Sem o efeito estufa a temperatura média da Terra seria de 18º C negativos em vez dos confortáveis 16º C positivos. O efeito estufa é como os impostos: são necessários mas é um problema quando sobem. Há gases capazes de absorver radiação infravermelha, que é a devolvida pela superfície da Terra em troca da luz do Sol. Quando aumenta a concentração de dióxido de carbono (como resultado da queima de combustíveis) ou de metano (das flatulências dos bifes que ainda andam a pastar) a atmosfera retém mais calor e o planeta aquece. Por isso em 1997 vários países negociaram em Quioto, no Japão, um protocolo em que se comprometiam a reduzir as emissões destes gases.
No ano seguinte uma petição iniciada no Estado norte-americano do Oregon pedia ao governo dos Estados Unidos para rejeitar o protocolo de Quioto. Defendia que a limitação dos gases de efeito estufa iria «impedir o avanço da ciência e da tecnologia e prejudicar a saúde e o bem-estar da humanidade». Mencionava ainda a existência de «provas científicas substanciais de que o aumento de dióxido de carbono na atmosfera poderá ter um efeito benéfico nos ambientes vegetais e animais da Terra». Um delírio que foi assinado por 31 mil pessoas, nove mil das quais alegaram ser doutoradas.
Em 1998, o Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC) já tinha feito três relatórios, que reviam toda a literatura científica acerca de alterações climáticas. Embora tivessem algumas falhas, mostravam que o planeta estava a aquecer e que a responsabilidade era nossa. A petição do Oregon foi uma manobra de diversão. Neste caso, pouco interessa o que pensam 31 mil pessoas. Há certamente 31 mil pessoas que acreditam que os gatos vêm de outro planeta ou que as tampas do esgoto são portais para outras dimensões. Interessam as provas. E essas, volvidos mais dois relatórios do IPCC, consolidam a ideia de que o planeta está a aquecer e que é necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Não há nenhuma controvérsia científica acerca disto. Há confusão lançada propositadamente. Esta foi a primeira de muitas manobras dos negacionistas, que procuram alimentar uma polémica sem fundamento científico.
O protocolo de Quioto expirou em 2012. Começa amanhã em Paris uma conferência climática da ONU, em que se tentará alcançar um novo acordo global para limitar as emissões de gases de efeito estufa. Esperemos que a razão prevaleça sobre a confusão.
PERISCÓPIO
OS PRÓXIMOS CEM ANOS NA FUNDAÇÃO CHAMPALIMAUD, EM LISBOA
Tem circulado nas redes sociais um conjunto de postais da autoria de artistas franceses, publicados entre 1899 e 1910, imaginando como seria o mundo daí a cem anos, nos quais se inclui um estranho jogo de críquete subaquático ou um carteiro montado numa geringonça voadora, entre outras apostas bem mais acertadas. Esta é também a ideia da conferência The Unknown 100 Years from now, que conta com a participação de Jorge Sampaio, António Guterres, Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente do Brasil), Tim Berners-Lee (criador da Word Wide Web), Sydney Brenner (Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina), António Damásio, entre outros oradores excecionais. Nos próximos dias 4 e 5, vão discutir como será a vida em 2115, moldada pela ciência, medicina e tecnologia. Não será fácil arranjar um lugar sentado, mas a conferência tem transmissão através da internet (isso não estava nos postais). Mais informações: www.fchampalimaud.org
[Publicado originalmente na edição de 29 de novembro de 2015]