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Resiliência, para que serve?

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Texto de Carla Mateus | Ilustração de Filipa Viana/WHO

Quando se depara com uma situação difícil, é uma pessoa que lida bem com as vicissitudes e reage de forma positiva às dificuldades e adversidades ou, pelo contrário, tem pensamentos negativos e comportamentos de negação ou evitação face a essas circunstâncias? Há pessoas que conseguem superar estes acontecimentos com mais facilidade do que outras. Já reparou? O seu segredo está em serem resilientes.

A palavra «resiliência» tem sonoridade estranha e significado pouco conhecido, mas pode fazer a diferença na nossa vida e na forma como enfrentamos situações difíceis. No seu significado original, o termo, que foi emprestado da física, refere-se à propriedade que certos materiais têm de voltar à sua forma original seja qual for o impacto ou tensão que sofram. Como um elástico que, à medida que é esticado, se deforma até um certo limite, sem rebentar, retornando à forma inicial quando deixamos de esticá-lo. Atualmente, é frequentemente utilizado para descrever a forma como as pessoas respondem às frustrações e aos problemas que ocorrem na sua vida, e como recuperam desses embates de modo a saírem mais fortalecidas perante as adversidades.

Vivemos num mundo onde somos constantemente postos à prova, por vezes com situações que parecem exigir mais do que o que conseguimos aguentar. Pode ser a perda de um emprego, uma crise governamental, uma doença, o falecimento de uma pessoa querida, um divórcio ou uma catástrofe natural como um tsunami. O facto é que o nosso dia-a-dia está repleto de desafios e obstáculos que precisamos de ultrapassar para seguirmos em frente com a estabilidade emocional adequada – o que faz da resiliência uma competência fundamental para o sucesso nas organizações e na nossa vida. «A capacidade que temos de fazer face às adversidades permite-nos ter uma visão positiva sobre nós e gerir melhor as nossas relações com os outros, a nossa vida e perspetivas futuras», afirma o psicólogo Miguel Pereira Leite. Como nos mostram os estudos nesta área, «quanto mais experimentamos os afetos negativos, mais resilientes podemos tornar-nos». E, consequentemente, mais preparados estamos para lidar com as adversidades.

Quem tem resiliência não só enfrenta os problemas, como é capaz de agarrar uma situação potencialmente destrutiva ou desagradável e transformá-la num estímulo a um bem-estar e felicidade acrescidos.

Depois da Segunda Guerra Mundial, alguns especialistas dedicaram-se a estudar o processo de sobrevivência aos campos de concentração, procurando encontrar características comuns nos sobreviventes, ou seja, atributos ou competências que os ajudaram a sobreviver num ambiente em que muitos outros não conseguiram. Duas das características encontradas foram a determinação e o propósito. A maioria das pessoas que sobreviveu tinha um forte propósito, como contar ao mundo o que se passava lá, e uma determinação inabalável para alcançar esse objetivo.

Pelo contrário, quem é menos resiliente tem mais dificuldade em suportar experiências difíceis. Nestes casos, os sentimentos de culpa e a falta de confiança tomam lugar, a preocupação aumenta e o esforço para ultrapassar a situação é muito maior.

Da lista das principais características das pessoas resilientes consta «uma elevada tolerância à frustração. Não se zangam tanto e não ficam ressentidas. Continuam em frente mesmo quando o cenário está negro, sabem que as contrariedades são normais e fazem parte da vida», revela Lúcio Lampreia, licenciado em Sociologia do Trabalho e especialista em recursos humanos.

A resiliência, porém, não se limita a experiências humanas. Pode ser aplicada de igual forma a qualquer sistema, vivo ou não, no qual esteja envolvida uma mudança dinâmica. É o caso de uma organização, por exemplo, ou de um país como Portugal. Um exemplo desta situação? O povo português. Durante séculos fomos um povo resiliente, mas com o passar do tempo deixámos de exercitar esta competência. «Tem-nos faltado desenvolver a capacidade de resistência, de perseverança, desistimos cedo demais, ficamos rapidamente cansados, e a nossa capacidade de reação é muito lenta. E por isso preferimos resultados a curto prazo. O “não posso” tornou-se um (mau) hábito nacional», diz o sociólogo.

A boa notícia é que a resiliência é o nosso músculo psicológico – algo que todos temos, em alguma medida –, e que pode e precisa ser desenvolvido ao longo da vida. E como qualquer músculo, deixa-nos mais fortes, mais aptos para suportar maiores esforços e torna-nos progressivamente mais eficientes.

Como podemos, então, aprender ou cultivar a resiliência? O segredo, segundo os especialistas, passa por ajustarmos a forma como vemos e encaramos as adversidades. As pessoas que conseguem controlar as suas emoções e acreditam que podem fazer algo para minimizar os efeitos nefastos das circunstâncias resistem melhor do que aquelas que se sentem indefesas e pensam não ter controlo sobre a sua vida. «Muitas vezes são os momentos de controlo e não os sentimentos de impotência que nos motivam e apontam respostas», revela o psicólogo. «Em situações adversas podemos descobrir caminhos que nos possam trazer felicidade e sucesso não “em vez de” mas “por causa” dos desafios que se nos deparam.»


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O resiliente aceita que a mudança é a norma, não a estabilidade. Vê além das circunstâncias e encontra soluções ou oportunidades onde os outros veem apenas problemas e obstáculos. Acredita em si, nas suas capacidades e que é responsável pelo que acontece à sua volta. É claro que perante acontecimentos traumáticos, como a morte de alguém ou uma situação de doença, nem sempre é possível encontrar esperança ou um sentimento acrescido de bem-estar, mas há que ter noção que todos somos vulneráveis aos infortúnios e que, apesar de ser um caminho complicado, é possível ultrapassar esses momentos.

Além de cultivar a esperança, deve também desenvolver-se uma atitude mental positiva. Contudo, tal não significa nutrir um otimismo cego. Segundo Barbara Fredrickson, investigadora e autora do livro Positividade, em vez de olhar apenas para o lado positivo das coisas e afastar as emoções negativas, as pessoas resilientes vivenciam plenamente o que sentem em qualquer situação, quer seja algo bom ou mau. Ou seja, não fogem das emoções negativas. Deixam-nas ficar lado a lado com as outras emoções e procuram aprender com elas.

Lúcio Lampreia salienta ainda a importância de cuidarmos da nossa saúde, de forma a estarmos aptos para enfrentar os desafios, e de desenvolver a tolerância à frustração.

«É fundamental, para ser resiliente, procurar a solução em vez de ficar agarrado a algo que já não tem.»

O sentido de humor é outra das armas poderosas na construção da resiliência. Aprender a rir de nós próprios em vez de nos vitimizarmos, asseguram os especialistas, é uma arma infalível contra a tristeza e a depressão, que nos permite desdramatizar a realidade. E se queremos ser pessoas resilientes, temos de criar redes de suporte afetivas, isto é, construir relações fortes e positivas com a família, amigos e a comunidade, que nos irão dar o apoio necessário tanto nos bons como nos maus momentos.

«Nós devemos dar todos os passos que pudermos no sentido de nos tornarmos mais resilientes. Se algo de negativo lhe acontecer tente encontrar-lhe o sentido, mas lembre-se de que não podemos ter a pretensão de querer que as coisas mudem se fizermos sempre o mesmo», conclui Miguel Pereira Leite.