Publicidade Continue a leitura a seguir

Cavalheiros de Panamá na cabeça

Publicidade Continue a leitura a seguir

Simone de Beauvoir adorava contar um episódio em que, estando na companhia de um amigo, um artista alemão, vê aproximar-se um homem muito bem vestido que entabula conversa. Depois de o homem se afastar, o amigo de Beauvoir, visivelmente envergonhado, pede-lhe desculpa por aquele cavalheiro, de quem era irmão, ser banqueiro.

Albert Cossery, em As Cores da Infâmia, conta a história de um ladrão que se veste como um homem abastado, passando assim por cidadão honesto e insuspeito: «Estou paramentado com todos os ornamentos da prosperidade. Julgam-me rico. Neste meio, já se sabe que só os pobres são ladrões. É uma superstição que remonta à Antiguidade e que convém perfeitamente aos meus negócios.»

Por mero acaso, este ladrão acaba por ficar na posse de uma carta que revelaria uma fraude entre «altas esferas da sociedade». Pondera, junto com outras pessoas, tornar o documento público, lançá-lo como uma bomba, mas é dissuadido: a carta «não vai provocar nenhum escândalo, grande ou pequeno. O banditismo nas altas esferas da sociedade é uma peripécia admitida em todas as nações do mundo. O povo já está habituado e até aplaude esse género de proezas».

Não é invulgar existir um asco especial por pequenas falhas morais ou de práxis: transgressões no trânsito, bofetadas, uma palavra mal utilizada… Contudo, os grandes crimes de corrupção parecem ser algo a que nos resignamos com a desculpa de que o mundo funciona assim. Por vezes vamos mais longe e elogiamos a estratégia e o modo como «sabem fazer as coisas». Não é raro, por exemplo, ouvir comentadores políticos elogiarem quem «sabe fazer política», em oposição à «ingenuidade» de quem é sincero, corroendo assim a própria democracia (ao espoliar a verdade), enquanto aplaudem embustes (desde que razoavelmente disfarçados pela retórica). É espantosa a absoluta submissão dos povos à iniquidade e a uma mistificação generalizada que, talvez por andarem bem vestidas, parecem intocáveis. Sempre que há um escândalo financeiro, temo que a História se repita e que, no final e como diria o ladrão de Cossery, os implicados apresentem simplesmente «a sua honra como um álibi irrecusável, dando a entender que à hora em que estas práticas delituosas tiveram lugar, se encontravam na companhia da sua honra».