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«Os netos são o melhor anti-rugas que existe»

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Texto de Ana Patrícia Cardoso Fotografia de Jorge Simão e Gonçalo Delgado/Global Imagens

A AVÓ DO PALCO

Na sua casa da Lapa, onde a atriz São José Lapa, 66 anos, vive há cerca de 40, um dos quartos está reservado para a pequena Beatriz (prefere que lhe chamem Ariel). O espaço que antes era da mãe Inês, a filha única de São José, pertence agora à menina das tranças, que tem cinco anos. Quando a neta nasceu, a atriz passava mais tempo no Espaço das Aguncheiras, um projeto de teatro que desenvolveu perto do Cabo Espichel. «Estive um pouco ausente nos primeiros tempos, é verdade». Mas hoje passam muito juntas e estão na cara as parecenças entre avó e neta.

«Somos as duas um pouco autoritárias, admito. A Beatriz gosta de chegar e mandar em qualquer lugar. A mãe dela não é nada assim, é muito mais parecida com o pai (o encenador Alberto Lopes)». Nos anos 1950, quando era São José a menina que corria pela casa, a presença dos avós era tida com outra reverência. «Ainda me lembro de ser obrigada a pedir a bênção a minha avó que era uma professora austera, não demonstrava imediatamente afeição».

Hoje, o cenário é diferente lá em casa. «Reverteram-se os papéis. Os miúdos tornaram-se a figura central na família e são eles que ditam as regras.» Beatriz prefere rodopiar pela casa, descalçar-se, brincar no seu quarto ou abraçar a mãe, a participar na conversa que também é sobre si. É uma criança de sorriso fácil. «Vem cá, senta-te aqui», diz a avó. Nada feito. «Nunca fui boa educadora, sempre radicalizei muito as coisas. Tento ser a autoridade, mas não consigo», admite São José com uma gargalhada.

«Mas a minha filha é uma mãe extraordinária. Somos uma família engraçada, não é?» Ainda é cedo para prever o caminho da Beatriz – perdão, Ariel. Inês seguiu o caminho das tábuas e hoje contracena na peça A Atriz e o Medo, encenada por São José. Mas já há planos para a benjamim. «Gostava muito de fazer uma peça no verão só eu e a Beatriz, as duas em palco. Avó e neta numa peça infantil.»

A AVÓ DA POLÍTICA

A conversa é interrompida porque a grupeta de netos (Diogo Maria, 13 , Francisco, 13, Vicente Maria, 11, e Mafalda, 5) decidiu que era tempo de fazer ovos estrelados. «Avó, pode só vir acender o fogão? Nós tratamos do resto.»

Edite Estrela, 67 anos, deputada na Assembleia da República, vai à cozinha com os netos, certifica-se que está tudo bem e volta à sala de estar. Mafalda, a mais pequena e única menina, volta também. É final de tarde de um dia de semana e muitas vezes os quatro ficam com a avó enquanto os pais estão a trabalhar.

«O mês de agosto também é dos avós. «Vamos muitas vezes de férias todos juntos para o Algarve ou para a casa que temos no Norte». Na altura em que foi deputada do Parlamento Europeu e viveu em Bruxelas, Edite vinha a Portugal aos fins de semana. «Quando morava longe, nós víamos um avião a passar e dizíamos: Olha, lá vem a avó ter connosco!», diz Diogo, o neto mais velho.

«Há que fazer um esforço para estar presente, é muito importante a base familiar e sobretudo o exemplo que lhes damos», diz a avó. Preferiu não dar muitos conselhos às duas filhas, Patrícia e Filipa, quando estas foram mães. «Tentei estar sempre disponível para ajudar, mais do que dizer-lhes o que fazer. Até porque todos os livros que eu li no meu tempo já estão desatualizados agora».

Entre os cozinhados, as idas para o futebol ou a dança da mais pequena, é necessária uma energia extra. «Felizmente, hoje, uma avó com 60 anos é mais jovem e ativa que antigamente. Podemos acompanhá-los, participar das brincadeiras de forma diferente.» Mas com regras. «Não sou uma avó completamente permissiva. Estabeleço regras, inclusive nas férias. Eles sabem que há horários para comer, para brincar, para estudar, para descansar.» A mesma atitude é assumida em relação aos presentes. «Digo muitas vezes “não”. Também é importante para eles perceberem que não podem ter tudo.»
Os ovos não foram um sucesso, mas havia um bolo de chocolate para salvar o lanche. Muito bom, por sinal.

A AVÓ DOS LIVROS

«Os netos são o melhor anti-rugas que existe. Em vez de recomendar cremes, eu recomendo netos.» A escritora Isabel Stilwell, 57 anos, tem seis netos (três biológicos e três dos enteados). As três miúdas da filha Ana estão a construir uma cabana imaginária, com paus, no jardim da casa da avó, em São Pedro de Sintra. As gémeas Madalena e Carminho, 6 anos, levam o empreendimento mais a sério. A mais pequena, Marta, com 2 anos, não está para aí virada, prefere as flores. É ao livre, ao sol, que as netas passam grande parte do tempo. Durante a semana, pelo menos duas vezes, vêm para cá. Às vezes, mais.

Isabel é uma avó presente sem exigir espaço, uma dinâmica conquistada com o tempo e com a experiência. «Falo com imensos avós e entendo que o mais difícil é percebermos que não somos pais, somos a retaguarda. É um choque. Quando vamos à maternidade e vemos os bebés, podíamos trazê-los para casa. Nós já sabemos qual é o sentimento, é só recordar. É como andar de bicicleta. Mas não é o nosso papel.»

Ser avó despertou na escritora e jornalista um olhar renovado sobre os pormenores que escapavam na correria do dia-a-dia. «Olhar para um pombo e perceber-lhe os detalhes, dedicar-lhes o tempo que for preciso, é uma aprendizagem também para nós». A disponibilidade também é outra. «Fui mãe aos 23, 26 e 30 anos. Ao mesmo tempo estava a trabalhar e a construir uma carreira. Conjugar tudo é um desafio enorme – principalmente para as mulheres».

Ainda que não sejam os educadores dos netos, os avós têm um papel determinante – incluindo na relação com os próprios filhos. «O Eduardo Sá disse uma coisa que eu retive: não podemos desistir de educar os nossos filhos, mesmo que já sejam pais. Compete-nos não refilar pelos cantos, não falar em frente às crianças – que elas ouvem tudo – mas ter a coragem de olhá-los nos olhos e dizer-lhes que há coisas que precisam ser revistas.»

Entre um abraço e outro e um jogo de bola, as netas despedem-se com beijos. A casa ficou mais silenciosa, mas a presença delas está por todo o lado. Na camarata dedicada exclusivamente aos netos, nos brinquedos espalhados ou nos desenhos de rainhas pendurados na parede que ajudam Isabel quando está a escrever romances históricos.

O AVÔ DOS TACHOS

O chef Miguel Castro e Silva, 56 anos, chega à sua casa na Lapa com um saco de compras. Entre outras coisas, estão as lulas que vai cozinhar para – e com – a neta Carminho, quatro anos. «É um prato que ela adora». Que a tenra idade não engane ninguém, Carminho é um bom garfo desde muito cedo. «Aos dois anos já comia meio quilo de amêijoas.»

Uma vez que a mãe Joana e o pai Gonçalo também trabalham em restauração, impõe-se a questão: a Carminho quer ser chef? «Espero que não. Que seja o que ela quiser mas esta vida é muito dura», diz o avô babado. Quando a pequena chega, a atmosfera muda. Sorriso rasgado e atitude decidida, perde-se de amores pelo avô e pelos temperos do repasto. O chef conta orgulhoso: «costumo levá-la para a cozinha, sentá-la na cadeirinha e fica a ver-me cozinhar. Cheira as ervas aromáticas, já sabe o nome dos peixes.»

Inclusive, não são raras as visitas ao mercado. Em comum, avô e neta têm a paixão pela comida e pela música. Miguel tem um piano em casa que Carminho tenta tocar vezes sem conta. Ainda não acerta nas notas mas a convicção está lá. «O avô costuma sentá-la ao colo e ficam os dois a tocar, durante muito tempo», conta Joana.

A trabalhar sobretudo à noite, nos vários restaurantes de que é proprietário, Miguel aproveita as tardes para ficar com a neta. «Estou sempre a correr mas tento arranjar tempo para ela.»

Nas férias, o Algarve é o destino de eleição e toda a família passa dias de calor entre a praia e a cozinha. As lulas estão prontas, foi um prato feito a dois. «Devia ter comprado mais, olha como ela gosta disto!» De pão em punho para acabar com o molho, Carminho come com um sorriso rasgado de quem esperou para saborear algo delicioso. E estava mesmo.

O AVÔ DA MÚSICA

Quem se lembra do cantor Adolfo Luxúria Canibal (nome artístico do advogado Adolfo Morais de Macedo), 57 anos, ou dos Mão Morta, banda rock dos anos 1980, talvez não imagine imediatamente Adolfo com os dois netos, Leonardo, 3 anos, e Gabriel, um ano.
O vocalista de uma das bandas que marcou uma geração é pai de Isabel Sofia, que emigrou para Cork, na Irlanda, em 2007. Foi lá que nasceram os dois meninos que Adolfo lamenta «não ver tão regularmente quanto gostaria», por causa da distância.

«Falamos muito por Skype, as novas tecnologias ajudam.» Conviver com a família à distância é uma das consequências da crescente emigração que Portugal sofreu na última década. Segundo dados das Nações Unidas, em 2016, 2,3 milhões portugueses viviam fora do país. Muitos acabam por não voltar. Isabel, que foi para estudar e acabou por ficar, é um desses casos.

Para Adolfo, o desafio é manter-se ao corrente do crescimento das crianças «Tento estar sempre a par das quedas, das brincadeiras, das descobertas. Esta é uma idade muito engraçada, há coisas novas todos os dias.»

Quando era pequeno, costumava ficar na casa dos avós maternos quando ia a Braga. «Tinha uma relação boa com eles, a minha avó viveu até aos 103 anos». As visitas são sempre uma correria para a família. «Quando eles estão cá nunca param, há que visitar toda a gente». Isabel e a família vêm a Portugal, duas a três vezes por ano. É pouco mas já ajuda a matar alguma saudade. E o avô agradece. (E nós também, porque assim pudemos fotografá-los juntos).