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“Endless summer vacation”, um disco em forma de cidade

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Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Um disco, um livro, um filme ou um quadro pode ser a encarnação de um lugar onde nunca se esteve. O autor destas linhas ainda está para voar até Los Angeles e, todavia, não duvida que “Endless summer vacation” (Columbia), o oitavo álbum de originais de Miley Cyrus, só podia ter saído daquela cidade – e foi, em boa parte. É pop-rock poliglota, esculpido com detalhe, mexe com o corpo. É sofisticado, sentido, tem espaço para respirar e está suspenso sobre um vazio que pode ser tudo (a capa, fotografia de Brianna Capozzi, Miley pairando sobre um azul perfeito, agarrada à escada de um helicóptero, é exemplar).

Miley Cyrus está confortável no seu generoso virtuosismo. “Flowers”, o primeiro single, naquele varrer dos cacos de uma relação terminada e a caminho de apagar a mágoa, a autonomia anunciada em alto e bom som para convencer os ouvintes tanto como ela própria, é uma adenda contemporânea a “I will survive” de Gloria Gaynor. “Rose colored lenses” tem lentidão asfaltada, tem new wave na pulsação cautelosa, tem synthpop no ar, tem Taylor Swift nas harmonias, tem um solo desgovernado de um sintetizador parecido com um saxofone. A crepuscular “Thousand miles” injeta Nashville neste preparado, com Brandi Carlile nos coros. “Endless summer vacation” raramente se prende ao retrovisor. “You” é exceção, balada rhythm ‘n’ blues sessentista com detalhes de produção hip-hop, logo neutralizada pela admirável “Handstand”, densa mas vaporosa, o som de néon comestível, uma viagem mental pela noite. A ofegante e sintética “River” confere ao álbum uma passada mais extrovertida, dançável. “Wildcard” é intrigante, um acidentado ritmo de marcha a suster um enredo melódico épico. “Island”, estupenda, tem uns pós de Caraíbas no pulsar acetinado e um refrão com uma melodia de 1985 presa na cabeça. Não falta uma balada para piano e orquestração low profile, “Wonder woman”, que permite a Miley voar por oitavas. Um álbum com uma narrativa sonora sedutora, uma larga avenida com palmeiras e mar e desprendimento.