a esgotar os eucaliptos nos viveiros. Agora, à Notícias Magazine, o presidente da ANEFA (Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente), reforça a ideia.

«Apesar de o governo ter criado um plano transitório para que não se pudessem plantar novas árvores até de março», diz Pedro Serra Ramos, «sabemos que há muita gente a aproveitar áreas incultas, que deviam estar em poisio, para recuperar o eucaliptal».

O desordenamento florestal voltou em toda a força: há uma corrida desenfreada às sementes melhoradas de eucalipto e as áreas ardidas regeneram sem qualquer controlo da espécie.

Estes pés de árvore, criados em pomares especializados das empresas de celulose, permitem um crescimento mais rápido e denso, rentabilizando cada hectare de terreno. «Juntando este cultivo apressado com a regeneração descontrolada das zonas ardidas, está a renascer uma floresta absolutamente desordenada.»

João Camargo diz que são novamente os interesses das empresas de celulose que estão a ser defendidos na paisagem portuguesa. «É uma indústria sobredimensionada, as fábricas não param de crescer e exigem um volume cada vez maior de madeira.»

Pedro Serra Ramos inquieta-se com aquilo a que chama «uma real falta de vontade de mudança» das políticas florestais do país.

«O país continua a apoiar as celuloses e não se criam alternativas para os produtores. Por exemplo, porque não apoiar as sementeiras melhoras de carvalho, que façam árvores mais direitas e com melhores usos para a indústria do mobiliário?»

Os produtores, garante, não deixarão de plantar aquilo que lhes der melhor rendimento. «O que não podemos é continuar a centrar o rendimento da floresta portuguesa numa única espécie e numa única indústria.»

Quase um milhão de hectares do território português é coberto por eucalipto glóbulo. Uma mancha que serve sobretudo um propósito: alimentar a indústria da celulose.