O meu cérebro é um superalimento à espera de ser colhido e transformado em granola. O fígado é uma tosta de abacate e os rins um ovo escalfado. Toda eu sou um brunch saudável, o corpo, uma pêra rocha meio verde com uns fios de algas carregados de iodo, por cabelos.
Sou um pomar carregado de todos os frutos, especialmente, os frutos de verão. Ameixas, cerejas, morangos e pêssegos. Átomos da minha existência, doces esferas que me ligam à terra.
Sim, sou dessas. Nem sempre fui. Birras sempre que não era carne, em miúda. Legumes
e peixe davam choradeira certa. Até que um dia, depois de me lambuzar anos a fio, acabei por me fartar dos prazeres da carne e passei a concentrar‑me nos prazeres de não comer carne.
Não evangelizo ninguém, acho parvo que se tente mudar algo tão pessoal e intransmissível como os apetites e os prazeres culinários de alguém, menos ainda recorrendo à sobranceria moral e à táctica da culpabilização.
Como dizia sabiamente a minha avó, com a devida entoação irónico‑irada: «Não gostas, não comes.» Cada apetite sabe de si e o meu sabe que quer ser verde, da cor dos pastos e dos pomares.
Fico feliz e faz‑me feliz uma mesa recheada de todas as cores com que a terra pinta a sua carne. Os legumes são a carne da terra e eu a sua predadora. Quem nunca comeu feijão‑verde cru acabado de colher não sabe o prazer que dá trincar a sua carne estaladiça e provar aquele sabor meio apimentado. Ou uma maçã ácida e doce, ao mesmo tempo, que, a cada dentada, nos vai arrepanhando as bochechas e arrebatando o palato.
O doce caramelizado de uma cebola que se enrolou com o azeite num refogado demorado e que nos confunde os sentidos, que tentam perceber se será sobremesa ou prato principal.
Se sou o que como, tenho raízes fortes e profundas, como as árvores de fruto. Não sou melhor nem pior por isso. Apenas feliz. Porque é assim que a comida, como a vida, nos devia deixar: felizes e saciados.