Está no top 10 dos carcinomas mais prevalentes em Portugal, mas apresenta uma das mais altas taxas de sobrevivência a dez anos. Aliás, já há casos em que se prefere vigiar, em vez de remover. E no futuro deverá ser cada vez mais assim.
Andreia Azevedo, 34 anos, ainda tem bem presente a reação da mãe de cada vez que comiam juntas, naquele ano de 2012. “Estava sempre com os olhos colados no meu pescoço.” A culpa era do nódulo que tinha na garganta, uma “espécie de caroço que saltava” quando engolia a comida e que não passava despercebido. Ainda assim, foi deixando andar, primeiro por despreocupação, depois por estar demasiado combalida com a morte do pai para tratar do assunto. Até que, por outros motivos, teve de ir a uma consulta no centro de saúde. E a questão do médico que a viu foi imediata. “Já viu a sua tiroide?”, interrogou-a. “Então veja antes que vire santa”, respondeu-lhe o clínico, assim que ela disse que não. E ali percebeu que era altura de começar a preocupar-se com o assunto. Meses depois estava a entrar no bloco operatório com um diagnóstico de cancro da tiroide. “No início [após a operação] tive de ter alguns cuidados a engolir, não podia esforçar muito a voz, mas foi um pós-operatório tranquilo, sem grandes dores.” Seguiram-se dois dias de isolamento total para fazer uma terapêutica à base de iodo radioativo, que pretendia eliminar quaisquer células cancerígenas que restassem. Um ano depois, repetiu a dose, por ainda apresentar vestígios das mesmas. Mas desde então que está recuperada e livre de sustos. Mesmo que não se livre de tomar uma medicação que, no fundo, faz as vezes da tiroide. E que é para manter.
Essa é, de resto, uma das especificidades do cancro da tiroide. “A cirurgia é curativa, mas há uma necessidade de suplementação para toda a vida”, avisa Joana Febra, oncologista no Centro Hospitalar Universitário de Santo António, no Porto. Vale a pena recordar, a propósito, que falamos de uma glândula endócrina localizada no pescoço e responsável pela produção de importantes hormonas reguladoras do metabolismo do corpo. Se estas não forem produzidas, ou forem produzidas de forma desajustada, há diversos órgãos a ser afetados. E os sintomas podem ir da fadiga e fraqueza muscular aos distúrbios de sono e à depressão, entre outros. Daí que esta suplementação vitalícia, nos casos em que a tiroide é removida na totalidade, seja condição sine qua non. Mas há mais especificidades deste carcinoma. Desde logo, o facto de o tratamento mais recorrente ser à base de iodo radioativo. E de, ao contrário do que sucede com outros tipos de cancro, raramente se recorrer à quimioterapia ou à radioterapia.
Outra particularidade da doença é que apresenta números muito animadores. Joana Febra releva isso mesmo. “No caso dos cancros diferenciados, os mais frequentes [onde se incluem o carcinoma papilar e o carcinoma folicular], a taxa de sobrevivência a dez anos está entre os 90 e os 95%.” Note-se, no entanto, que também existem os carcinomas medulares e anaplásicos, de prognóstico bem menos simpático. Quanto à incidência, segundo dados do Registo Oncológico Nacional, surgem 500 novos casos por ano, estando no top 10 dos cancros mais frequentes em Portugal. “Sendo que a incidência tem aumentado porque há um aumento da deteção da doença subclínica.” Ou seja, um melhoramento dos exames de diagnóstico.
Quando a cirurgia não é o caminho
A propósito, Maria João Bugalho, diretora do serviço de endocrinologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte, tem uma visão muito própria. “Hoje em dia, por dá cá aquela palha pede-se uma ecografia à tiroide. Eu não sou nada apologista de fazer ecografias só para rastrear. Acho que estas devem estar reservadas aos casos em que efetivamente é necessário fazer um estudo de nódulos palpáveis.” Mesmo em relação à cirurgia, e por estranho que isto possa soar num primeiro momento, há casos e casos. A especialista explica a lógica que subjaz a este raciocínio. “É um cancro que, em teoria, não é muito agressivo. Os carcinomas papilares, sobretudo, têm uma evolução bastante indolente. Tanto que em autópsia se encontram muitos carcinomas da tiroide que nunca deram problemas aos doentes. E o sobretratamento, que neste caso é cirúrgico, pode trazer alguns problemas.”
Sobretudo em relação às cordas vocais e às paratiroides (glândulas que ficam no pescoço, atrás da tiroide), que podem ficar inviabilizadas. “São complicações que têm de ser ponderadas”, frisa Maria João. A questão coloca-se ainda mais no caso dos microcarcinomas, que por regra não têm um conceito de malignidade igual ao de outros cancros. “Nesses casos, pode ser aceitável a vigilância.” Aliás, garante a especialista, há até centros diferenciados (em Portugal), mais vocacionados para o tratamento, que já adotam esta política. “O doente não precisa de passar logo para a cirurgia. Como há uma vigilância, mesmo que a dada altura o carcinoma evolua, vai-se sempre a tempo de intervir.” E o futuro passará cada vez mais por aí, não tem grandes dúvidas. Outro ponto relevante é que o cancro da tiroide já não implica necessariamente uma tiroidectomia total. “Hoje em dia, já é possível definir graus de risco para o doente e em certas situações retirar apenas um dos lobos. Nalguns destes casos, embora isso seja variável, pode até não haver necessidade de fazer terapêutica de substituição.”
Joana Febra destaca ainda o aparecimento de “tratamentos promissores” no caso da doença mais avançada. “Quando o carcinoma não responde ao iodo ou quando a doença está disseminada, já há inibidores da tirosina quinase [uma proteína] de nova geração, que ajudam a melhorar a qualidade de vida, a diminuir a pressão da doença e a evitar que se continue a disseminar, prolongando a vida do doente. São moléculas orais, com efeitos adversos geríveis.” Há também as chamadas terapêuticas dirigidas, que, no fundo, combatem apenas as células que estão danificadas. “Vai ser menos agressivo porque não se matam todas as células.”
De olhos postos no futuro vale ainda a pena sublinhar um procedimento que, desde dezembro, tem vindo a ser adotado no Centro Hospitalar de São João, no Porto. Chama-se termoablação e nasceu na Coreia do Sul, mas tem vindo, aos poucos, a ser transportado para a Europa. Pedro Sá Couto, cirurgião geral nesta unidade hospitalar, explica em que consiste. “Trata-se da destruição de nódulos por via percutânea. No fundo é uma agulha que entra no nódulo e que através de um sistema que gera calor o vaporiza.” Há anestesia local e controlo ecográfico, o que significa que o procedimento é acompanhado em tempo real através de ecografia. Na prática, o nódulo fica muito mais pequeno, “nalguns casos quase desaparece”. O que não invalida uma “eventual necessidade de cirurgia no futuro”, ressalva o especialista. E sim, para já, esta técnica está a ser usada unicamente no caso de nódulos benignos. Mas poderá, a médio prazo, ser mais uma arma no combate ao cancro? “Não tenho dúvidas de que o futuro passa por aí. Aliás, nalguns países isso já se faz. Cá será uma questão de ganharmos experiência.”
Factos & números
3
O cancro da tiroide é três vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens.
4.ª
É na quarta década de vida que este carcinoma mais aparece.
Sintomas
Além do aparecimento do nódulo, que a partir de um dado diâmetro é percetível a olho nu, pode haver alterações da voz e engasgamentos mais frequentes. No limite, dor cervical e sensação de falta de ar. Mas muitas vezes é um cancro assintomático.