Toda a cabeça deve ser analisada ao pormenor.
Transformar a cabeça num espaço quadriculado em que cada milímetro de espaço tem uma função.
Localização dos pensamentos, dos afectos, da vontade; localização da crença e da sensação de dor, localização da apetência para a matemática e para as línguas, localização da tendência para se apaixonar por mulheres morenas, ou ruivas, ou altas ou baixas, ou homens altos, baixos, morenos, loiros; localização da tendência para se ser um atleta ou um preguiçoso sedentário e gordo que vê com desprezo qualquer movimento minúsculo de qualquer pé de qualquer pessoa; localização, enfim, da apetência para a ganância sem escrúpulos ou para a simples ganância com alguns escrúpulos (há, em síntese: seres humanos com enorme ganância, outros com ganância moderada, outros com ganância fortemente moderada – e há depois os mortos).
Enfim, toda a cabeça será dissecada, dividida em bocadinhos e estudada como um mapa. O amor, por exemplo, essa actividade excessivamente sobrevalorizada, regressará certamente ao seu justo lugar, à sua justa localização na hierarquia das coisas importantes da vida, quando percebermos, de uma forma clara, inequívoca e quadrangular que o amor, esse sentimento que está sempre a aparecer nos poemas, nas pinturas e até no coração das pessoas ou em outros meios ainda mais vagos, se encontra especificamente alojado na posição b37.
A questão associada à localização cerebral dos sentimentos, dos afectos e das aptidões, o problema dessa localização espacial (mesmo que no cérebro) é sempre o mesmo: a partir do momento em que os conseguimos localizar podemos começar a bombardear ou a fertilizar. Um espaço pode ser destruído, defendido – ou, no limite, vendido.
– Já não me quero apaixonar; vendo portanto o espaço referente às posições b37, b38 e b39.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia.