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Fui traído e toda a gente sabe. E agora?

Fotos: AdobeStock

Há casos em que o tópico da infidelidade é trazido para o digital pela “mão” da própria pessoa que foi traída

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Perdoar ou não, eis a questão. Diversos fatores pesam na decisão após uma traição, mas será que a opinião dos outros deve ser um deles? E quando a traição chega à esfera pública, a opinião de desconhecidos deve contar? É mais difícil ultrapassar quando toda a gente sabe? Dos famosos aos influenciadores, passando por pessoas comuns com exposição digital, as dúvidas com as quais se podem debater num momento de infidelidade.

“Se um assunto privado se tornou público, o pedido de perdão tem que ser público.” A frase tem corrido tinta nas revistas sobre figuras públicas e tem gastado tela nas redes sociais de quem procura saber tudo sobre os famosos. A afirmação pertence a Neymar, postada recentemente na plataforma Instagram, depois de especulação sobre uma possível traição do jogador de futebol brasileiro à namorada, Bruna Biancardi. Neymar confirmou. Em público, para que todos pudessem ler que estava a pedir desculpa à companheira. A infidelidade foi exposta na Internet por Fernanda Campos, a pessoa com quem Neymar traiu a namorada.

Mas, afinal, o digital é o local para se resolver problemas de um casal? Bem, depende da opinião de cada um. Mas antes de sabermos o que os especialistas dizem, juntemos ao recente caso de Neymar, as palavras (quase opostas) de Beyoncé. No álbum lançado no ano passado, a cantora norte-americana refere a infidelidade do marido Jay-Z (ocorrida há cerca de dez anos e que, apesar da exposição pública, não ditou o fim da relação), afirmando numa das letras: “Não precisamos da aceitação do Mundo/Eles são demasiado duros comigo, eles são demasiado duros contigo”. Neste caso, a opinião pública não pesou.

Mas há outros desfechos menos felizes, depois de uma traição ser tema público. Recorde-se que um vídeo do então namorado de Khloé Kardashian envolvido com duas outras mulheres correu a Internet e provocou a primeira de muitas quezílias entre o casal. Ao longo dos anos, vários pedidos de desculpa por parte de Tristan Thompson e várias explicações da situação por parte da Kardashian foram sendo reveladas nas redes sociais. E, como este caso, tantos outros.

Comecemos pelo básico. Fui traído. E agora? O que pesa na decisão de perdoar (ou não)? “A decisão de perdoar uma traição e manter uma relação após a infidelidade é complexa e pode ser influenciada por diversos fatores”, nota Joana Arantes, especialista da área da Psicologia Social. “Realizamos um estudo com mais de 1200 participantes (homens e mulheres) e os resultados mostraram que as pessoas tendem a perdoar mais quanto maior for o investimento que já fizeram na relação (por exemplo, em termos de tempo e de esforço).”

Mais exposição, mais julgamento

Ainda assim, parece haver fatores externos que também entram na equação, com “as normas e os julgamentos sociais, assim como a pressão dos pares, a desempenhar também um papel importante na decisão de perdoar uma traição ou terminar o relacionamento amoroso”. A “preocupação com a imagem social” foi, aliás, um dos pontos levantados por diversos participantes. “Aqueles que percebiam maior desaprovação social em relação ao perdão eram menos propensos a perdoar comportamentos extra diádicos”, explica a investigadora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Podemos então perceber que, havendo maior exposição pública da relação, e, por consequência, maior permeabilidade a que se recebam opiniões desaprovadoras da traição, há uma maior probabilidade de se decidir não perdoar.

A psicóloga clínica Inês Oliveira realça que são as relações mais próximas de nós que têm um impacto primordial. “Quando confrontados com a necessidade de refletir sobre a continuidade de uma relação após uma traição, a possível opinião de pais, sogros, amigos, filhos, entre outros, sobre o assunto pode ter algum peso na decisão, porque são pessoas próximas que mais facilmente poderão questionar os motivos da separação ou dar a sua opinião sobre a mesma.” Além da questão da proximidade, é também nestas pessoas que vão, em primeiro lugar, procurar algum tipo de apoio emocional. “Num momento que pode ser de fragilidade, procuramos suporte externo e não mais fontes de sofrimento ou angústia, como poderia ser enfrentar alguns comentários ou opiniões de outras pessoas.”

Isto porque, “o facto de vivermos numa era digital, em que a informação se propaga muito rapidamente e em grande dimensão, pode trazer consigo o desafio acrescido de ter de se lidar com o julgamento de muitas pessoas”, acrescenta Inês Oliveira. “Antigamente, podia acontecer algumas pessoas saberem, mas era necessário encontrarem-se ou surgir em conversa. Com o mundo digital, e a facilidade que daí advém em comentar, questionar, partilhar juízos e julgamentos, quem se confronta com uma traição, pode sentir-se muito observado pelos outros.”

O peso do digital

Nesta ideia de dificuldade acrescida no sofrimento quando a vida é exposta digitalmente, Joana Arantes corrobora a psicóloga, afirmando que “é mais difícil lidar com uma traição quando essa se torna pública, uma vez que a exposição social faz com que as emoções sejam exacerbadas, e as consequências negativas a longo prazo tendam a ser mais severas”. Após descobrir a infidelidade, a investigadora indica que a pessoa traída experiencia, normalmente, choque, raiva e ruminação. Quando a traição se torna pública, “tem ainda de enfrentar os julgamentos sociais e a pressão pública”.

Há casos em que o tópico da infidelidade é trazido para o digital pela “mão” da própria pessoa que foi traída. Porquê? “Muitas vezes há necessidade de deitarmos cá para fora o tipo de relação que temos e de sentir alguma forma de apoio, mesmo que seja por parte de desconhecidos”, destaca Fernando Mesquita, psicólogo clínico, terapeuta de casal e sexólogo. “Quando se dá o fim de uma relação, muitas vezes as pessoas publicam informações sobre o término, sobre o que aconteceu, como se estivessem à espera de uma validação em relação ao sofrimento que estão a ter naquele momento.”

Mas nem sempre essa validação ou apoio chegam, podendo ocorrer o exato contrário. “O problema é que muitas vezes deitam cá para fora muita informação que acaba por ser mais prejudicial do que benéfica, no sentido em que podemos estar sujeitos a comportamentos de cyberbullying.” Independentemente do desfecho após uma traição, tanto sobre quem traiu como sobre quem foi traído recairão reações tanto negativas como positivas.

Pensar antes de postar

Nesta linha, o especialista Fernando Mesquita alerta para a exposição digital excessiva, salientando que, antes de partilhar detalhes pessoais nas redes sociais, devemos refletir se estaremos preparados para as consequências dessa partilha, quer seja no imediato ou a longo prazo.

No caso de se tratar de uma figura pública, a exposição da vida privada nem sempre é (ou não o é na maioria das vezes) intencional, por isso, “quando se trata de alguém com grande exposição pública, a pessoa pode sentir uma necessidade acrescida de justificar publicamente o que aconteceu e a sua decisão”. Como para se defender. Terá sido o caso do Neymar.

“As pessoas que seguem estas personalidades sentem proximidade com ela, e apesar desta proximidade não ser real (uma vez que não conhecem verdadeiramente aquela pessoa, nem a sua vida), sentem-se legitimados para questionar o que aconteceu”, assinala Inês Oliveira. “Muitas vezes de uma forma invasiva e pouco empática.” Dada esta invasão da privacidade, justificar-se publicamente “pode ser uma forma de se tentar proteger desta invasão pública da sua esfera privada”, remata a especialista em psicologia.

Perdoar porque alguém o fez?

E não são apenas os comentários alheios que influenciam as figuras públicas a tomar decisões. O contrário pode acontecer. Joana Arantes, da Escola de Psicologia da UM, explica. “Somos constantemente bombardeados na Internet com casos de infidelidade de celebridades e os desfechos dessas situações, que às vezes resultam em separação, como no caso do Piqué e da Shakira, e outras vezes em reconciliação, como no caso de Neymar e Bruna. As decisões dessas celebridades podem influenciar o comportamento das pessoas que as seguem, principalmente se as admiram e veem como modelos a seguir.” Ou seja, se uma figura pública de quem sou fã perdoou uma traição, é provável que eu esteja mais aberto a fazê-lo.

Mas voltemos a quem trai e é traído e vê a sua vida exposta no digital. Inês Oliveira retoma o discurso para sublinhar que “o facto de muitas pessoas terem conhecimento do que aconteceu, tecerem opiniões pessoais ou mesmo extrapolarem as informações existentes, pode dificultar a forma como se lida com uma traição”. “É um momento de fragilidade, questionamento, dúvida, e ter de lidar com um grande número de comentários, opiniões, mensagens, notícias, pode causar ainda mais sentimentos de vergonha, humilhação, raiva ou tristeza.” Não tenho de lidar apenas com o impacto na relação, mas também com o resultado do escrutínio.

A primeira razão para a exposição pública dificultar a gestão de um caso de traição é o recordar constante. O sexólogo e terapeuta de casal Fernando Mesquita diz que “termos de lidar constantemente com a informação sobre a situação vai fazer com que a própria pessoa reviva o momento e, por sua vez, isso vai fazer com que o processo de luto se prolongue por mais tempo”. “Se estamos sempre a reviver o momento traumático, isso não permitirá que as fases de um luto se desdobrem de forma natural.” É como se, de forma repetida, sempre que o caso reaparece nas redes sociais, todo o sofrimento começasse de novo.

O género (ainda) importa

E tem mais peso ser um homem ou uma mulher a trair? “De um modo geral, qualquer traição é alvo de crítica e julgamento”, começa por aferir Inês Oliveira. “A visão que domina na nossa sociedade é a da monogamia e, consequentemente, a fidelidade, pelo que o ato de trair é visto pela maior parte das pessoas como condenável. Mas vivemos também numa sociedade muito patriarcal. Em que culturalmente, é aceite que o homem possa trair com mais naturalidade, pois ‘faz parte da sua natureza’. Já a mulher é vista como dedicada, fiel, zeladora e cumpridora, pelo que quando os seus atos não correspondem a essa imagem, pode levar a ainda mais questionamentos e julgamento por parte da sociedade.”

No consultório, Fernando Mesquita assiste recorrentemente a como esta forma enviesada de crítica afeta o comportamento dos pacientes, uma vez que, pela sua experiência como terapeuta de casal, acredita que “quando a traição é feita por uma mulher, é muito mais difícil os homens aceitarem esta situação do que quando o contrário acontece. Ou seja, é mais fácil a decisão de continuar a relação partir de uma mulher traída do que de um homem traído”.

Pelo lado académico, a investigador em Psicologia Social, Joana Arantes, atenta que “os estudos mostram que a traição por parte de um homem tende a ser mais aceite pela sociedade, enquanto a traição por parte de uma mulher tem tendência a ser mais estigmatizada e julgada com mais severidade”. A profissional acrescenta ainda que “a literatura mostra uma tendência de culpabilização das mulheres vítimas de infidelidade” – recorde-se do caso de Cristina Ferreira e António Casinhas, no qual, vários anos após a traição e o término da relação, a apresentadora afirmou ter-se sentido culpada pelo que aconteceu.

No entanto, Arantes esclarece que “essas perceções estão a mudar, e que as pessoas têm vindo a reconhecer a importância da igualdade de género e a questionar os estereótipos tradicionais que levam a um julgamento desigual”. “É também relevante destacar que houve recentemente uma mudança no discurso público. Existe uma tendência maior para se deixar de culpabilizar as mulheres nessas situações e responsabilizar os homens casados. Podemos observar essas alterações nas dinâmicas através da reação do público em geral aos casos recentes de infidelidade por parte de celebridades, como é o caso do Piqué e da Shakira.” Quantos não elogiaram a música da cantora?