A vista do Cristo Redentor é das coisas mais lindas que já vi. Viajámos a noite toda, quase dez horas de avião, mal sentados, mal descansados, mas cheios de vontade de pôr o pé no Rio. A Deolinda embarcara para a sua estreia na Cidade Maravilhosa. Já havíamos tocado em Garanhuns e em São Paulo, aqui há três anos, e foram datas memoráveis, pela entrega do público, pela maravilha da descoberta mútua. Por isso, esta data era especial para nós. Sabíamos que teríamos gente a apoiar-nos. Mas sabíamos também que, numa praça ao ar livre, o desafio seria agarrar os milhares de pessoas que nos viam, a maior parte sem nos conhecer, certamente, e convencê-los a não se irem embora. Por isso, a visita ao Corcovado, no dia da chegada, funcionou quase como uma inspiração para a noite do dia seguinte, com a vista daquela cidade a ajudar-nos a encontrar o espírito certo para enfrentar o palco.
As filas da frente sabiam as letras de cor, as filas de trás pulavam e dançavam. O alinhamento estava feito para não dar quase um minuto de descanso a quem ouvia. Ensinámos-lhe algumas expressões de cá que não se usam lá, como berbicacho, o título de uma canção nossa, cantaram em coro connosco o refrão da canção, mostrámos-lhes como se dançam as marchas populares em Portugal (mãos na anca e ginga no corpo, pois claro). Saiu uma marcha sambada, um encontro de culturas, uma partilha de amizade e de uma ligação que se fortalece aos poucos, com um cada vez maior interesse do Brasil na cultura portuguesa. Quando a cultura vence, não há nada a temer. Obrigada, Brasil. Queremos voltar rapidinho, rapidinho, né?
(Fotografia de Ana Bacalhau)
[Publicado originalmente na edição de 26 de junho de 2016]