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Ruby Bridges foi primeira criança negra numa escola de brancos no Louisiana

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Texto Carla Macedo

Os primeiros dias de escola de Ruby foram marcantes. Na fotografia a preto e branco vê-se uma pasta carregada por uma menina pequena e magrinha, num vestido de balão com um casaquinho branco. Enquanto a menina sobe os oito degraus da Primary School, de um lado e do outro, polícias ajudam-na a entrar em segurança.

Ruby tem 6 anos, a mobilidade normal de uma criança, mas teme-se que não consiga chegar à escola sã e salva. Ela é a primeira criança negra a frequentar uma escola pública, até então, só para brancos, a William Frantz Elementary School.

É difícil aferir o impacto que uma missão como esta possa ter na vida de uma criança. Em 1960, no Louisiana, sul dos EUA, iniciava-se o processo de «dessegregação». A luta pelos direitos civis dos negros americanos está no auge: em 1955, Rosa Parks tinha sido presa por se recusar a dar lugar a uma branca num autocarro; Martin Luther King fazia discursos inflamados pelos direitos civis dos negros; Malcom X atravessava a sua fase mais radical, acusado pelos detratores de ser suprematista negro.

Teoricamente, negros e brancos tinham direito às mesmas condições de estudo em escolas separadas. Na prática, os afroamericanos estudavam em condições muito degradantes.

Na justiça, o Supremo Tribunal tinha decidido, no caso Topeka vs. Brown, que a segregação racial nas escolas era anticonstitucional. Teoricamente, negros e brancos tinham direito às mesmas condições de estudo em escolas separadas, cumprindo-se dessa forma uma norma de 1896. Na prática, os afroamericanos estudavam em condições muito degradantes. Só em 1964 é aprovada a lei que inibe a discriminação no acesso ao trabalho por causa da cor da pele.

Ruby Bridges nasceu em 1954, no mesmo ano em que o Tribunal Constitucional (TC) decide acabar com a discriminação escolar baseada na raça. Parece predestinada para a tarefa de mostrar à América mais conservadora que é possível negros e brancos viverem juntos, em pé de igualdade. Mas não é uma tarefa acabada nesse ano de 1960: é um processo em curso e um processo duro.

A caminho da escola maioritariamente branca, Ruby Bridges, escoltada pela polícia, é insultada, humilhada e ameaçada de morte.

O ano letivo começa em outubro e em novembro sai a autorização para as crianças negras frequentarem as escolas de Nova Orleães. A caminho da escola maioritariamente branca, Ruby Bridges, escoltada pela polícia, é insultada, humilhada e ameaçada de morte. Ruby, Leona Tate, Tessie Prevost e Gail Etienne – estas três na outra escola que receberá negros nesse ano – são as quatro meninas negras que estão prestes a tornar-se mártires dos direitos civis dos negros americanos.

A decisão do TC americano desagrada a muitos dos brancos que se manifestam publicamente contra a nova norma. O processo de dessegregação não é pacífico em Nova Orleães. As autoridades escolares adiam ao máximo a colocação de alunos negros nas escolas dos brancos e, reconhecendo a inevitabilidade do processo, escolhem apenas duas primárias para a entrada de alunos negros – duas escolas situadas nos bairros brancos mais pobres da cidade.

Foram os pais de Ruby que decidiram que o seu futuro passaria pela resistência à supremacia branca. Naquela época eram precisos voluntários para percorrer este caminho.

Uma delas é a William Frantz Elementary School. A 16 de novembro de 1964, depois das ameaças à integridade física da criança e do boicote dos brancos à escola que agora receberia negros, a polícia é obrigada a intervir. Ruby e a mãe são escoltadas o ano inteiro para que a criança consiga ir à escola em segurança.

Foram os pais de Ruby que decidiram que o seu futuro passaria pela resistência à supremacia branca. Naquela época eram precisos voluntários para percorrer este caminho. Abon e Lucille Bridges responderam ao apelo da Associação Americana para o Avanço das Pessoas de Cor e é atribuída à mãe a frase que terá dito nestes dias à filha: «É preciso tomar este passo pelas crianças afro-americanas.»

Ruby recorda a associação que fez quando viu a multidão em fúria para a receber na escola: «Pessoas a gritar, coisas atiradas ao ar, eu pensava que era o Mardi Gras [Carnaval local].»

Mas a população escolar recusa-se a integrar Ruby nas turmas e é preciso vir uma professora de Boston, Barbara Henry, para ensinar as primeiras letras à criança. Ruby dirá depois que passou «o ano inteiro à procura das outras crianças». Mrs. Henry torna-se um apoio fundamental para Bridges: «Ela é branca, ainda está viva e é a minha melhor amiga», afirmou a ativista em 2014.

Numa entrevista ao News Hour, em 2010, Ruby recorda a associação que fez quando viu a multidão em fúria para a receber na escola: «Pessoas a gritar, coisas atiradas ao ar, eu pensava que era o Mardi Gras [Carnaval local].»

O pai perdeu o emprego, a mercearia onde a família se abastecia recusou servi-los e até os avós, que eram rendeiros no Mississipi, foram expulsos das terras que trabalhavam. Ruby recorda, porém, o apoio que os pais tiveram dos vizinhos de todas as cores, como o pastor metodista que levou a filha à escola quando quase todos os outros brancos se recusavam a fazê-lo.

Em 1990, um dos irmãos de Ruby morre num tiroteio relacionado com o tráfico de droga e ela passa a levar a sobrinha à escola. A escola é a mesma em que ela andou. Nessa altura, começou a olhar para o seu passado de forma diferente.

Ruby completou a escola secundária, trabalhou 15 anos numa agência de viagens, casou-se e deixou o trabalho para se dedicar aos quatro filhos. Diz que nunca se viu como uma criança especial e nos primeiros anos da idade adulta tinha como objetivo «viver uma vida normal».

Em 1990, porém, um dos irmãos de Ruby morre num tiroteio relacionado com o tráfico de droga e ela passa a levar a sobrinha à escola. A escola é a mesma em que ela andou, a William Frantz. Nessa altura, começou a olhar para o seu passado de forma diferente e a olhar para o meio envolvente com a atenção – a pobreza que grassava fê-la temer que aquele voltasse a ser um lugar de segregação, agora por razões económicas.

Bridges envolve-se na escola como voluntária, organiza um clube de artes e pouco depois cria a sua própria fundação. E torna-se ativista dos direitos humanos. A missão da Ruby Bridges Foundation é fazer que «o coração puro» com que todas as crianças nascem se mantenha puro.

«Os nossos bebés não sabem nada sobre ódio ou racismo. Mas rapidamente começam a aprender – e apenas por nós. Nós mantemos o racismo vivo. Passamo-lo para os nossos filhos. Devemos isto às nossas crianças, ajudá-las a manter o coração puro, como no início da vida.» Para isso, Ruby Bridges viaja pelos EUA e no estrangeiro, muitas vezes acompanhada da sua professora primária, para contar a sua história e sensibilizar as crianças para a igualdade.

Ruby vem a Lisboa para participar na conferência «Em Que Pé Está a Igualdade?», organizada pela Fundação Francisco Soares dos Santos. Contará a sua história de vida, inspirará à mudança e há de falar também, se seguir o guião que tem usado internacionalmente, da importância de ensinar a verdadeira história, aquela que conta também a escravatura, o processo dos movimentos dos direitos civis em que negros e brancos «todos juntos lutavam pelo que era justo».

E falará da necessidade da alteração das leis para dar oportunidades reais aos mais desfavorecidos. Ela sabe do que fala. Ela foi a primeira menina negra a poder estudar numa escola para todos, em Nova Orleães, porque a lei mudou.

Conferência FFMS
Em Que Pé Está a Igualdade?

Ruby Bridges vem a Portugal para participar no encontro Em Que Pé Está a Igualdade?, promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no dia 30 de setembro. O encontro quer medir o pulso à sociedade portuguesa e ao mundo no que toca à distribuição da riqueza, acesso à escolaridade ou ao emprego. Os filósofos Pierre Rosanvallon e Philippe Van Parijs, os economistas de Branko Milanovic, Richard Baldwin e Ana Rute Cardoso, o historiador Gregory Clark e os escritores Gonçalo M. Tavares e Richard Zimler estão entre os convidados. O encontro decorre no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, já tem a lotação esgotada mas será possível acompanhar as palestras em direto, no site da fundação.