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Não deixe que os conflitos estraguem a noite de Natal

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Texto Sofia Teixeira Ilustração Sérgio Condeço/WHO

O comediante americano George Burns disse uma vez que «a felicidade é ter uma família grande, amorosa, carinhosa e unida, mas que viva noutra cidade». Acontece que, no Natal, todos acorrem não só à mesma cidade, como se juntam debaixo do mesmo teto. E isso nem sempre é pacífico: pode haver guerras antigas e antipatias recentes que se manifestam quando se juntam pessoas ligadas por um laço de sangue mas não necessariamente por laços de afeto.

«Embora tenhamos o valor do amor associado à família, quando falamos de família alargada nem sempre esse amor profundo existe. Há a considerar a pouca empatia que pode existir entre alguns elementos», diz a psicóloga Catarina Rivero. «Mas pode existir cortesia, de modo a manter a união entre todos e uma postura que facilite a convivência, para bem do ritual de Natal que toda a família celebra.»

A época é de festa e ninguém quer mastigar o bacalhau ao mesmo tempo que engole sapos e rumina tensões. Mas nem sempre é uma questão de escolha.

Mas isso nem sempre é fácil, claro. A época é de festa e, se fosse possível escolher, ninguém escolheria mastigar o bacalhau ao mesmo tempo que engole sapos e rumina tensões. Acontece que nem sempre é uma questão de escolha. «Não é possível forcarmo‑nos a sentir uma determinada emoção por quem quer que seja, mesmo que se trate de familiares. E o facto de a época ser festiva não garante que existam emoções positivas, porque elas dependem da nossa interpretação», diz a psicóloga Tânia da Cunha.

É um dos problemas mais velhos do mundo: a realidade versus as expetativas. Por isso, na altura de lidar com familiares mais difíceis ou desagradáveis, Tânia da Cunha lembra que uma das estratégias mais importantes é recordar a história daquela pessoa e o que mexe com ela. «Quanto mais se souber sobre alguém, melhor se irá compreende‑la: perceber o comportamento do outro faz que ele se torne menos perturbador.»

Depois de uma consoada em paz, com o marido e os sogros, o suplício natalício de Carolina é o almoço do dia 25, quando se reúne com a sua própria família em casa da avó.

Carolina Esteves, 38 anos, sabe que o tio não teve uma vida fácil porque enviuvou cedo e não tem tido muita saúde. O que ela já não tem a certeza é se saber isso ajuda a aturar o comportamento dele todos os natais.

Depois de uma consoada em paz, com o marido e os sogros, o suplício natalício de Carolina é o almoço do dia 25, quando se reúne com a sua própria família em casa da avó. Todos os anos jura que vai arranjar uma desculpa para não ir, mas quando, no início de dezembro, a mãe lhe fala no almoço de Natal, acaba sempre por lhe faltar a coragem de fazer essa desfeita.

É que neste almoço, não faltam personagens que lhe dão cabo dos nervos: são os primos que vivem na Suíça e passam o dia a dizer que «lá na Suíça» é tudo muito melhor do que cá; é a cunhada que vem de Lisboa e que consegue passar o tempo a desconsiderar os outros, entre trejeitos amuados e sacudidelas de cabelo, e é, sobretudo, o tio, que mora perto, mas que ela faz por evitar todos os outros dias do ano, porque faz constantemente perguntas e comentários inconvenientes destinados a provocar os outros.

A psicóloga Catarina Rivero defende que quando há pessoas inconvenientes devem encontrar-se estratégias para gerir as relações, procurando dar menos importância a afirmações desagradáveis.

«E então quando é que vocês têm filhos, pá? Pelo menos vão aos treinos?» Todos os anos a mesma conversa em voz alta, mesmo sabendo que Carolina e o marido têm lutado contra um problema de infertilidade. O marido cerra os punhos debaixo da mesa, os primos da Suíça só percebem a parte brejeira do comentário e riem‑se, a cunhada acusa a inconveniência com mais um dos seus ares amuados, a mãe e a avó ignoram porque não querem conflitos. E Carolina volta a jurar em silêncio que no próximo ano vai mesmo baldar‑se ao almoço. Quanto ao tio, perante a falta de comentários, passa à vítima seguinte: «Mas esse miúdo vai mamar até aos 18 anos?», pergunta quando a cunhada de Carolina se levanta da mesa para dar de mamar ao filho de ano e meio.

Catarina Rivero defende que quando há pessoas sentidas como desagradáveis ou inapropriadas por parte de muitos elementos da família é em família que se devem encontrar estratégias para gerir as relações, procurando dar menos importância a afirmações desagradáveis, muitas vezes relacionadas com as vulnerabilidades individuais e formas de defesa da pessoa que faz os comentários inapropriados.

«Mas isso pode ser mais desafiante quando existe alguma mágoa ou vulnerabilidade emocional da parte de quem está a tentar lidar com as afirmações negativas ou destrutivas.» A psicóloga considera que é importante enfrentar conflitos, abrir espaço ao diálogo, à definição de limites e à expressão de emoções para tentar encontrar soluções.

Filipa Garcia passa os natais sem conflitos porque a família não cede a exceções na altura do Natal. O núcleo familiar que se junta é reduzido: apenas ela, os filhos pequenos e os pais, ao contrário do que era habitual.

Mas reconhece que talvez não seja o Natal a altura mais indicada. «Pode ser recomendável que isso ocorra fora de um momento de reunião familiar alargado, com vista a uma celebração, como é a ceia ou almoço de Natal.»

Tolstoi abre Anna Karenina com uma frase marcante: «Todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.» Se para uns o drama é terem de engolir sapos pelo bem comum, para outros o problema é que ninguém se dê ao trabalho de fazer esse esforço.

Filipa Garcia passa os natais sem conflitos porque a família não cede a exceções na altura do Natal. O núcleo familiar que se junta é reduzido: apenas ela, os filhos pequenos e os pais, ao contrário do que era habitual.

Sente falta dos natais de antigamente, quando o pai e o tio – irmão da mãe – não estavam de relações cortadas e os outros tios não tinham tomado partido na disputa. A família juntava‑se toda no Natal, em vez de fazerem reuniões mais pequenas e separadas. O pai e o tio trabalham no mesmo ramo de negócio, mas têm empresas diferentes, e quando há uns anos o tio ficou com um dos clientes do pai, ele sentiu‑se «roubado». «Como era previsível, o ambiente depois ficou péssimo: o meu pai passou a recusar‑se a estar no mesmo sítio que ele. É muito triste esta divisão e sinto‑o bastante no Natal.» O almoço de Natal passou a ser igual aos outros almoços todos de domingo.

«Não existem receitas gerais para todas as famílias», diz Catarina Rivero, admitindo que, em algumas circunstâncias, o distanciamento pode ser o melhor caminho.

«Não existem receitas gerais para todas as famílias», diz Catarina Rivero, admitindo que, em algumas circunstâncias, o distanciamento pode ser o melhor caminho. «O mais importante é encontrar uma forma de reorganização familiar onde o bem‑estar prevalece. As opções podem passar por tentar uma aproximação, criar uma relação mais distante mas mais positiva, pelo corte relacional ou, naturalmente, pela terapia familiar.»

No caso da família de Filipa, entre alguns dos membros desavindos, nomeadamente entre ela própria e o tio, já houve uma aproximação civilizada, mas o pai continua magoado e irredutível, apesar de vários parentes já terem tentado colocá-los no caminho da reconciliação.

O Natal deste ano vai ser com pouca gente, mas em paz e sem conflitos entre quem se senta à mesma mesa. Já Carolina tem paz garantida no ano inteiro, exceção feita para o almoço de dia 25. Neste ano a avó e a mãe já lho lembraram e ela e o marido vão estar presentes a ouvir as mesmas piadas sem graça que ouvem há anos. «São duas ou três horas de stress, depois vêm mais 364 dias de paz até ao próximo Natal.»

COMO EVITAR CONFLITOS?