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Fátima mudou-lhes a vida

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Texto Sílvia Júlio | Fotografia Gerardo Santos/Global Imagens

PEDRO CASTRO

Durante 15 anos, a droga foi uma constante na vida de Pedro Castro. «Quebrei todos os valores e a confiança das pessoas que me amavam. Enganei os meus pais, amigos e qualquer pessoa que se distraísse.» Foi internado vezes sem conta em hospitais e centros de tratamento, em Portugal e no estrangeiro, para tentar deixar o consumo de heroína.

O irmão chegou a ir a pé a Fátima pedir pela sua cura. O mesmo irmão que, há cerca de vinte anos, estava inserido num grupo de peregrinação que acolheu um jovem toxicodependente já bastante doente.

O rapaz queria peregrinar até à Cova da Iria e o grupo lembrou-se de pedir a Pedro, entretanto já desenredado das teias da droga, para o ajudar, com o seu testemunho, a mudar de vida. O jovem foi encaminhado para um centro de recuperação mas não resistiu. Um abalo para Pedro. «O que aconteceu fez-me aproximar mais do tal grupo de peregrinação.

Já ia à missa ao domingo, mas tinha aquela relação com a Igreja: “Isto concordo, isto não concordo, isto faço, isto não faço.” Era de acordo com as minhas conveniências.» Ainda assim, a semente estava latente e, no ano seguinte, resolveu caminhar até Fátima. Foram passos que o desassossegaram. «Mudou a minha perspetiva em tudo.»

De há uns anos a esta parte, Pedro Castro integra a direção voluntária da ATT – Associação para o Tratamento das Toxicodependências e tem dado muitas palestras a partilhar a sua história.

A partir dali, conta, entendeu melhor o seu passado de dependências. «Descobri que o meu problema não eram as drogas – era o vazio que sentia dentro de mim. O buraco foi preenchido depois de encontrar a vida espiritual e ir em peregrinação.» Sentia-se bem a rezar, sentia-se bem em comunidade e sentia-se bem a servir os outros.

O caminho passava por ali. E comprometeu-se a sério. «Queria praticar isso todos os dias, no meu trabalho, em casa, com os amigos. Tinha de viver a Igreja em todas as áreas da minha vida. Antes o meu compromisso era com a droga, o próximo chuto. Quando parei, vi que há compromissos libertadores.»

De há uns anos a esta parte, Pedro Castro integra a direção voluntária da ATT – Associação para o Tratamento das Toxicodependências e tem dado muitas palestras a partilhar a sua história. Foi também voluntário dos serviços mundiais de uma associação internacional de adictos em recuperação.

Hoje, com 57 anos, é o CEO da Multilem – uma empresa que produz e monta stands de exposição – e continua a caminhar, anualmente, para Fátima. Um percurso que não lhe parece um sacrifício. «É a melhor semana do ano. Ir em peregrinação é um luxo espiritual.» Só não foi no ano em que o anterior Papa veio a Portugal: «Tive a sorte de desenhar e construir o altar para Bento XVI, no Terreiro do Paço.» Recebeu a comunhão das mãos do Pontífice no genuflexório que concebeu. «Já viu a sorte que é ter Deus como freguês?»

GONÇALO COSTA ANDRADE

O diretor de cloud da IBM Portugal, Gonçalo Costa Andrade, 46 anos, lida com inovação e tecnologia de ponta. Habituado a ser objetivo e racional no dia-a-dia, todos sabem, no trabalho, que não vale a pena marcar reuniões inadiáveis para a semana em que vai em peregrinação a Fátima. «Não é uma coisa negociável», diz. Há praticamente dez anos que vai a pé à Cova da Iria com os grupos da paróquia de Azeitão. «Não consigo explicar em linguagem binária o que me leva a fazer este caminho. O caminho de Fátima muda-nos.»

Quando foi pela primeira vez, tinha a curiosidade de perceber o que levava alguém a andar tantos quilómetros sem saber o que podia acontecer, à chuva ou ao calor. Mas o padre da paróquia desafiou-o a tomar a decisão de ser peregrino. Depois, quase sem notar, foi integrando a organização das peregrinações seguintes. «Esta vertente de serviço tem sido muito recompensadora.»

Na sequência da última peregrinação surgiu o repto para os grupos de Azeitão ajudarem uma comunidade desfavorecida em África.

Antes das peregrinações, Gonçalo prepara, com a equipa com que vai caminhar, toda a logística – implica conhecer os lugares onde vão pernoitar, quem vai levar as refeições, quais os locais onde podem abrigar-se da chuva ou onde estão as sombras para se proteger do sol. «Não dá para inventar nada quando se tem setenta pessoas atrás», diz com experiência. Entram todos juntos, a pé, no Santuário. E esse é um momento de êxtase. Gonçalo, o homem racional, liberta ali as emoções que acumulou naqueles dias: «Não sei se me sinto com a alma cheia ou a alma vazia pronta a encher.»

Quando regressa a casa e ao trabalho, tudo lhe parece fluir de outra maneira. «Sinto-me completo depois de vir de Fátima. Tenho mais paz interior, o que se reflete na vida familiar e profissional. Sou mais tolerante e relativizo as dificuldades que vou sentindo todos os dias.»
Na IBM costuma ouvir uma piada ou outra pelo «bronze de peregrino» ou pelos «muitos lugares interessantes para passar férias diferentes de Fátima». Não se perturba com esses comentários. «Há caminhos que escolhemos e há caminhos que nos escolhem.»

Na sequência da última peregrinação surgiu o repto para os grupos de Azeitão ajudarem uma comunidade desfavorecida em África. Em sintonia com as Irmãs da Apresentação de Maria, percebeu-se da necessidade de construir uma escola em Corrane, a sessenta quilómetros de Nampula, Moçambique. Mobilizaram-se, divulgaram o projeto pelas redes sociais, angariaram mais de trinta mil euros para a escola que vai receber cerca de trezentos alunos e será inaugurada a 13 de outubro.

A segunda fase do projeto é a recolha de material escolar. As etapas seguintes virão quando as religiosas derem sinal positivo. «Vamos apoiá-las naquilo que precisarem. Todos temos muitas ideias, achamos que sabemos tudo o que é preciso, mas as pessoas que lá estão é que sabem o que precisam. Não queremos criar-lhes problemas. Quem determina o ritmo são as irmãs.»

MARINA ARNOSO

Foi a pé até Fátima pela primeira vez em 1985. Dar o primeiro passo para se fazer ao caminho não foi difícil. Não havia promessas a cumprir, só gratidão. Marina Arnoso tinha muito a agradecer e era assim que olhava para tudo o que tinha. Era apenas isso que a impelia a seguir estrada fora, para ser igual a tantos outros peregrinos. A Cova da Iria não era novidade. «Toda a minha vida fui a Fátima com a minha mãe. Com 10, 12 anos fui a casa de Jacinta e Francisco – e até conheci os pais deles.»

Da segunda vez que se preparava para fazer o caminho a pé, um ano depois da primeira, um acontecimento trágico impediu-a de completar o caminho. A 10 de maio de 1986, bem perto do dia da chegada à Cova da Iria, morreu-lhe uma filha. Desde aí, naquela data, a morte, ou a vida, é recordada com uma eucaristia anual com a família e mais de duzentos peregrinos. «A partir do dia 10 de maio já estou praticamente em Fátima. É um dia familiar muito importante para nós.»

Dali veio uma vida nova, que também está associada à peregrinação. «Quando vamos durante cinco ou seis dias a andar, a rezar, uma pessoa pensa muito e percebe que está aqui para ajudar os outros a ter uma vida melhor.» Marina já fazia voluntariado na Maternidade Alfredo da Costa (MAC), mas alguns anos depois esse serviço voluntário evoluiu e deu origem, há duas décadas, ao Banco do Bebé.

Há mães imigrantes que nem sabem pronunciar uma palavra em português ou inglês – é uma ajuda sem fronteiras.

Nasceu assim a Associação de Ajuda ao Recém-Nascido (AARN) para as famílias carenciadas que têm os seus bebés na MAC. «Foi em honra da minha filha, que sempre gostou de crianças, que me meti a caminho disto. No fundo, vinha dar vida aos bebés», diz.

Enxovais, alcofas, leite, fraldas, carrinhos e cadeiras de bebés são algumas ofertas que facilitam a vida dos jovens pais. Há ainda apoio domiciliário para capacitar essas famílias. Algumas necessitam de obras em casa. Em articulação com outras associações, providencia-se «uma casa digna para receber um bebé». Há mães imigrantes que nem sabem pronunciar uma palavra em português ou inglês – é uma ajuda sem fronteiras. «Ser ponto de luz» lê-se numa das paredes do Banco do Bebé.

Por ano, são apoiadas 1400 famílias. Mais de noventa voluntários animam o serviço. São as contas do rosário de um banco onde apenas se fala em créditos. Soma-se assim mais vida para Marina Arnoso, 76 anos, que é hoje presidente honorária do Banco do Bebé. Há vida depois da morte – é o saldo desta peregrina.

MANUEL AROUCA

Estava tão afastado da Igreja que nem conseguia entrar num templo católico. Passou pelo mundo do álcool, da droga, da noite. Manuel Arouca, escritor, autor de Filhos da Costa do Sol e Ricos, Bonitos e Loucos, procurava no esoterismo algumas respostas para inquietações que tinha. Uma astróloga disse-lhe que tinha de fazer um percurso solitário para encontrar a paz.

Decidiu, assim, sair de casa, onde estavam a mulher e os dois filhos. Um dia, leu um artigo escrito pelo primo António Pinto Leite, anterior presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), sobre uma «marcante» caminhada a Fátima. Por curiosidade, quis também viver uma experiência semelhante. Mas faltou a algumas reuniões de preparação para essa tal peregrinação e, por questões de trabalho, foi entretanto à Venezuela. Foi lá que conheceu um velho magnata da comunicação social, acompanhado por uma mulher mais nova e muito bonita.

O homem, rico, partilhou que acalentava o sonho de ir a Fátima. «Ele não queria conhecer o Eusébio nem o Figo… Queria ir à Cova da Iria… E eu pensei: foge, se o homem quer ir a Fátima e tem uma mulher destas, eu vou lá já a pé.»

E foi. Corria o ano de 1997. «Naquela fase, olhei para muitas mulheres bonitas. No primeiro dia de peregrinação foi tudo muito divertido, rimos muito… No dia seguinte, ali para os lados de Vila Franca de Xira, começou toda a gente a rezar o terço. Olhei para trás e senti uma distância enorme do que tinha vivido até então.» Tentou acompanhar o terço, mas já não se lembrava. «A pouco e pouco, fui-me desprendendo do que me atormentava e das culpas. Parecia que estava a ter uma terapia espiritual.»

Sem ele saber, e sem ela conhecer aquelas intenções, a mulher de Manuel estava em Fátima com os filhos. Reconciliaram-se ali.

Um momento alto aconteceu quando chegou a casa de uma família que acolhia peregrinos, em Vale de Figueira (Santarém). Assistiu a uma missa que o levou a sentir «algo de etéreo». Em Alcanena, já perto da etapa final, todos partilharam o que estavam a viver. Manuel acreditou que poderia «escrever coisas fantásticas» e pediu que rezassem por ele.

Logo a seguir ao seu testemunho, houve alguém que fez um discurso de compromisso. «Foi uma bomba, parece que levei um estalo.» Pediu novamente a palavra: «Eu também tenho de sair daqui com um compromisso. A primeira coisa que tenho de fazer é estar em harmonia com a minha família, se a minha mulher assim o quiser.»

Sem ele saber, e sem ela conhecer aquelas intenções, a mulher de Manuel estava em Fátima com os filhos. Reconciliaram-se ali. Parece quase uma história de amor de novela, como as que o argumentista escreveu, Jardins Proibidos, Filha do Mar ou Joia de África, entre outras. A realidade ultrapassou a ficção. Casaram pela Igreja nesse ano da peregrinação, a 12 de outubro. E tiveram mais uma filha.

«Depois de descobrir «o verdadeiro amor, que nos transcende para amarmos o próximo», Manuel Arouca produziu o documentário Fátima no Mundo, transmitido recentemente na RTP 2, e escreveu livros sobre esta temática. O último, Jacinta – A Profecia, foi adaptado para cinema por Jorge Paixão da Costa. Está atualmente em exibição.

THEREZA AMEAL

Ondulava pela new age, pelo budismo, pelo hinduísmo «e por coisa nenhuma». No Natal ia à Missa do Galo apenas para não magoar a família. «Hipercrítica da Igreja», Thereza Ameal andava longe dos caminhos que trilha por estes dias para chegar a Fátima.

Durante a adolescência, a irmã mais nova esteve perto da morte. Educada no catolicismo, saiu-lhe um «grito de alma» num momento de desespero: «Se ela sobreviver, vou a pé a Fátima.» A irmã resistiu. Mas Thereza quase desistiu de cumprir a promessa. Duas décadas mais tarde, e já casada, o marido perguntou-lhe: «E se fôssemos a pé a Fátima?» O casamento atravessava, na época, «uma grave crise».

Sem expetativas, aceitou o repto. O primeiro dia «foi horrível com o barulho dos camiões TIR na Nacional 1, a poeira, não foi nada espiritual». Pensou em desistir assim que chegasse a Vila Franca de Xira, logo depois da missa celebrada por um jovem padre brasileiro.

Mas as palavras dele naquela homilia fizeram-na revogar a decisão. O sacerdote, recorrendo à própria experiência, recordava que quando caminhava na praia, na areia quente, o pai lhe dizia para passar pelas pegadas dele. Um caminho menos penoso, com a areia já mais fresca. E fez a analogia: «Seguir Cristo é simplesmente saltar de pegada em pegada.» A metáfora atordoou-a. «Eu acreditava que ia cumprir uma promessa, mas Nossa Senhora achou que estava no momento certo para encontrar verdadeiramente Jesus. A partir daí, a minha vida tem sido guiada pela mão de Maria.»

Entretanto, vieram os convites para escrever livros para crianças. Nossa Senhora na História de Portugal foi o primeiro.

De volta a Lisboa, o casal tinha «uma enorme vontade de exteriorizar a mudança». Um padre convidou-os a fazer um retiro. Integraram o movimento apostólico de Schoenstatt e, depois de formados, iniciaram a orientação para grupos de casais: «Mudámos a perspetiva de vida quando percebemos que o casamento é a três, tendo Deus no meio.»

Comprometeram-se na evangelização e chegaram a organizar retiros para ateus. Tudo o que faziam parecia ainda pouco e procuraram «mais caminhos de serviço». Thereza foi à paróquia perguntar em que poderiam ser úteis. Uma instituição de solidariedade social, ligada à Igreja, com creche e jardim-de-infância, precisava de apoio. Hoje, ambos fazem parte da equipa dirigente: «Com o trabalho pro bono, oferecemos outros dos nossos talentos.»

Entretanto, vieram os convites para escrever livros para crianças. Nossa Senhora na História de Portugal foi o primeiro. Soube, mais tarde, que tinha sido o último livro lido pela irmã Lúcia. Mais recentemente, escreveu, a pedido do convento do Carmelo de Santa Teresa, em Coimbra, a biografia oficial da vidente, também dirigida aos mais novos. Thereza Ameal tem, aos 53 anos, sete livros publicados, entre eles quatro de orações infantis, já traduzidos em espanhol, italiano e coreano: «Descobri que a minha missão passa pela alegria de anunciar a Boa Nova.»