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Marcas portuguesas nascidas no século passado que ditam tendências

Parfois do NorteShopping, uma das 130 lojas que a marca que democratizou os acessórios tem em Portugal (Foto: Ivo Tavares Studio/DR)

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Dobraram o milénio com os alicerces do passado e sede de futuro. São marcas portuguesas que continuam a dar cartas no mundo da moda. São histórias feitas de garra e resiliência, confiança e fibra, inovação e brilho. Começaram com quase nada e tornaram-se projetos gigantes que deixam rasto pelo Mundo.

A história da Salsa começa numa pequena confeção e numa jeitosa lavandaria que trabalhava tão bem que era procurada por grandes marcas. Anos 80/90 do século passado, Vila Nova de Famalicão. Os irmãos Vila Nova – Filipe, Beatriz e António – dividiam tarefas, juntavam esforços, percebiam que tinham pernas para andar. A união fez a força e a parceria dos irmãos perfeccionistas, atentos ao detalhe, deu frutos. Em 1994, nasceu a marca com nome inspirado num filme com ritmos latinos. Hoje a Salsa tem cerca de cem lojas próprias, está em dois mil pontos de vendas multimarcas, anda por mais de 33 países, tem 1 200 funcionários. A sede, a produção e a lavandaria permanecem em Vila Nova de Famalicão, onde tudo começou.

No mesmo ano, em 1994, Manuela Medeiros, mulher do Norte, mulher de negócios, abria uma loja no coração da Baixa do Porto, na Rua de Santa Catarina, com acessórios de moda, inspirada no que ia observando nas suas viagens a Londres. Nesse tempo, foi uma espécie de revolução por cá, intuiu-se que um espaço com colares, brincos, pulseiras, anéis, carteiras, porta-moedas, que agradavam a quase todas as mulheres e com preços acessíveis, ia ter sucesso. E teve. A Parfois nasceu com a ideia de democratizar tendências e tornar a moda acessível a todas as mulheres. Mais de 25 anos depois, tem cerca de mil lojas espalhadas pelo Mundo, mais de 300 em Espanha, 143 em Portugal. E uma multiplicidade de artigos de moda do universo feminino.

A Mariano Shoes, em São João da Madeira, leva 76 anos nos pés e nenhum sinal de abrandamento. No ano passado, em plena pandemia, a empresa de calçado de luxo, ainda hoje instalada no exato sítio que a viu nascer, lançou a primeira coleção de sapatos femininos, ampliou a gama de acessórios, contactou os maiores players internacionais do segmento para abrir caminho e desbravar novos negócios, investiu no marketing digital, nas vendas online, e ainda tratou de tudo para abrir a sua primeira loja em Lisboa, no início de maio.

A marca 100% portuguesa, com sapatos feitos à mão, olha em frente com a cabeça erguida. E sempre na moda. “A consistência do produto é o garante da visibilidade da marca”, adianta Fátima Oliveira, diretora executiva, satisfeita com o percurso e o posicionamento da marca. O segredo? “Não há segredo, nem sorte, há muito trabalho”, responde.

No interior do país, a Dielmar, marca 100% portuguesa, líder na confeção de vestuário masculino no segmento médio-alto, também nunca saiu do sítio onde nasceu, de Alcains, Castelo Branco. O seu nome é um acrónimo das iniciais dos quatro alfaiates que a construíram de raiz: Dias, Hélder, Mateus e Ramiro.

É uma das maiores empregadoras do concelho, com cerca de 400 trabalhadores. Está atualmente em 25 mercados, tem seis lojas próprias. O detalhe, o design, a qualidade dos materiais, o conforto da roupa, e os cuidados da alfaiataria que lhe vêm do berço, constroem o percurso da marca que vestiu a seleção nacional de futebol no Europeu que Portugal ganhou. Os fatos são a sua imagem de marca.

Fátima Oliveira é diretora-geral da empresa de calçado de luxo, fundada durante a II Guerra Mundial, em S. João da Madeira
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

As raízes têm quase 56 anos. A 12 de maio de 1965, quatro alfaiates deram início a uma das mais pujantes marcas nacionais de roupa para homem. Depressa aumentaram a produção e as instalações, com os lanifícios da Covilhã à mão de semear. A forte emigração à época para França ajudaria a saltar fronteiras.

Ana Paula Rafael, advogada e filha de um dos fundadores, está ao leme da empresa que resiste no interior do país. Resiste, conta, “com amor e paixão por esta arte e por este trabalho que já envolveu e envolve milhares de pessoas, mulheres e homens, todas com sabedoria e know-how, que sabem fazer.” É um amor incondicional. “Por esta paixão, vencemos os custos de contexto, a distância aos mercados, o ambiente desfavorável ao desenvolvimento industrial, o abandono do interior, a falta de literacia, a falta de quadros e de recursos humanos, a falta de apoios financeiros, a falta de uma estratégia industrial europeia e nacional”, acrescenta.

A Dielmar anda sempre a ver mundo, virou várias vezes o cabo das tormentas, nunca largou os fatos à medida, e crescer internacionalmente tem feito parte dos planos. Contudo, os últimos tempos não têm sido fáceis e Ana Paula Rafael passa dias e dias em reuniões. “A Dielmar é um património nacional, é um património do interior, é uma marca bandeira de Portugal. Mas será que a pandemia nos permitirá resistir sem os apoios do Governo à empresa? Porque disto já não se fabrica mais.”

Push up e push in, entrançados e bordados

É trabalho que se vê. “Os nossos sapatos são obras de arte pintadas à mão. Não conseguimos fazer dois pares exatamente iguais, são parecidos, mas não são iguais”, explica Fátima Oliveira, da Mariano Shoes. É uma forma de estar que tem resistido a ventos e marés, à produção em massa, com fabrico artesanal e pouca maquinaria no processo – o que naturalmente se reflete no preço de centenas de euros. “Conseguimos oferecer dois mundos. Continuamos a calçar o cliente clássico com o sapato preto com fivela, e introduzimos materiais e conceitos novos, mais contemporâneos.” Os entrançados, os linhos, os bordados ingleses, até os perfurados, têm um ar mais fresco e jovem.

Tudo começou em 1945, a II Guerra Mundial estava a terminar, a Europa estava de rastos. Manuel de Almeida Jorge, artesão de calçado, começava a fabricar sapatos para homem, tudo à mão numa pequena oficina. Destacou-se na arte, pela qualidade dos materiais, pelo design contemporâneo para a época, pela exclusividade. A semente ficou, as bases são sólidas, a empresa continua a laborar na mesma oficina onde a Calçado Mariano viu a luz do dia. Em 1961, o primeiro registo da marca que ficou conhecida por fabricar sapatos bons, duráveis e confortáveis, na terra do trabalho e do calçado. E que foi resistindo, sobrevivendo e subsistindo, com altos e baixos ao longo de quatro gerações e mais de sete décadas. “Os processos eram artesanais e mantemos essa tradição, couro cortado à mão, solas à mão, mesmo a pintura, os patinados, tudo é feito manualmente”, sublinha a diretora executiva.

As calças de ganga continuam a ser o cartão de visita da Salsa, a 100% nas mãos da Sonae desde o ano passado. A marca não abre mão do que a tornou conhecida no mercado. É uma cultura que está entranhada. “O denim nunca passa de moda, mas facilmente podemos ser ultrapassados. O que nos diferencia é o foco de selecionar a melhor matéria-prima a nível de qualidade, de conforto, de resistência. O foco e o rigor que colocamos nos moldes, testamos em vários corpos. E o conhecimento e know-how a nível de lavagem e acabamentos”, resume Félix Santos, diretor criativo da Salsa, há quase 18 anos a trabalhar na empresa. Sempre atento e atualizado em relação às tendências. “Somos uma marca intemporal, as calças de ganga são uma peça fundamental, o difícil é escolher os jeans perfeitos”, diz Marta Kadosh, responsável de comunicação da Salsa.

Félix Santos, diretor criativo, e Marta Kadosh, responsável pela comunicação, na sede em Famalicão, onde a Salsa nasceu e se mantém
(Foto: Miguel Pereira/Global Imagens)

A fisionomia do corpo sempre foi importante para a marca, o que explica porque perdura no tempo. A inovação também sem abdicar do conforto, da suavidade e da textura do tecido. O push up Wonder em 2007 para realçar as curvas e puxar o rabo para cima e o push in em 2008 para uma barriga lisa mostraram ao Mundo o que era ser pioneiro no denim. A inspiração veio de uma marca sul-americana de roupa de desporto que realçava a silhueta feminina.

A Salsa estuda o corpo, as necessidades e as vontades, e testa, testa, testa, com uma forte componente técnica para afastar odores e nódoas ou manter a cor durante mais lavagens. “Estamos muito alinhados com o cliente, o que nos dá uma segurança maior quando lançamos produto”, frisa Marta Kadosh.

São 27 anos de vida e muita roupa, não apenas calças de ganga. “As peças de cima e de baixo têm característica e atributos que as diferenciam de outras marcas”, sustenta Félix Santos. As calças para grávida, por exemplo, dão para a gravidez e para depois, basta tirar a parte de malha que aconchega a barriga e substituí-la por um cinto. “A alma do negócio foi a reinvenção no mundo do denim que sempre foi muito masculino e enaltecer a mulher, sempre com muita tecnologia por trás”, enfatiza Marta Kadosh.

Os truques estão à vista: acompanhar o mercado, máxima atenção ao cliente, e não perder a essência que ergueu os alicerces da marca para homem e mulher que em 1998 inaugurou a sua primeira loja no NorteShopping, em Matosinhos, e que mostrou que era capaz de se aguentar de corpo inteiro.

A tradição, o artesanal, e os desafios digitais

O êxito da Parfois tem vários ingredientes. “Baseia-se no desafio constante de cumprir as expectativas dos clientes Parfois, reforçando a sua proposta de valor com um equilíbrio entre diferentes fatores: qualidade, preço e uma constante renovação da oferta em loja com novas referências”, refere a marca, que fala em grupo e recusa nomear um interlocutor, num texto enviado à NM. Não será por acaso que está em mais de 70 países, França, Itália, Arábia Saudita, Israel, Vietname são apenas alguns. Nos últimos anos, instalou-se em novos mercados e cresceu na América Latina e na Ásia.

A Mariano Shoes não entrou no calçado feminino, uma das suas mais recentes inovações, de qualquer maneira. Fê-lo com cores e bordados em sandálias, sabrinas, bailarinas, materiais pouco usuais como a pele da cauda do castor que é um desperdício da produção da chapelaria da região. “São sapatos únicos. As bases que fizeram crescer a marca são as mesmas: materiais premium, durabilidade, conforto, couro de elevada qualidade, acabamentos únicos”, salienta Fátima Oliveira.

A Mariano Shoes tem 16 funcionários e está em 12 lojas multimarcas, cinco em Portugal, as restantes em França e no Mónaco. O processo de internacionalização travou um pouco devido à pandemia, mas não está parado. “Queremos muito ser uma referência internacional.” Com sapatos de extrema qualidade. É calçado português e artesanal, resistente ao desgaste, que andou nas bocas do mundo pelas peles exóticas, de pata de galinha ou perca do Nilo. E, entretanto, juntou malas de viagem e necessaires em couro à sua oferta de acessórios.

Ana Paula Rafael, filha de um dos fundadores da Dielmar, dirige a marca que, a partir do interior, se afirmou na roupa de homem
(Foto: Gustavo Bom/Global Imagens)

A Dielmar também seleciona os materiais e tecidos que chegam à fábrica. Matérias-primas naturais como a pura lã, caxemira, seda, algodão. Os fatos, as camisas, os pulôveres, as gravatas, os lenços, trabalhados com os mais tradicionais processos de alfaiataria. Como se cada peça fosse única e exclusiva. Com as mãos e a tecnologia necessária. São 56 anos a moldar as peças ao corpo, a dar-lhes a forma e o conforto de uma segunda pele. “A Dielmar criou uma marca com a chancela da qualidade, da durabilidade e do conforto, aliando o design às suas peças”, vinca Ana Paula Rafael. “Uma marca de confiança para homem.”

A Parfois está a fazer 27 anos, nasceu antes da era digital, o mercado online tornou-se um desafio incontornável e uma oportunidade para chegar onde antes não estava. No ano passado, a loja online cresceu 30%. Os planos para 2021 incluem potenciar o online e o offline, reforçar pontos de contacto para melhorar o relacionamento com os clientes, focar-se em projetos estratégicos, como o plano de sustentabilidade,e em pormenores que sejam diferenciadores. Há, no entanto, um ponto fundamental. “Vamos continuar a ouvir o nosso cliente para desenvolver uma estratégia de comunicação que tenha na sua base a criação de conteúdos de valor, tanto de produto como experienciais, e que reforcem o posicionamento e os valores que representam a marca.”

Todas as marcas têm altos e baixos. Há caminho feito, há caminho por fazer, haverá sempre obstáculos, haverá sempre vontade de andar em frente e mostrar, com orgulho, a fibra de que são feitas. São portuguesas, com certeza.