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Tolentino Mendonça: o braço que toca no outro

Fotos: Ilustração: Mafalda Neves

Tolentino de Mendonça é cardeal, poeta e teólogo. Arquivista do Arquivo Apostólico do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Apostólica Vaticana, na Cúria Romana

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Gosta do mar, da primavera, de sentar amigos à mesa. Viveu parte da infância em África. Mais novo de cinco irmãos, foi marcado pela imensidão desses primeiros anos.

“Um homem do asfalto.” A expressão, da escritora e jornalista Leonor Xavier, amiga antiga, revela “um homem de gente”, “de mulheres e de homens”, um caminhante da cidade “que a todos incluiu, em convívio, com os pés no chão”. O filho do pescador madeirense tem, acrescenta Leonor, “o lado de Deus com ele” – “os momentos de reflexão, de estudo, de pensamento”.

Maria João Avillez perguntou-lhe um dia se se podia falar do poeta que ele é, do intelectual, do homem de cultura, sem falar de Deus. Não, não podia. “A procura de Deus é a dimensão mais forte da minha existência. Em última análise é dessa procura – humilde, inacabada, sempre a ser refeita – que me alimento.” Diz a jornalista: “Sempre achei que não eram precisas palavras para falar de José Tolentino de Mendonça. Bastam as dele: ninguém nos interpela, marca, toca, assim tão fundo, o coração. Ninguém como ele nos traz o sagrado para tão próximo de nós”.

Tolentino de Mendonça viveu parte da infância sob o céu de África. Mais novo de cinco irmãos, foi marcado pela imensidão desses primeiros anos. Tanto quanto pelo duro retorno da família à ilha da Madeira, em 1975. Dias de estigma e de falta, na dependência das boas vontades. De contacto real com a condição e natureza humanas, futuras interpelações maiores do padre, teólogo e poeta.

“Ele não podia ser outra coisa que não fosse padre”, sublinha Leonor Xavier. Recorda um jovem “imaginativo, criativo, impaciente, de mochila às costas, sempre carregada de livros”.

“O que andas a ler? É a pergunta típica no Tolentino”, realça Assunção Cristas. Conheceram-se em 1993, era ele assistente espiritual das Equipas de Jovens de Nossa Senhora. Casou-a, batizou-lhe os quatro filhos, e é padrinho de Maria da Luz, a mais nova. A ex-presidente do CDS-PP recorda-se de ver a capela da Universidade Católica quase vazia para a missa das 13 horas. “Pouco a pouco foi enchendo até se tornar muito pequena.” Depois da missa, era frequente almoçarem, juntos, na cantina da faculdade. “O maior gosto do Tolentino talvez seja o convívio à volta da mesa: para além da comida ou do vinho, o seu interesse está nas pessoas, na sua vida imperfeita, nas suas capacidades. Sobretudo, nas suas fragilidades.”

Gosta do mar. “Da primavera”, adiciona Assunção, “em particular deste tempo em que vivemos, a Quaresma, tempo de reconstrução interior que coincide com o renascimento da Natureza”. Dos seus amigos, muito. “Guardarei para sempre o porventura mais inesperado e sublime dos presentes que jamais recebi numa vida que vai longa: a visita, em maio de 2019, à Biblioteca do Vaticano e ao seu Arquivo Secreto, que ele ciceroneou com infinito saber e uma doçura vagarosa”, conta Maria João Avillez.

É tarefa impossível cumprir a regra do contraditório quando se trata do cardeal responsável pelo Arquivo e pela Biblioteca do Vaticano, homenageado agora pela Universidade de Coimbra. Os que se interrogam sobre a “ascensão meteórica do padre e a vénia permanente ao poeta e intelectual” não consideram ser o tempo de falar. A verdade é que raras personalidades portuguesas são tão consensuais.

“O Papa Francisco sabia bem o que fazia quando pescou este ainda jovem sacerdote no nosso mar português”, afirma Maria João Avillez.

Em 2019, o investigador Luís Mah descreveu à jornalista Filomena Abreu, nestas páginas, o que sentiu quando “quis perceber o que era ser gay e cristão”: “O Tolentino é uma espécie de terapeuta na sua essência. O que me fez sentir uma das cartas do baralho. Ele é único. Vai ser o futuro Papa”.

José Tolentino Calaça de Mendonça
Cargo:
Cardeal, poeta e teólogo. Arquivista do Arquivo Apostólico do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Apostólica Vaticana, na Cúria Romana
Nascimento: 15/12/1965 (55 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Machico, Madeira)