A injustiça original pode ter tido múltiplas formas, reais ou imaginárias, mas o sentimento que gerou foi sempre uma pergunta sem resposta: porque me ignoraram?
Essa dor é uma corrente de aço que liga o presente ao passado, o ressentimento é essa dor.
Tu és o símbolo de qualquer coisa que o magoou no passado. Ou porque há algo em ti que é comparável a essa mágoa antiga, ou porque há algo nessa mágoa antiga que é comparável a ti, um detalhe pode evocar o mundo inteiro.
Não vale a pena perderes tempo a identificar essa coincidência, é irrelevante. As relações não são da responsabilidade dos objetos relacionados, mas sim de quem as estabelece.
A tua presença é alheia ao seu ressentimento. Na verdade, não é de ti que fala quando diz o teu nome.
Por um lado, não te conhece; por outro lado, não é capaz de te ver. Quando olha para ti, apenas vê o passado, apenas sente aquela dor antiga, aquela chaga ainda aberta. Como em documentários na televisão ao domingo, é um animal ferido na savana, talvez um leão, é um animal zangado. Os seus argumentos são camuflagem para o mal‑estar.
Mas é sempre assim? Sim, é sempre assim. Quando se tenta eliminar o outro, quando não se lhe reconhece direito à existência, quando se tenta assassinar a sua reputação, é sempre assim. Mas não haverá casos em que o rancor é isento? Não, o rancor nunca é isento, é sempre pessoal e tendencioso, depende daquele que o projeta e não daquele a quem se dirige.
E sim, o teu cuidado é legítimo, a tua pena e preocupação são legítimas. Mas não podes caminhar com as pernas dos outros, gesticular com os seus braços, não podes falar com a sua voz. Terá de ser o próprio a drenar o veneno. Tu apenas podes viver a tua vida, o que não é pouco.