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As guerras do ar condicionado

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É motivo de conflitualidade no emprego. Há os que se dão mal com o calor, há os que não aguentam o frio, e o meio-termo pode ser uma missão impossível. A saúde ressente-se, a produtividade também.

A temperatura, quando nasce, deveria ser para todos. A natural, do céu e da terra, é assim, e é mesmo para todos. A artificial é outra conversa. Tumultuosa, por vezes. Quando não há consenso quanto a um botão que gere um aparelho eletrónico, o clima pode aquecer ou arrefecer no local de trabalho. A culpa não será do ar condicionado, essa maquinaria comandada por mão humana e que não tem boca para se defender. Agradar a gregos e a troianos nunca foi tarefa fácil.

Há quem assista às discussões dos colegas sem se meter na conversa. Há quem se irrite quando muitas mãos mexem no ar condicionado. Há quem se adapte ao clima e opte por ir para o trabalho vestido à cebola, com camadas de roupa suficientes para o que der e vier. O respeito é para aqui chamado.

Caso um. Um call-center, cada funcionário na sua secretária, atender clientes, ouvir problemas técnicos, procurar soluções, telefone colado ao ouvido, computador à frente dos olhos, ar condicionado ligado em temperatura amena. “Cada um tem o seu gosto, uns gostam mais de calor, outros de mais frio, e há quem fique mesmo irritado e entre em discussões”, conta uma funcionária. Nesta situação os gostos discutem-se e é complexo chegar a acordo. “Há quem leve o caso mais a sério e entre em conflito com os colegas e com os chefes.”

Neste call-center ninguém mexe no ar condicionado, apenas a equipa responsável pela qualidade. Os funcionários queixam-se e os que podem mexer no ar condicionado vão tentando gerir os pedidos, regulando a temperatura mais para o calor ou mais para o frio. O que não é fácil. “Quando está muito calor, o ambiente fica pesado e o ar condicionado parece que não ajuda.”

Caso dois. Dá-se mal com o calor ao ponto de ter quebras de tensão e as dores de cabeça são quase diárias. Tem uma ventoinha na secretária que vai ligando à medida daquilo que o corpo lhe pede. Já trabalhou de carapuço no verão e de t-shirt no inverno, antes de mudar de sítio. Melhorou ligeiramente, mas não muito. Agora começa o dia de casaco, passa para a camisa lá para o final da manhã, acaba normalmente de t-shirt.

Queixou-se várias vezes à administração, o open space e o ar condicionado não batem certo, não foram feitos um para o outro, o espaço está mal dimensionado, e irrita-se quando os colegas mexem, sem aviso, nos botões dos aparelhos que estão à disposição de qualquer um. “Lido mal com o calor e é frequente ter quebras de tensão”, refere o trabalhador. “Compreendo que é aborrecido para quem está em baixo de uma saída de ar condicionado, mas todos temos de ter respeito pelos outros”, sublinha. Toda essa inquietação interior e, por vezes, exterior, reflete-se na produtividade. Não tem dúvidas disso. “É o meu trabalho que é prejudicado, é a empresa que é prejudicada, a empresa que devia ter feito obras e não fez.”

Caso três. O espaço de trabalho, amplo e com várias secretárias, pode ser uma caixinha de surpresas. O ar condicionado não chega a todos da mesma forma, zonas mais quentes, outras mais frias, o local não está pensado para que a temperatura fique estável e confortável ao longo do dia. A opção é vestir roupa a condizer e não perder muito tempo em discussões que, volta e meia, acontecem porque ora está muito frio, ora está muito calor. “Vai-se trabalhar à cebola, com camadas de roupa”, diz uma funcionária, explicando que nem todos sentem a temperatura da mesma maneira quando entram no local de trabalho.

Uma coisa é quem sai de casa, desce à garagem, entra no carro, conduz até ao emprego, estaciona noutra garagem e sobe de elevador até ao emprego. Outra coisa é quem sai de casa, põe o pé na rua, anda de transportes públicos, mais um percurso ao ar livre até ao trabalho. “As sensibilidades térmicas são diferentes”, observa. As reações também. Quanto às discussões à volta do ar condicionado, devia imperar o bom senso e o respeito, na sua opinião: “Civismo e sensibilidade perante o outro”.

Compromisso e cooperação

Este é um assunto à flor da pele e o local de trabalho é terreno fértil para a conflitualidade no que ao calor e ao frio diz respeito. “Não há muitas maneiras de homogeneizar as pessoas quanto à temperatura. Cada um relaciona-se com isso de maneira distinta. Mas há ambientes de trabalho que convidam as pessoas a não sentirem tanto o frio ou não ficarem tão afetadas com o calor”, sustenta Tânia Pinto, psicóloga do trabalho e psicanalista. Convém, portanto, fazer perguntas sobre o que é importante. A empresa preocupa-se com o ambiente de trabalho? Os trabalhadores estão confortáveis ou nem por isso? As questões de saúde estão ou não salvaguardadas? Os conflitos perturbam o clima?

“Quanto mais hostis os ambientes, mais à flor da pele são esses conflitos – é quase como decidir quem é que lava a louça em casa.” Ou seja, um não assunto torna-se, desta forma, assunto sério. “Se há uma sensação de desconforto, a louça vai tornar-se um assunto.” A analogia serve para demonstrar que as discussões em torno do ar condicionado também podem ser um indício de que algo não vai bem, um pormenor ampliado de um quadro maior. “É preciso olhar como deve ser, como um sintoma de qualquer coisa”, prossegue Tânia Pinto. O entendimento depende de cada um, na vontade de chegar a compromissos em nome do bem-estar no local de trabalho. “Não há muito a fazer a não ser construir laços de cooperação”, salienta a psicóloga.

O motivo da discórdia é um aparelho que foi feito para passar despercebido – o que nem sempre acontece. O ar condicionado é uma invenção do homem para regular a temperatura, a humidade, a distribuição do ar em locais fechados. Aquece, arrefece, purifica o ar, desumidifica, ventila. A sua função resume-se à absorção do calor ou do frio de um lugar para ser libertado noutro, e mete tubos e maquinaria. E os objetivos são conhecidos: ambiente mais confortável, temperatura e humidade adequadas, eliminação das correntes de ar. Clima mais fresco e saudável. Ou nem por isso.

Seja como for, há regras e a lei estipula uma temperatura entre 18˚ C e 22˚ C nos locais de trabalho. Só que acrescenta que essa oscilação deve ser cumprida “na medida do possível” e “salvo em determinadas condições climatéricas, em que poderá atingir os 25˚ C”. Preto no branco no Decreto-Lei do Regulamento Geral de Higiene e Segurança do Trabalho nos Estabelecimentos Comerciais, de Escritório e Serviços. A legislação refere também que os diversos locais de trabalho, bem como as instalações comuns, devem conter meios que permitam a renovação natural e permanente do ar sem provocar correntes incómodas ou prejudiciais aos trabalhadores. E não é tudo.

O caudal médio de ar fresco e puro admitido na atmosfera de trabalho deve tender a, pelo menos, 30 metros cúbicos por hora e por trabalhador – o que quer que isso signifique na prática. A humidade da atmosfera de trabalho deve andar entre os 50% e os 70%. Os dispositivos artificiais de renovação do ar devem ser silenciosos e não poluentes. Quanto a prazos, a manutenção da qualidade do ar interior deve ser feita de dois em dois anos em edifícios ou locais que funcionam como escolas ou qualquer tipo de formação, espaços desportivos e centros de lazer, creches, infantários, ATL, centros e lares de idosos, hospitais e clínicas. O intervalo aumenta para os três anos em edifícios ou locais com atividades comerciais, de serviços, turismo, transportes, atividades culturais, escritórios e similares. As regras estão escritas.

Tecnicamente, o ar condicionado é uma forma de climatização que controla a temperatura, a humidade, a qualidade e a velocidade do ar num determinado local, seja de lazer, seja de trabalho. Emocionalmente pode gerar feridas e conflitos no emprego. E a teoria que o ar condicionado nasceu para agradar a todos cai por terra. Cada um sabe o que sente por dentro. E como manifestar a sua insatisfação.

Dores de cabeça, náuseas, vertigens

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) já escreveu sobre o assunto para lembrar que os locais de trabalho fechados devem ter ar renovado e condições de conforto térmico, adequados à natureza das tarefas e ao esforço físico exigido para a sua execução. Desconforto, mal-estar psicológico, dores de cabeça, náuseas, vertigens, sudação, fadiga cardíaca e patologias respiratórias são os efeitos na saúde que a ACT enumera e que resultam de ventilação deficiente e condições térmicas desreguladas. Em situações de calor e frio extremos podem verificar-se casos de queimaduras, fadiga térmica, redução de sensibilidade, desequilíbrio mineral e hídrico e hipotermia.