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Estes miúdos viram a ciência do avesso e ganham prémios na Europa

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Texto Sara Dias Oliveira

Venceram cá dentro e, por isso, mostram as ideias lá fora. Um pilarete automático que reconhece matrículas de carros que transportam pessoas com mobilidade reduzida e um fungicida à base de algas que protege castanheiros. Estes são os dois projetos que venceram a 25.ª edição do Concurso para Jovens Cientistas, promovido pela Fundação da Juventude. As ideias e os seus autores estiveram na final da competição europeia em Tallinn, Estónia, e trouxeram prémios da iniciativa que juntou 200 jovens de 38 países.

O Easypark é um pilarete automático, ou melhor, um poste vertical resistente, colocado nos locais de estacionamento prioritário, ativado através das matrículas dos carros que transportam pessoas com mobilidade reduzida, e que barra a entrada a viaturas não autorizadas. O projeto de três alunos da Escola Secundária de Oliveira do Bairro ganhou o primeiro prémio nacional na categoria de Engenharia. E hoje conquistou o Prémio Governamental da Cidade de Tallinn, no valor de mil euros. Um prémio atribuído a projetos com elevado potencial de aplicação no desenvolvimento urbano e que se ajustem às mais recentes tendências das smartcities (cidades inteligentes).

A ideia partiu de Beatriz Bastião que sente na pele essa dificuldade. «Desloco-me em cadeira de rodas e apercebo-me, com frequência que há condutores que ocupam esses lugares prioritários indispensáveis a pessoas com mobilidade reduzida.» O projeto é inovador e nasce para melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiências físicas, aumentar a sua independência, e reduzir desigualdades sociais, um dos objetivos do Milénio.

Beatriz, de 17 anos, aluna do 12.º ano de Línguas e Humanidades, partilhou o que andava a magicar com os colegas Luís Pinto e Olavo Saraiva da área de Ciências e Tecnologias. Afinaram pensamentos e puseram mãos à obra. «Eu tinha a ideia, eles tinham a habilidade, era a equipa perfeita porque tínhamos os dois lados.»

Beatriz, de 17 anos, aluna do 12.º ano de Línguas e Humanidades, partilhou o que andava a magicar com os colegas Luís Pinto e Olavo Saraiva da área de Ciências e Tecnologias. Afinaram pensamentos e puseram mãos à obra. «Eu tinha a ideia, eles tinham a habilidade, era a equipa perfeita porque tínhamos os dois lados.» E, desta forma, surgiu o protótipo do pilarete que já despertou a atenção da Universidade de Aveiro.

Antes da partida para Tallinn, Beatriz traduziu toda a documentação para inglês, para as apresentações ao júri, e os colegas aperfeiçoaram o poste. «Otimizámos o protótipo, que é um pouco artesanal, para ter melhor aspeto».

A estreia da equipa no concurso nacional correu bem e Beatriz começou a interessar-se por esse mundo científico. Depois do 12.º ano, pensa seguir Tradução ou Relações Internacionais, Luís anda inclinado para Engenharia Informática ou Multimédia, Olavo ainda anda a pensar que área seguir.

O outro projeto que representa Portugal nos 25 anos do Concurso para Jovens Cientistas ganhou o primeiro prémio na categoria de Ambiente. Chama-se ShealS (Sea Heals Soil) e é um fungicida natural à base de extratos de algas da costa portuguesa que inibe em 63% o crescimento de um fungo que ataca os castanheiros com a doença da tinta. A equipa é do Colégio Luso-Francês do Porto que esta terça-feira foi apurada para a Feira internacional de Ciências e Engenharia (Intel ISEF), que terá lugar em maio do próximo ano em Pittsburgh, nos Estados Unidos.

O Concurso para Jovens Cientistas surgiu em 1992 numa iniciativa da Fundação da Juventude, para estimular jovens talentos, dos 15 aos 20 anos, nas áreas da ciência, tecnologia, investigação e inovação. Os projetos científicos têm de estar concluídos antes de os alunos entrarem na universidade.

Desde o 10.º ano que Francisca Martins, Eduardo Nogueira e Gabriel Silva andavam às voltas com o projeto. Perceberam que tinha qualidade, que podia fazer a diferença. Francisca tem números importantes debaixo da língua: Portugal tem perdido 50% da produção de castanhas desde 2004 e perde setenta milhões de euros todos os anos na sua comercialização por causa, sublinha, desse «pseudo fungo que é muito prejudicial para os castanheiros».

Como o colégio tem projetos ligados às algas marinhas, a equipa aproveitou a oportunidade e os castanheiros do jardim da escola para testar o que ia engendrando. «É uma área que nunca foi estudada, é uma boa contribuição para o mundo da ciência». Antes da partida para a Estónia, o trio continuou a testar o fungicida nos castanheiros do colégio para chegar a um método mais eficaz que não prejudique as plantas e o solo. «Tentamos, ao máximo, melhorar e sentimos que três anos do nosso trabalho valeram a pena.»

Com o prémio nacional, a participação internacional. Beatriz estava entusiasmada antes da partida. «Vamos partilhar experiências com pessoas da nossa idade e com cientistas mais velhos que vão olhar para nós de igual para igual. Vai ser um concurso muito interessante, vão avaliar o nosso projeto e qualquer crítica é muito construtiva».

O fungicida já tem patente e pode ser comercializado. «É importante perceberem que alunos pré-universitários também podem dar contributos importantes para a ciência.» Francisca de 18 anos entrou este ano em Medicina, Eduardo de 18 anos entrou no mesmo curso e Gabriel de 17 anos em Engenharia Química.

DE JOVEM CIENTISTA A ASTROFÍSICO FAMOSO

Em 2004, David Sobral tinha 18 anos e estava na final dos jovens cientistas europeus em Dublin. Era a sua primeira viagem ao estrangeiro e ficou de boca aberta com o que viu: motores a jato, fórmulas químicas para criar medicamentos, algoritmos para melhorar a segurança das redes wireless. «Foi fabuloso, foi muito marcante a qualidade dos projetos, e pensei: «Se uma pessoa da minha idade faz isto então também quero fazer algo assim. E isso deu-me motivação.»

David tem hoje 31 anos e é um astrofísico reconhecido mundialmente. Liderou a equipa internacional que descobriu a galáxia mais brilhante do Universo primitivo que batizou de CR7 (pelas iniciais das coordenadas e pelo jogador português). É professor universitário no Reino Unido, tem mais de 50 publicações internacionais, investiga o Universo.

O astrofísico David Sobral concorreu sozinho, há 13 anos, quando era aluno do 12.º ano da Secundária Alfredo da Silva, do Barreiro, com um estudo sobre projéteis que pretendia medir a trajetória de bolas de desporto para perceber qual o melhor ângulo para o esférico atingir um objetivo.

Há 13 anos, no 12.º Concurso para Jovens Cientistas, da Fundação da Juventude, David era aluno do 12.º ano da Secundária Alfredo da Silva do Barreiro e conquistou o quarto prémio na competição nacional. Concorreu sozinho com um estudo sobre projéteis que pretendia medir, em ambiente controlado, em laboratório, a trajetória de bolas de desporto para perceber qual o melhor ângulo para o esférico chegar mais longe ou atingir um objetivo. Foi um pouco a correr. «Não fazia a mínima ideia de que o concurso existia e tive pouco tempo para desenhar o projeto».

David chegou a pensar seguir línguas e literatura moderna, escrevia poesia e contos no suplemento DN Jovem, do Diário de Notícias, mas já havia ali uma inclinação para o mundo científico. «Estava bastante interessado em ciência, mais virado para a Física, e senti que era uma boa oportunidade». E foi.

Formou-se em Física na Faculdade de Ciências de Lisboa, tirou o doutoramento na Universidade de Edimburgo e de seis em seis meses ia ao Havai, para o cimo de uma montanha, fazer observações astronómicas para medir a taxa de natalidade do universo desde o início dos tempos para entender quantas estrelas se perderam – e perderam-se bastantes ao longo de milhões de anos.

Esteve na Universidade de Leiden, na Holanda, com uma bolsa de investigação, agora é professor na Universidade de Lancaster, no Reino Unido, e faz parte da Sociedade Portuguesa de Astronomia. Conquistou vários prémios e bolsas importantes na área da ciência. E não esquece aquele concurso de há 13 anos. «Foi absolutamente fundamental». Agora lá fora continua nos caminhos da ciência, a estudar o universo primitivo, as primeiras estrelas, as primeiras galáxias, os primeiros buracos negros.

«FOI UM ORGULHO MOSTRAR O QUE FAZEMOS NO NOSSO PAÍS»

Nove anos depois, em 2013, um pouco mais a norte, três raparigas andavam a matutar num projeto que tivesse utilidade para os mais velhos. Jéssica Marques, então aluna do 10.º ano, não esquece o cartaz amarelo na sua escola, a anunciar a 21.ª edição do Concurso para Jovens Cientistas. Pediam-se ideias, o envio de projetos.

Os alunos ficaram entusiasmados e alguém falou em facilitar a toma de medicamentos nos lares de idosos. Jéssica Marques, Jéssica Santos e Soraia Gaspar, alunas da mesma turma na Escola Profissional de Rio Maior, juntaram-se e tornaram a ideia mais ambiciosa. «Pensámos numa caixa de medicamentos inteligente para pessoas com mais dependência ao nível de autonomia, para ajudar os idosos a serem mais independentes em suas casas», lembra Jéssica Marques.

E assim surgiu o SmartKit, uma caixa de medicamentos automática e inteligente, predefinida para uma semana, com seis tomas diárias, que emite sinais sonoros e visuais que avisam a hora exata das tomas e que abre um compartimento com os comprimidos que devem ser engolidos. Se o destinatário não carregar num botão, o sistema envia uma mensagem ao cuidador ou a um familiar a avisar que não houve resposta.

A SmartKit, uma caixa de medicamentos automática e inteligente. ganhou o segundo lugar do Concurso para Jovens Cientistas e um bilhete para a participar na final europeia em Praga, onde voltou a chamar a atenção.

A caixa ganhou o segundo lugar do Concurso para Jovens Cientistas e um bilhete para a participar na final europeia em Praga, onde voltou a chamar a atenção. As três jovens ganharam o prémio pela originalidade e uma viagem ao escritório das patentes, em Munique.

«Foi um verdadeiro orgulho mostrar o que fazemos no nosso país, o que os jovens fazem aqui, neste cantinho», diz Jéssica Marques. E não pararam por aqui. Ficaram em terceiro lugar num concurso de ciência na Holanda, ganharam vários prémios de inovação em Portugal, e um convite para apresentarem a caixa de medicamentos no Parque Tecnológico da Andaluzia, em Málaga, Espanha.

O concurso foi absorvente. Mas a caixa não está no mercado, não tem protótipo, tem apenas um pré-registo feito. Jéssica Marques, 21 anos, está no último ano de Educação Básica. Soraia, 25 anos, estuda Enfermagem. Jéssica Santos, 21 anos, é bombeira e acaba de entrar no curso de Serviço Social. «Estamos a estudar e, neste momento, não temos capacidade para investir e elaborar uma estratégia de desenvolvimento. E é preciso investimento para ser comercializado», explica Jéssica. O SmartKit é, portanto, uma ideia premiada sem existência física. Por enquanto.

«Formar uma geração vencedora»

O Concurso para Jovens Cientistas surgiu em 1992 numa iniciativa da Fundação da Juventude, para estimular o aparecimento de jovens talentos, dos 15 aos 20 anos, nas áreas da ciência, tecnologia, investigação e inovação.

Os projetos científicos têm de estar concluídos antes de os alunos entrarem na universidade. Vinte e cinco anos de caminho, mais de quatro mil participantes, mais de 1700 projetos, cerca de mil escolas e professores envolvidos, 16 prémios internacionais.

Os cem melhores projetos participam na Mostra Nacional de Ciência e é aí que as ideias que se destacam são selecionadas para representarem Portugal fora do país.

A Fundação da Juventude tem cinco mil euros para distribuir pelos quatro projetos vencedores e custeia a participação dos jovens nos concursos internacionais, apesar de há dois anos ter perdido o apoio financeiro do Ministério da Educação.

O concurso tem sido valorizado nas escolas e os professores são um precioso elo de ligação. O presidente executivo da Fundação da Juventude, Ricardo Carvalho, está satisfeito com o percurso de um concurso que ganhou raízes. «É um projeto estruturante a nível educativo, a nível nacional. Desde cedo, os jovens começam a ter gosto pelas áreas da ciência e tecnologia, que têm uma elevada taxa de empregabilidade.»

A ciência entra pelas escolas, desmistifica-se a sua complexidade, fala-se em inovação, dá-se corpo a ideias que podem chegar ao mercado. «Se queremos formar uma nova geração, uma nova geração vencedora, os jovens têm de ter apetência por essas áreas das ciências, engenharias, tecnologias, matemáticas.»