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Roy Baumeister: “Ser realista das fraquezas e das forças”

Fotos: Pedro Granadeiro/Global Imagens

Porto, 22/ 05/ 2023 - Roy Baumeister, psicólogo social. ( Pedro Granadeiro / Global Imagens )

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Roy Baumeister é um dos psicólogos mais influentes do Mundo. Esteve em Portugal, na Universidade Portucalense, pela primeira vez no norte do país, para partilhar conhecimentos e pesquisas. Como olhamos para o que vivemos e pensamos no que há de vir. Quanto mais controlamos os nossos impulsos, mais sucesso temos. A força de vontade pode mudar uma sociedade (para melhor, espera-se). Aos 70 anos, continua a estudar e a analisar comportamentos, o que nos torna humanos, como o cérebro pensa e funciona, como damos significado à vida. A política e seus conflitos são também matéria do interesse do professor norte-americano.

As palavras são de Einstein. “Eu nunca penso no futuro. Ele chega em breve.” O pensamento do teórico e físico alemão, dos mais reputados de todos os tempos, abre a apresentação de Roy Baumeister, professor norte-americano, um dos psicólogos mais influentes do Mundo – mais de 700 trabalhos científicos, mais de 40 livros, cerca de 265 mil citações em várias partes do planeta. Numa sala da Universidade Portucalense, no Porto, num encontro caseiro e reservado, um dia antes da sua participação num colóquio sobre marketing relacional na aula magna da instituição, fala da forma como o passado, o presente e o futuro surgem nos pensamentos quotidianos. Como as pessoas pensam no que está para vir e as emoções que se manifestam. Entender a vida humana alimenta os seus dias, os seus anos, todo o seu trabalho.

“Os animais vivem no presente, os homens vivem com o passado, com o presente, com o futuro”, lembra no início da partilha dos resultados de uma das suas investigações. A vida é feita de vários momentos, camadas, fragmentos. Do ontem, do hoje, do amanhã. O estudo foi realizado do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos da América. O presente é a linha que separa o ontem e o amanhã, mesmo que seja por minutos.

Homens e mulheres pensam sobretudo no presente, no aqui e agora, 40% da amostra de 492 pessoas. Pensam mais no futuro do que no passado, 14% para 4%, respetivamente. E quando o passado vem à cabeça é sobretudo para perceber de que forma o que se viveu pode ter impacto no que se quer viver. “As implicações para o futuro quando se pensa no passado”, especifica. Mais focados no futuro que não é muito longínquo. Neste estudo, o futuro é daqui a cinco minutos, não daqui a cinco meses ou cinco anos. Os participantes, quase metade estudantes, recebiam alertas no telemóvel para naquele momento pararem e registarem o que estavam a pensar, se no que tinha acontecido há poucos minutos, se no que estava a acontecer, se no que ainda iria acontecer – e poderia ser o que fazer para o jantar nesse dia, por exemplo. O futuro é incerto, sim, mas não há muita gente que queira viver amarrada ao passado. Em todo o caso, o que há de vir é um grande ponto de interrogação, uma mescla de incertezas.

Revisitar o passado, viver o presente, pensar no amanhã. “A felicidade é tanto maior quanto mais estamos no presente”, adianta. A ansiedade aumenta quando mais se avança no futuro, as expectativas também – afinal de contas, o futuro é sempre excitante. As pesquisas do estudo revelam ainda que pensar no amanhã reduz a confiança, diminui a assunção de riscos, favorece o que é seguro. No fundo, procura-se segurança, evitam-se incertezas. E, nesse futuro, pensa-se na morte? Os investigadores perguntaram, quiseram saber. Nem por isso, não é questão que ocupe muito o pensamento.

Roy Baumeister, presidente da Associação Internacional de Psicologia Positiva, ligado a três universidades, de Queensland na Austrália, da Florida nos Estados Unidos, de Bamberg na Alemanha, admite que ser otimista ajuda. Alguém que tem um cancro e que acredita que vai sobreviver não pensa o mesmo que alguém com cancro que pensa que vai morrer. “Algum otimismo é bom”, comenta. A questão é quando há assuntos para resolver, quando é necessário optar por um caminho ou por outro. Nesse caso, pés assentes na terra. “Ser realista quando há escolhas que têm de ser feitas, quando se tem de tomar uma decisão.” É necessário pesar prós e contras.

Natureza, cultura, autocontrolo

Baumeister estuda o autocontrolo, a autoestima, o eu e a identidade, a rejeição social, a motivação, a força de vontade, o livre-arbítrio. São áreas do seu interesse, temas em que se destaca, anda pelo Mundo a partilhar conhecimento nestes campos, há dez anos recebeu o principal prémio da Associação de Ciências Psicológicas. No mundo da investigação, há sempre perguntas, inquietações, aspetos a desvendar e clarificar. Questões que por mais básicas que pareçam, têm profundidade, complexidade, densidade. O que nos torna seres humanos? Somos animais, sim, temos as necessidades básicas dos animais, claro, mas somos mais do que isso. Nas suas palestras, fala disso também, nos fatores que nos distinguem como a inteligência, o autocontrolo, a capacidade de aprender e de ensinar, bem como no sistema social, na linguagem, na cultura. Se a Natureza prepara a Humanidade para a sua vida em comunidade, todo o meio importa, tem o seu papel. A Natureza e a cultura têm de trabalhar juntas, devem funcionar juntas, moldarem-se mutuamente.

A Humanidade evolui, gere os seus impulsos, tem de funcionar em sociedade, há vários interesses em jogo, os de cada um e os da comunidade. O livre-arbítrio é tema das suas pesquisas e as investigações mostram que a descrença nessa liberdade de escolha condiciona maneiras de agir que podem ser prejudiciais nesta vida de sociedade, ora com mais agressividade, ora com menos vontade de vencer vícios, ora com menos empenho no trabalho. Baumeister continua debruçado sobre o assunto, algumas ações são mais livres do que outras, e isso importa em termos de consequências sociais – controla-se o que se faz, trabalha-se o autocontrolo, pensa-se nas escolhas racionais, numa permanente e constante adaptação à sociedade em que se vive.

Baumeister fala de autocontrolo, da energia armazenada dentro do corpo e da cabeça, da maneira como é utilizada. Por vezes, abusa-se dessa energia, outras vezes, nem por isso. “Se for importante, podemos fazer esforços para o autocontrolo. A maneira de controlar os pensamentos é tentar concentrar-se, pensar com cuidado, controlar as emoções, sentir-se melhor, parar a raiva, controlar os impulsos – não entrar em lutas, por exemplo.” A ciência mostra e comprova. Menos autocontrolo, mais conflitos. Mais autocontrolo, mais sucesso.

“As pessoas com bom autocontrolo são mais populares, dão-se melhor na escola, ganham mais dinheiro, têm melhores relações, são mais felizes, mais saudáveis, vivem mais tempo”, refere. Autocontrolo e inteligência, autocontrolo com inteligência, e a vida poderá ser bem-sucedida. A lógica de um conceito aplica-se à lógica do outro. A servir num restaurante, exemplifica, faz-se um melhor trabalho se houver inteligência. O mesmo acontece com o autocontrolo que, afinal de tudo, pode ser fortalecido, exercitado.

A força de vontade é um motor da vida, uma das maiores forças humanas. Baumeister tem também dedicado atenção ao tema, várias pesquisas, várias publicações, livros. O que fazer com ela e como aumentar esta força. O eu, o verdadeiro eu, a identidade, o que vem de dentro, são igualmente matérias do seu trabalho. O eu verdadeiro não é um “ideal imaginário”, realça o psicólogo. As evidências científicas não comprovam que o verdadeiro eu seja diferente da maneira como se age, da maneira como se é. E o impulso autodestrutivo não existe da forma como era encarado e apresentado no meio académico. Baumeister quis saber as razões desse comportamento, esmiuçou-o, investigou-o, e concluiu que o comportamento autodestrutivo é o resultado de compensações ou de estratégias de evasão, de escapar dessa individualidade que, por vezes, sufoca.

O sentido da vida. Toda a gente pergunta qual é esse sentido. Baumeister escreveu sobre o assunto no seu livro “Sentidos da vida” com evidências de várias áreas (psicologia, sociologia, antropologia), debruçou-se sobre como as pessoas querem dar significado às suas vidas, como esses sentidos se interligam ou se afastam e o que lhes acontece quando a vida perde sentido. Uma abordagem exaustiva e abrangente sobre a matéria. Mais uma matéria cheia de significado e significados. No singular e no plural.

Fraquezas e forças, conflitos políticos

O Mundo sai de uma pandemia, vive-se uma crise social, económica, política, há uma guerra no centro da Europa. A Humanidade sobreviverá a tudo isto? Sim, é um rotundo sim de Roy Baumeister. “Sim, penso que vamos sobreviver. Houve guerras piores, crises e problemas, há muitas perspetivas positivas e haverá sempre problemas. A maior parte das coisas está a melhorar em todo o Mundo, há menos crianças pobres, mais pessoas têm acesso a água, mais pessoas vivem mais tempo.” Mais coisas correm bem, apesar das coisas más à volta.

Quando era miúdo, confessa, pensava nisso, se a vida ia melhorar ou piorar. Percebeu que poderiam ser as duas, algumas coisas seriam melhores, outras piores. “Mas mais coisas seriam melhores do que ficariam piores”, recorda. O Mundo ficará melhor, mais forte, mais preparado, mais feliz, depois de tudo o que se está a viver? Acredita que sim. “Vive-se mais tempo, a qualidade de vida continua a melhorar, há mais cuidados de saúde. Vive-se mais e com mais saúde. As pessoas têm mais opções para o seu prazer e para a sua satisfação.”

A política é um tema que lhe tem interessado e com o qual, reconhece, tem aprendido. A política e os seus conflitos. Baumeister fala de um estudo feito nos Estados Unidos. Há os republicanos e há os democratas e a maneira como olham uns para os outros é cada vez mais negativa. Se antes cooperavam mais, se antes eram mais próximos, agora já não é assim. As pesquisas destapam menos amor e mais ódio. O gostar dos elementos do mesmo partido não tem crescido ou diminuído nos últimos anos. Mantém-se estável. Mas o ódio pelos elementos de outros partidos aumentou. “Há mais ódio dirigido aos outros, do que amor dentro do próprio partido.”

Na política, não há misturas, as diferenças acentuam-se, as preocupações são diferentes. Quanto mais afastados os partidos, mais extremos ficam. E a linha que separa a Direita da Esquerda está cada vez mais vincada.

Baumeister recua ao passado. A Humanidade tem de produzir recursos e partilhá-los, assim é desde que o homem é homem, desde que caça para se alimentar. À Direita, o foco está em produzir recursos. À Esquerda, em redistribuir esses recursos. A igualdade é o ideal da Esquerda. A economia e o mercado são pontos importantes para a Direita. Há, portanto, conflitos. “Uma sociedade bem-sucedida precisa dos dois, por isso, penso que a alternância de poder parece ser o equilíbrio estável”, analisa.

Com 70 anos feitos neste mês, Baumeister não mostra sinal de querer abrandar. Confirma-o em palavras. “A psicologia é muito interessante, quero continuar a pesquisar, a descobrir, não quero parar.” E o futuro? O que é para si o futuro? “Estou a ficar velho, apesar dos meus melhores esforços para o evitar. Parece-me que estou bem física e mentalmente, acabei de fazer 70 anos, provavelmente estarei bem para mais dez anos, logo veremos.” Quer continuar a escrever livros e a enriquecer o pensamento e a compreensão da vida nas suas várias dimensões.

Perante uma plateia de estudantes, na sala da Universidade Portucalense, pedem-se conselhos. Não deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, o que evita o stress, o que evita a ansiedade em cima de prazos para entregar trabalhos, para estudar para os exames. Tentar dar o melhor, fazer melhor. “Melhorar sempre um bocadinho.” Passar para um próximo nível, se possível. “Ser realista das fraquezas e das forças”, diz. E nunca esquecer. “Tudo o que tem a ver com investigação demora o dobro do que se pensa.” Ele sabe do que fala.