A medicina como legado

Mais do que a carreira e a especialidade, receberam como herança os valores humanos, a forma de lidar com os doentes e o cuidado na prática clínica. O neuropediatra Nuno Lobo Antunes não ficou indiferente às doenças do cérebro mas, ao contrário do pai, percebeu rapidamente que iria tratar crianças. Carlos Robalo Cordeiro é pneumologista e sempre soube que queria ser médico. Maria José Rego de Sousa e José Germano de Sousa apaixonaram-se pela magia do laboratório do pai e, tal como ele, são patologistas clínicos. Margarida Gonçalo ainda hesitou mas acabou por seguir os passos da mãe na Dermatologia. João Espregueira-Mendes fecha o ciclo de três gerações ao prosseguir carreira em Ortopedia e Traumatologia. Seis médicos, cinco especialidades, várias histórias para contar. Um legado que ultrapassa os laços de sangue.

Nuno Lobo Antunes
Neurologia

Inicia a entrevista a citar o seu próprio pai: “Os filhos começam por amar os pais, passando depois por criticá-los e, no fim, talvez lhes perdoem”. João Alfredo Lobo Antunes era, aos olhos do filho, “uma pessoa muito severa”. “Mas tenho de lhe tirar o chapéu porque, juntamente com a minha mãe, educou seis filhos e todos eles sobressaíram no seu campo de atividade e dentro do panorama nacional.” A notoriedade nacional e até internacional, no caso de alguns dos filhos, foi fruto do rigor que era transmitido em casa. “O valor que era dado ao trabalho, ao caráter, à honra, à verdade e um ambiente cultural variado” eram premissas familiares.

“No entanto, não eram pessoas particularmente afetuosas e, se calhar, cada um de nós lamenta um pouco não ter tido mais esse lado. Não sei os motivos e interrogo-me, mas, seja como for, essa prática social não é repetida.” Curiosamente, salienta Nuno Lobo Antunes, essa característica não se estendia à prática clínica. “Era genuinamente terno com os doentes e isso era algo que não se revelava em casa.”

Dos seis filhos, três seguiram Medicina. “Eu adoeci muito gravemente aos três anos, estive perto de morrer. E as minhas primeiras memórias são referentes ao hospital”, partilha. Lembra-se de acompanhar o pai ao trabalho por volta dos 12 anos e de gostar “do cheiro, daquele ambiente e contexto”. Nunca pensou ser outra coisa e acredita que o pai ficou satisfeito com a opção. “Ele nunca o afirmou, mas tenho a certeza de que havia uma aprovação implícita. O meu pai era neurologista de adultos, o meu irmão António era psiquiatra, o meu irmão João era neurocirurgião e eu sou neurologista de crianças. Nenhum de nós verdadeiramente se confrontou no campo exato do pai nem assumiu o mesmo papel, apesar de estarmos todos à volta deste eixo do cérebro, o que não deixa de ser curioso.”

Decidiu ir para Medicina para seguir Pediatria porque os pediatras com que contactou quando era criança eram os adultos que o tratavam com “mais atenção, mais carinho e mais sorrisos”. De tal modo, isso foi marcante. “Eu gosto genuinamente de crianças e a Neurologia acabou por se instalar inevitavelmente por influência do meu pai e do António Damásio.” Certo dia, no laboratório do neurocientista português, confrontou-se com um livro “Neurologia pediátrica” e teve uma espécie de epifania. “Foi nesse momento que decidi que poderia juntar os meus dois amores, a Pediatria e a Neurologia enquanto ciência e interesse intelectual.”

Nuno Lobo Antunes, 67 anos, é neurologista pediátrico e filho do médico neurologista João Alfredo Lobo Antunes, nascido a 28 de fevereiro de 1915 e falecido a 10 de junho de 2004
(Foto: Rita Chantre/Global Imagens)

O pai era um verdadeiro apreciador de arte, tinha um gosto literário apurado, mas era sobretudo melómano. “Foi muito avançado para o seu tempo e era tão crítico que passava a vida a escrever e nunca publicou nada, exceção feita à sua tese de doutoramento. “Nunca achava que fosse suficientemente bom.” É, por isso, um motivo de orgulho ter publicado vários livros, artigos científicos nacionais e internacionais. “Foi uma ousadia e um ato de coragem pessoal ter escrito algo depois de o meu irmão António e de os ensaios do João, com uma profundidade que eu não almejo.”

Com internato complementar de Pediatria pelo Neurology Residency na Columbia University, em Nova Iorque (EUA), o neuropediatra licenciado pela Faculdade Medicina de Lisboa é diretor do Centro Clínico PIN (recentemente passou a designar-se PIN – Partners in Neuroscience) que, segundo uma criança que é consultada por Nuno Lobo Antunes, é “a clínica das pessoas felizes” – frase que lhe confere a certeza de ter escolhido o caminho profissional mais certeiro.

Perante a pergunta sobre qual a maior saudade que o pai deixa, demora a responder. Faz uma pausa e, ao silêncio inicial e ao olhar humedecido, deixa escapar uma voz trémula e responde: “Entrava em casa e ouvia Mozart. Havia sempre boa música e o cheiro do cachimbo que era adocicado. Tudo isso traz-me uma certa nostalgia”.


Carlos Robalo Cordeiro
Pneumologia

Nunca pensou ser outra coisa. Lembra-se de responder que queria ser médico futebolista quando era miúdo, pois habituou-se a ver estudantes de Medicina a jogar na Académica, clube do qual o pai era adepto, ou não fosse a família natural de Coimbra. Apesar de dizer que não sentiu qualquer pressão por parte do pai, António José de Amorim Robalo Cordeiro, nem para seguir a carreira de médico nem para escolher a mesma especialidade, reforça a influência do ambiente em que cresceu. Também os irmãos Cristina e António José assistiram ao mesmo exemplo de dedicação, espírito de missão e de entrega que se vivia em casa, mas só Carlos escolheu ser médico “apesar das carreiras brilhantes de cada um deles [a irmã é professora catedrática de Letras e o irmão é jurista no Tribunal Europeu]”.

De alguma forma, sente que foi interiorizando a forma como o pai se entregava “à atividade, à carreira e aos doentes”. Não terá sido uma imposição, mas uma influência genética e ambiental, defende. “Há uma certa sensação de legado. Além da profissão de médico, sempre me fascinou um pouco a sua vertente de produção de conhecimento, a criação de cultura médica, mas também a componente humanística.”

Além de diretor do Serviço de Pneumologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, cargo que o pai também ocupou , Carlos Robalo Cordeiro é professor catedrático e diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e presidente eleito da European Respiratory Society. Tal como o pai, multiplica-se em atividades e herdou alguns dos seus doentes. “O meu pai tinha essa enorme capacidade de olhar para as pessoas como um todo e de perceber as suas necessidades. Os doentes revelam com frequência a questão do amparo e conforto que sentiam quando ouviam uma recomendação ou uma palavra de proximidade da sua parte”, explica o pneumologista. “O saber olhar, aconselhar e, de alguma forma, tranquilizar as pessoas é muito importante em Medicina.”

Questionado se sentiu em algum momento da sua vida que as competências que o pai reunia eram uma herança pesada, diz que inicialmente sentiu “esse peso” e até alguma dificuldade em vencê-lo. “Apesar de constituir uma pressão grande ser o filho de uma pessoa distinta e com uma enorme qualidade e curriculum, tenho muito orgulho nisso.”

A escolha da especialidade de Pneumologia acabou por ser natural na vida de Carlos Robalo Cordeiro, 63 anos. O gosto pela investigação e pela área académica também foram um impulso que recebeu do pai, António José de Amorim Robalo Cordeiro, que faleceu a 10 de fevereiro de 2010
(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

Destaca a “formação em Medicina Interna que o pai tinha, com uma forte componente de Imunologia e conhecimentos básicos e clínicos muito enraizados que lhe davam uma enorme capacidade diagnóstica”. Todas estas características fascinavam-no sobremaneira. “Quando comecei a acompanhá-lo, já como aluno de Medicina e jovem médico, admirava muito o seu raciocínio clínico de ligação entre os diversos acontecimentos para chegar a um determinado diagnóstico. Era algo, de facto, brutal e invejável.”

Quanto à personalidade, Carlos Robalo Cordeiro considera que partilha com o pai a forma muito natural de se relacionar com os outros “sem qualquer imposição”. E, tal como acontecera com o pai, foi fazendo o seu caminho, acumulando cargos por mérito próprio. “O que é relevante é a comunhão entre ambos, não só do ponto de vista clínico como de personalidade.”

Um dos aspetos que mais lamenta foi “não ter tido oportunidade de trabalhar no consultório do pai, em simultâneo com ele, para beber mais dos seus conhecimentos”. Os antigos doentes do pai tiveram uma enorme sensação de perda quando ele morreu, em 2010. Além de médico, consideravam-no um conselheiro e um amigo. “Não o substituí na íntegra, mas esforcei-me por fazer o melhor possível. Terei conseguido de alguma forma, porque mantiveram-se como meus doentes”, conclui, entre risos.


Maria José Rego de Sousa e José Germano de Sousa
Patologia Clínica

Os apelidos Germano de Sousa dispensam apresentações, mas estiveram ainda mais destacados durante a pandemia. O patriarca, José Germano de Sousa, atualmente com 79 anos, continua no ativo e com uma energia inesgotável. E nem a covid-19 ou o recente ciberataque a que o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa (CMLGS) foi alvo o demoveram da sua vocação e capacidade de trabalho.

Maria José Rego de Sousa e José Germano de Sousa já somam um quarto de século de percurso ao lado do pai. Um processo evolutivo ao longo dos anos, em que o convívio e a segurança nas tarefas que foram desenvolvendo permitiram chegar aos dias de hoje com um papel bem definido. Pai e filhos partilham a administração do CMLGS e valorizam o facto de haver “um acordo expresso de que todos os projetos só avançam quando existe unanimidade entre os três”, pormenoriza Maria José. O irmão destaca a capacidade que o pai tem em “dar confiança, independência e de ser muito tolerante com o erro”. Mas só foi possível chegar a este patamar com um conjunto de várias decisões isoladas que o pai ia gerando com uma postura de ouvir e envolver os filhos. “É muito bom trabalhar com ele”, elogia. A irmã acrescenta: “Ele sempre soube ir buscar o melhor de nós e isso foi verdade para mim e para o meu irmão, mas também para todos os colaboradores”.

Ao recuar às memórias de infância, o filho José recorda os momentos em que acompanhava o pai ao local de trabalho. “Os laboratórios têm várias vertentes fora do comum. No final dos anos 1970, início dos 80, entrávamos num mundo completamente fascinante e diferente daquilo que era a nossa realidade.” E adiciona: “Olhar ao microscópio e ouvir as explicações do pai, que sempre foi muito didático, foi algo marcante”.

Maria José partilha uma imagem romantizada da infância que, mais tarde, acabaria por condicionar a escolha da especialidade. “A memória que tenho é de me sentar ao colo do meu pai no escritório à média luz do candeeiro de campânula verde que tinha na sua secretária e de ele cheirar a laboratório”, conta.

Era um pai trabalhador e que ia agarrando as oportunidades ao longo da vida, sublinha José. “A transmissão de conhecimento de pais para filhos é uma arte e isso acontece em qualquer profissão. Mas o facto de o pai ser uma figura respeitada da Medicina levou-nos a admirá-lo muito.”

Confessam não ter sentido qualquer pressão para seguir a mesma carreira. A mãe era museóloga e, apesar de a profissão também suscitar alguma curiosidade, sempre foi dada liberdade total aos filhos para fazerem as suas opções de vida. “Os nossos pais defendiam que cada um constrói o seu caminho e deve fazer as suas escolhas individuais”, explica Maria José.

A filha foi a primeira a concluir o curso e a sentir uma enorme vontade de ajudar o pai. “Quando o meu irmão se junta também à especialidade, dois anos depois, houve um sentido agregador imenso da família e da necessidade de perdurar e amplificar o trabalho que até aí tinha sido feito pelo nosso pai.”

Enfrentar a pandemia com um trabalho de equipa verdadeiramente “monstruoso” foi um desafio sem paralelo. Enquanto o Mundo confinava e se resguardava, foi ainda mais necessária a prestação de um papel social. “Foi preciso reinventar o laboratório, reestruturar as equipas, num total de 1600 colaboradores e de mais de 500 postos de colheitas”, salienta José. Tempos duros que tiveram de ser encarados com “cabeça erguida e um olhar para a frente”. E, nesta crise como em outras, há uma característica do pai que valorizam: ter a porta sempre aberta. “Não há barreiras para chegar a ele, o que confere um sentimento de família à nossa equipa, ao laboratório e às nossas pessoas”, remata.


Margarida Gonçalo
Dermatologia

Os pais são ambos médicos, mas entre a Dermatologia e a Anestesiologia foi a carreira da mãe que saiu vencedora ainda que não fosse imediatamente claro que seria esse o percurso a seguir. A mãe, Saudade Gonçalo, com 90 anos, é dermatologista e o pai, Aquiles Gonçalo, de 89, anestesista. Apesar de crescer num ambiente familiar ligado à Medicina, Margarida Gonçalo ponderou outras escolhas. “A minha paixão era a Física Nuclear, mas as perspetivas eram relativamente diminutas em Portugal”, conta. Naquela época, logo depois da Revolução de 25 de Abril, não se falava como hoje na hipótese de ir para o estrangeiro estudar ou trabalhar.

No ano em que teve de escolher o curso, acabou por optar por Medicina. Interessava-lhe a Fisiopatologia, a explicação dos casos, uma medicina baseada na experimentação e em dados objetivos. Apesar de na família Gonçalo, natural de Coimbra, não haver uma pressão para a carreira, a irmã mais nova Manuela também seguiu a mesma área. “É radiologista e uma das melhores especialistas em Imagiologia na neoplasia da mama”, exalta.

Margarida Gonçalo, 63 anos, é médica dermatologista, tal como a mãe, Saudade Gonçalo, que tem 90 anos. Ambas trabalharam no serviço de Dermatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Recorda-se das palavras de um professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) que a desafiou: “Porque é que não segue os passos da mãe?”. Na altura, estava a trabalhar como voluntária no Serviço de Reumatologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), uma especialidade recente, e interessava-se muito pelas bases de Imunologia. Acabou por ingressar na especialidade de Dermatologia em 1986 na FMUC.

Margarida e Saudade trabalharam juntas durante algum tempo no Serviço de Dermatologia dos HUC. “No começo, foi difícil porque os colegas viam-me como uma ameaça e a protegida da mãe e do diretor, de quem ela era amiga, e foi desafiante distanciar-me e afirmar-me.” Saudade tinha introduzido áreas novas no serviço, nomeadamente o estudo da alergia de contacto. Margarida sempre se sentiu impelida para essa área: “Eu e a minha mãe iniciámos reuniões com os colegas de Portugal para discutir casos clínicos. Estávamos as duas na orientação desse grupo e as reuniões eram muito proveitosas”. Acabaria por seguir essa subespecialidade, dando-lhe um cariz e uma atualização diferentes.

Entretanto, começou a trabalhar como assistente de Imunologia na FMUC, a aprender as técnicas laboratoriais e a sua adaptação à Dermatologia, o que lhe permitiu apreender a especialidade de uma forma completamente distinta.

“A minha mãe passou-me todos os ensinamentos sobre alergia de contacto e alergia a plantas. Era também uma boa clínica no que respeita ao diagnóstico. Ensinou-me imenso”, realça a filha. Por outro lado, investir na relação médico/doente foi algo em que apostou desde o começo da sua carreira. “O trato com os doentes foi também algo que me transmitiu. A sua consulta não era ríspida e abrupta e é isso que continuo a tentar fazer aos dias de hoje.” Margarida recebe doentes que foram seguidos pela mãe e que se lembram dela “com carinho”. “Perguntam-me sempre como está a mãe.”

O pai era anestesista, trabalhava numa área completamente diferente, mas Margarida enfatiza o facto de ter introduzido no mesmo hospital o tratamento da dor em doentes com cancro e outras patologias. Recorda-se de viajar com os pais durante os meses de verão e também de se habituar a ser autónoma e a viajar sozinha por todo o Mundo, o que é uma mais-valia em todas as deslocações que faz em resposta aos convites que recebe e aos cargos europeus que ocupa. É atualmente presidente do European Environmental Contact Dermatitis Research Group e membro do European Dermatology Forum.

Aos pais agradece a independência que lhe incutiram e o facto de “terem horizontes abertos e perspetivas mais alargadas”, pouco comuns para a época. “Não se contentavam e tentavam aprender sempre mais.”


João Espregueira-Mendes
Ortopedia e Traumatologia

Três gerações, o mesmo nome, a mesma especialidade. João Espregueira-Mendes partilha o nome do pai e do avô e não se recorda de existir sem a vontade ser médico. “Desde os seis anos que me lembro de querer seguir Medicina.” O pai nunca mencionou essa vontade. “Mas acho honestamente que ele assumiu que eu iria ser médico até porque no ano da entrada na universidade eu não entrei à primeira tentativa e acabei por me inscrever em Engenharia na segunda época de candidaturas. Recordo-me que o meu pai ficou imensos dias sem vontade de comer e de eu ter tido, pela primeira vez, a consciência de que, apesar de ele nunca o ter mencionado, seria uma desilusão se não seguisse a sua carreira.”

Ao contrário do pai, o seu avô confidenciou por diversas vezes à família a aposta no neto para prosseguir o caminho na Medicina. Apesar de as vagas para Ortopedia serem muito escassas quando João Espregueira-Mendes terminou a licenciatura, em 1985, foi sempre claro que seguiria a mesma especialidade do pai e do avô. “O meu avô foi um clínico notável, porventura, um dos melhores ortopedistas da sua época, e foi também político.”

João Espregueira-Mendes, 62 anos, fecha o ciclo de três gerações dedicadas à Ortopedia e Traumatologia. Partilha o nome e a profissão do pai e do avô, de quem herdou particularidades científicas e humanas
(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

Com apenas 22 anos, e por iniciativa própria, assistia às cirurgias e consultas do pai. Foi assim que ganhou experiência. “Tive uma oportunidade muito boa de aprender bem com uma pessoa muito capaz e muito bem preparada e, ao mesmo tempo, com uma precocidade muito grande.” Sentia pouca necessidade de dormir e costuma afirmar que conseguiu atingir em dez anos o que habitualmente se concretiza em duas décadas. “O meu pai foi um clínico de uma grande humanidade com os doentes, com uma vasta qualidade assistencial e inovador do ponto de vista cirúrgico.”

Estávamos no ano de 1989 quando o pai faleceu. O filho tinha apenas 29 anos e estava no primeiro ano do internato. “Fiquei completamente desamparado e foi extraordinariamente difícil sobreviver aos cinco anos seguintes. Havia duas grandes dificuldades. Eu não estava suficientemente preparado para trabalhar ao nível do meu pai, ainda nem era especialista, e, por outro lado, havia sempre alguém da sua geração para quem eu era um alvo fácil a abater”, admite.

Além da inspiração que herdou no que respeita à prática clínica, tentou complementar a sua carreira com a investigação e as vertentes académica e empresarial. Com a criação das Clínicas Espregueira – com 14 unidades no norte do país e protocolos em todo o país e Espanha – sente que fechou o ciclo das três gerações.

Além do legado que o pai e o avô lhe deixaram, para a sua decisão contribuiu também o facto de poder trabalhar numa especialidade médico-cirúrgica . “Também pesou muito, no caso da Ortopedia, o facto de me ter apercebido desde muito cedo que tínhamos excelentes ortopedistas e uma qualidade médica muito boa, mas não tínhamos reconhecimento internacional.” Essa foi a grande aposta da sua vida.

Apesar de o pai ter sido médico do F. C. Porto, e de ter sido convidado para trabalhar com o clube após o seu falecimento, considerou que tinha de se dedicar ao internato de especialidade e recusou. “O coração esteve sempre lá, mas só aceitei dez anos mais tarde.” Até hoje mantém-se como membro do Conselho Consultivo do clube.

O que estava longe de imaginar é que viria a ser presidente da Sociedade Europeia de Artroscopia Cirurgia do Joelho e Traumatologia Desportiva e da Sociedade Mundial da Traumatologia Desportiva. “Sinto como missão fundamental da minha vida levar a cidade do Porto ao Mundo.”