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Como ultrapassar a diferença de desejo sexual no casal

Fotos: Freepik

As causas são muitas e comunicar ao parceiro ou parceira como nos sentimos é o primeiro passo

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Indiferente a género, idade ou qualquer outro tipo de condição, a diminuição do desejo sexual não é por si só um problema. Mas quando se confronta em casal, a discrepância pode causar estragos. O que fazer e com quem falar.

A diminuição do desejo sexual – que também é referida como falta de libido – pode não ser um problema. Se a pessoa estiver bem com essa vontade, não há nada de patológico. Mas e quando se está em casal e essa diminuição é sentida pelo parceiro ou parceira e, consequentemente, tem impacto na relação? A discrepância de desejo sexual dentro de um casal é mais comum do que se pensa. Caso não seja debatida e resolvida, pode, inclusivamente, levar à separação. E não há idade, género ou condição particular para acontecer (já lá vamos). Não porque aconteça cada vez mais, mas antes porque se fala mais abertamente deste problema. Antecipamos uma solução: comunicar é a chave.

A primeira afirmação de Fernando Mesquita, psicólogo clínico e sexólogo, vai ao encontro de uma certa “naturalização”. Os pedidos de ajuda que envolvem diferentes ritmos de desejo sexual dentro de um casal são um dos mais comuns em consultório. “Tanto para homens como para mulheres”, garante. “Muitas vezes pensamos que a falta de desejo sexual é um problema exclusivo das mulheres, mas a verdade é que cada vez mais há casais heterossexuais em que são as próprias mulheres que encaminham ou que pedem aos parceiros para procurarem ajuda, porque elas querem ter uma vida sexual mais ativa e eles não têm essa vontade.”

Mas ainda que o pedido de ajuda seja cada vez mais equilibrado em termos de género, o ritmo desse pedido ainda não é o mesmo. “Quando a falta de desejo sexual é da mulher, os casais procuram muito mais facilmente ajuda; quando está presente no homem, levam muito mais tempo a aceitar e a procurar ajuda.” Essa demora, indica Fernando Mesquita, pode levar a que já seja “demasiado tarde”, sendo que, quando o “hipo desejo” é do lado masculino, a situação arrasta-se e causa dano na relação.

O início do fim

O relacionamento pode chegar ao fim por conta deste problema? É complexo, mas pode ser um dos motivos de ignição da rutura. Por isso, Fernando Mesquita lembra ser importante procurar ajuda atempada, “sem permitir que a relação se desgaste no entretanto”.

Fazendo a mesma leitura da mudança dos tempos, Ana Meirinha, urologista e andrologista do Hospital de Cascais, faz um outro reparo: nem sempre a diminuição ou falta de desejo é um problema. “Temos também casos em que este desejo inexistente é coativo, não desejando tratamento.” Em suma, se o casal e a própria pessoa estão bem com este sintoma, “não há nada que tenha de ser feito”. E é nesta ideia de concordância dentro do casal que se fala pela primeira vez da chave: comunicação. “Se, quando surgir esta questão, os dois conseguirem conversar e chegar a um acordo que satisfaça as vontades e as necessidades de ambos, está resolvido”, resume Meirinha.

No entanto, quando há essa vontade de “resolver”, há vários fatores a ter em conta. Um dos primeiros testes a fazer é a nível hormonal – “perceber se existe uma diminuição da testosterona ou um aumento de outras hormonas que possam inibir o funcionamento da testosterona”. Esse tem sido, segundo a experiência da andrologista, por vezes, a causa do sintoma de desejo sexual hipoativo.

Mas nem só de hormonas se pode “fazer” o problema. Irina Ramilo, ginecologista do Hospital Lusíadas, salienta a valência “multifatorial” da diminuição ou inexistência de desejo sexual. “Não é um trabalho exclusivo de ginecologia ou de outra área em particular, pode ter tanto a ver com o físico ou com o psicológico, e exigir uma avaliação multidisciplinar.” E Irina assinala que as causas psicológicas podem ir desde uma depressão ao stress do dia a dia.

Fases da vida

No que concerne à sua área, a ginecologia Irina Ramilo afirma que a queixa de diminuição do desejo sexual e de discrepância deste com o companheiro ou companheira é algo frequente. “E há que ter em conta que, especialmente no caso da mulher, há uma série de momentos da sua vida em que é sabido que este é um possível e até recorrente sintoma.” Falamos da menopausa, mas não só. Também a toma de anticoncetivos pode ter impacto na libido, bem como períodos depressivos, mais típicos no sexo feminino por causa, entre outras fases de alterações hormonais, da gravidez e da menstruação. Ainda assim, não é por ser comum que deve ser banalizado. “Há solução”, salvaguarda a ginecologista, e, por isso, o primeiro passo deve ser sempre partilhar todas as dúvidas e inquietações com um profissional de saúde.

Irina Ramilo relembra também o oposto – que “há mulheres na menopausa que, pela impossibilidade de engravidar a partir dali e com o deixar de tomar do anticoncetivo, com os filhos fora de casa e mais tempo livre, têm mais liberdade”, acabando por aproveita essa fase da vida para explorar de forma mais intensa a sua sexualidade.

Já no caso dos homens, a urologista Ana Meirinha diz que, ainda que a queixa aconteça em consultório, raramente acontece “sobre si mesmos”. “Os homens quando partilham na consulta esta discrepância associam-na, por norma, à falta de desejo da mulher e não à sua própria.” No sexo masculino, a diminuição da libido pode dar-se “devido a uma série de doenças, tais como as oncológicas, endocrinológicas, entre outras”, mas que têm tratamento ou forma de aliviar o sintoma de hipo desejo.

Apesar de ser possível identificar as causas e delinear um tratamento, Irina Ramilo, do Hospital Lusíadas, normaliza, mais uma vez, essa questão dentro de um casal. “O desejo sexual será certamente alterado em relações mais duradouras, não conseguimos estar juntos por 30 ou 40 anos e o desejo ser sempre o mesmo.” Normalizar, conversar e questionar um médico. Essa é a “ordem de trabalhos”.

Trabalhar três áreas

As causas são muitas e comunicar ao parceiro ou parceira como nos sentimos é o primeiro passo. Mas e quando a conversa entre o casal não é suficiente e é necessária ajuda profissional? O sexólogo Fernando Mesquita explica que, “em termos de terapia sexual, há que trabalhar três áreas: a dificuldade sexual, a relação e a autoestima dos dois elementos do casal”. E não se pense que a terapia de casal se limita ao tempo da consulta. “Implica um trabalho contínuo em casa, ou seja, 20% do processo é feito em clínica, os outros 80% são feitos pelo casal no dia a dia”, especifica Fernando Mesquita.

O que deve então um casal, deparado com esta discrepância de desejo sexual, fazer? Primeiro, é importante procurar forma de “estarem juntos sem obrigação de sexo”, destaca o psicólogo clínico. “Porque momentos de intimidade não são apenas sexo e a pressão para que a relação sexual aconteça pode ser tanta que acaba por ser contraproducente.” A vontade começa a trabalhar-se, então, no dia a dia. Fazer elogios ao parceiro ou parceira é uma das estratégias indicadas por Fernando Mesquita. “Quando as coisas não estão bem na relação, temos a tendência para ver aquilo que é mau e o que é mau passa a ser péssimo e o que é bom não é valorizado.” Por isso, tornar o convívio algo agradável para ambos é fundamental.

Já dentro da própria intimidade, há exercícios que ajudam a fomentar o desejo. Fernando Mesquita sugere “fazer massagens um ao outro, sem que exista a pressão de haver sexo e sem que exista sequer a necessidade de se sentirem excitados”. De seguida, é relevante trabalhar as fantasias sexuais. “É pedido para que a pessoa recorde momentos em que estiveram em intimidade e que as coisas foram positivas”, procurando fantasiar e comunicar aquilo que mais gosta durante a relação sexual. Literatura erótica ou filmes eróticos são outra estratégia referida. Em suma, “quanto mais pensamos e falamos sobre sexo, mais vontade vamos ter de ter intimidade”, sublinha o terapeuta de casal.

Há também um trabalho individual a fazer. “É importante cada um fazer coisas que lhe dão prazer, como tomar um banho de imersão, comer um chocolate ou ver uma série”, de forma a diminuir o stress e a retirar pressão negativa da relação. Estar saudável consigo mesmo é um passo para estar saudável com o outro.

Por fim, Fernando Mesquita realça ser igualmente relevante contornar a monotonia. “Muitas vezes pensamos na questão da falta de desejo sexual, mas na realidade o que existe é um aborrecimento sexual, ou seja, eu até penso em sexo, eu até tenho fantasias sexuais, eventualmente, até me posso masturbar, mas o tipo de atividade que eu tenho com a minha parceira ou o meu parceiro é de tal forma rotineiro que eu não sinto grande excitação.” Diversificar a hora e o local em que a iniciação sexual acontece é importante.

Sobre a democracia deste problema, a ginecologista Irina Ramilo recorda que a falta de desejo sexual não é um problema “apenas dos mais velhos” e, mesmo na terceira idade, “não deve ser desvalorizado, porque, se assim for a vontade do casal, a sexualidade deve continuar a ser vivida”. No caso da juventude, a causa salientada pelo profissional é a toma de medicação psiquiátrica. “Principalmente após a pandemia, há muitos jovens que lidam com ansiedade, depressão, entre outras patologias, o que, por si só, afeta a libido. Acumulando-se a isso os sintomas espoletados por antidepressivos ou ansiolíticos.” Para Ramilo, é fundamental também a classe médica estar consciente para a importância de conversar com os pacientes sobre os efeitos de determinados medicamentos.

Ana Meirinha, urologista e andrologista, fala também do espectro oposto: “O primeiro pensamento vai para a pessoa que tem menos desejo dentro de um casal, mas a patologia pode, por vezes, estar do outro lado, na pessoa que tem mais desejo”, tratando-se de um caso de desejo hiperativo. Aí, a psiquiatria e a endocrinologia são as principais disciplinas a atuar.